Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A imprensa julga e condena

O ombudsman da Folha de S.Paulo, Marcelo Beraba, critica duas manchetes do jornal: uma garante que, no relatório da Polícia Federal que seria divulgado no dia seguinte, o presidente licenciado do PT, Ricardo Berzoini, será apontado como inspirador do dossiê forjado contra tucanos; outra afirma que o governo federal está injetando dinheiro na TV de Fábio Lula da Silva, Lulinha. Lembra o ombudsman que o relatório da Polícia Federal, divulgado no dia seguinte ao da manchete, não incrimina Berzoini; e que a empresa do filho de Lulinha não tem sociedade na TV cujos horários compra.


Perseguição ao PT? Não: é um fenômeno mais profundo, que não acontece apenas em um jornal, mas em todos; que atinge não um partido, mas todos; que não se limita à política, mas atinge todos os cidadãos. É a Síndrome da Culpa Geral: basta haver uma suspeita que um cidadão, um partido ou uma empresa passam automaticamente a ser tratados como culpados, de maneira maciça e arrasadora, por todos os meios de comunicação.


É preciso retornar o mais rapidamente possível aos bons e velhos princípios jornalísticos, jurídicos e humanísticos: todos são inocentes até prova em contrário, suspeita não quer dizer culpa, promotor e delegado não são infalíveis, jornalista não é juiz. Considerar que uma pessoa é culpada porque um delegado ou promotor assim a considera é antecipar-se aos fatos: quem determina a culpa é a Justiça. E ancorar-se em informações das ‘otoridades’ é mau jornalismo: o bom jornalismo desconfia das informações até que sejam comprovadas, e desconfia especialmente de informações de autoridades ávidas por aparecer na mídia.


O caso da Escola Base foi um marco neste processo de destruição jornalísticas de suspeitos; mas está longe de ser o único (conto, abaixo, uma história muito parecida, na qual a vítima, entretanto, não quis mover processos). Agora mesmo, um jornal foi condenado por tratar suspeitos como culpados. Eram quatro policiais civis que, antes de qualquer julgamento, foram tratados nos títulos e reportagens como ‘quadrilha’, ‘bandidos’, ‘vilões’ e responsáveis ‘por extorsão, clonagem de cartões, seqüestro e ameaças de morte’.


Os quatro foram absolvidos e processaram o jornal, agora condenados. De acordo com o tribunal, ‘o jornal tratou simples suspeitos como criminosos’. Mas o problema, na verdade, não é a condenação: o problema é que, ao tratar suspeitos como criminosos, ao atribuir-lhes crimes pelos quais sequer tinham sido julgados, fugiu aos princípios básicos do jornalismo.


É isso que não podemos admitir.




E se for culpado?


As manchetes criticadas pelo ombudsman da Folha podem acabar-se revelando verdadeiras. Mas, antes de publicá-las, é preciso fazer algumas comprovações. No caso do relatório da Polícia Federal, o jornal poderia provar que o relatório era aquele que tinha sido citado, mas que foi substituído à última hora; e qual teria sido o motivo da substituição. Ou, caso isso seja impossível, esperar que finalmente saia o relatório incriminando o dirigente petista – aí, sim, a manchete se referiria claramente aos acontecimentos. Antes disso, não.


Quanto ao caso de Lulinha, é preciso provar, primeiro, que alguém, ele ou a empresa da qual é um dos dirigentes, se associou à TV. Uma associação legal consta na Junta Comercial. Caso não haja o registro na Junta Comercial, pode-se provar a associação de outras maneiras – e, nesse caso, tem-se ainda uma tentativa de ocultação dos fatos, o que deixaria a matéria muito mais saborosa. Provado que Lulinha seria sócio da TV, a matéria (e a manchete) ganharia nova envergadura. Mas, por enquanto, Lulinha é apenas o comprador de espaço na rede. Está na mesma situação do pastor R. R. Soares, da Igreja Universal da Graça de Deus, que também comprou um belo naco de espaço da Rede Bandeirantes.




A história da moça


Foi uma história fantástica. Certa vez, uma adolescente, que morava como convidada na casa de um cidadão importante, chamou a polícia para acusá-lo de instalar uma câmera de vídeo no banheiro que ela utilizava. O delegado do caso – daqueles de nome esquisitíssimo, que este colunista tem a maior curiosidade de saber de onde surgiu – invadiu a casa, apreendeu fotos, apreendeu vídeos, deu dezenas de entrevistas (‘mamãe, olha eu na TV!’), acusou o dono da casa de devasso, de pervertido, não apenas por colocar a câmera e ver a convidada tomando banho mas também por ter uma coleção de vídeos pornô e fotos em que aparecia nu ao lado da namorada. A imprensa marchou junto: rádio, TV, jornais (internet, na época, era incipiente), todos publicaram as histórias do Grande Sátiro.


