Thursday, 02 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A verdade em tempo de guerra

Quando os Aliados preparavam a retomada da França, acertaram com a Resistência as senhas que indicariam o local do desembarque, e que seriam transmitidas pela BBC. No local escolhido, a Resistência se levantaria e entraria em combate com os nazistas, procurando reduzir ao máximo sua capacidade de combate.

Só havia um problema: o local em que a Resistência se levantasse indicaria aos nazistas onde seria o desembarque. A questão foi resolvida de maneira simples e sangrenta: a BBC transmitiu todas as senhas (incluindo a Chanson d’Automne de Verlaine, ‘les sanglots longs des violons de l’automne blessent mon coeur d’une langueur monotone’, que indicava o local verdadeiro do desembarque, a Normandia). A Resistência entrou em combate em toda a costa francesa; e, excetuando-se a Normandia, onde recebeu o apoio da invasão aliada, foi massacrada pelo Exército alemão. O importante era vencer a guerra. E, como disse o primeiro-ministro britânico Sir Winston Churchill, ‘a verdade é tão preciosa que precisa ser protegida por uma muralha de