Só havia alguns problemas, que jornalista algum se deu ao trabalho de verificar – o primeiro deles é que o dono da casa estava há sete meses no exterior, e a moça passara a morar lá, embora a seu convite, quando ele já tinha viajado. O segundo é que a câmera, muito antiga, estava desconectada de qualquer rede: não transmitia nem para as tevês da casa (e, na época, nem haveria como enviar as imagens para outros países, onde vivia o empresário). A câmera tinha sido instalada naquele banheiro em velhos tempos, quando lá havia um bebê que era monitorado o tempo todo. Terceiro, na ala da casa que a jovem ocupava, havia três banheiros. Os outros dois não tinham câmeras. Ela mesmo escolhera o banheiro que ia utilizar.


O dono da casa voltou ao Brasil e contou o resto da história: tinha, sim, fotos dele e da namorada, ambos nus – fotos tiradas com a permissão de ambos. Tinha, sim, uma coleção de vídeos pornográficos – vídeos comprados no mercado, onde eram vendidos livremente, com nota fiscal e tudo.


A moça, apurou-se, aconselhada por uma parente, tinha vislumbrado uma oportunidade de ganhar algum para ficar quieta. Não ganhou nada. E ficou quieta, porque a acusação era obviamente falsa. As ‘otoridades’ que a apoiaram no início sumiram no fim.


Daria um grande processo judicial. Mas ele preferiu encerrar o caso. O delegado, tão loquaz no início, também preferiu esquecer tudo e silenciar. E este colunista até hoje não sabe de onde saiu o estrambótico nome do majura.




Lula novo, Lula velho


O presidente Lula disse, logo que foi eleito, que teria a partir daquele momento relações muito diferentes com a imprensa. No primeira mandato, esteve afastado; no segundo, iria cansar os repórteres de tanto dar entrevistas.


As coisas estão diferentes, mesmo. Um grupo de repórteres foi agredido em Brasília por militantes petistas. O fotógrafo da Folha foi agredido por um segurança do presidente Lula. O repórter da Folha tentou protegê-lo, foi empurrado e atirado no chão. O presidente nacional do PT, Marco Aurélio Garcia, disse para os repórteres cuidarem de suas redações que do PT cuidava ele. O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, recebeu o repórter de O Globo, numa entrevista coletiva, aos berros, dizendo-o ‘irresponsável’ e proclamando que não seria uma pessoa bem-vinda na Petrobras.


O presidente da Petrobras tem o direito de considerar que certas pessoas não são bem-vindas a sua casa; mas a Petrobras não é sua casa. É uma empresa de capital misto, na qual o sócio majoritário é a União – o que inclui o repórter de O Globo e demais pessoas de que o presidente da Petrobras não gosta.


Enfim, as relações entre governo e imprensa estão mesmo bem diferentes. Só falta levar para o governo alguém como o coronel Ubirajara, não é mesmo?




A frase do ano


Sócrates, o filósofo ateniense condenado à morte por envenenamento, criou uma frase que atravessou os séculos: ‘Só sei que nada sei’. Não, ele não está sendo plagiado. Gente malvada dirá que o autor que citamos abaixo nunca ouviu falar de Sócrates. Besteira: se lhe perguntarem quem foi Sócrates, ele responderá de bate-pronto que foi meia do Corinthians e da seleção, jogou com Geraldão Manteiga e Palhinha, fez uma excelente dupla com Zico no time de Telê. Mas vamos à grande frase:


‘Não me pergunte o que é, ainda, que eu não sei, e não me pergunte a solução, que eu não a tenho, mas vou encontrar, porque o país precisa crescer’.


Autor: o presidente Lula.




Os grandes títulos


Jornalismo e aritmética são freqüentemente inimigos. Aqui, por exemplo:


** ‘Produção de álcool deve se manter entre 8% e 10%’.


Imagina este colunista, habituado aos combates entre aritmética e jornalismo, que o objetivo do título fosse informar que a produção de álcool deve crescer entre 8 e 10%. Como isto é fato, e nesse caso o título faz sentido, deve ser.


Mas há outro:


** ‘Luciana Gimenez deixou de gravar o programa Super Pop ao vivo na noite desta segunda (…)’


Vamos lá, colegas: o programa deveria ser ao vivo ou gravado?


Na opinião deste colunista, entretanto, o melhor título da semana vem do maior celeiro desse tipo de informação: a internet. Veja só que coisa preciosa:


** Especialista diz que cópias de Rembrandt são obras originais

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados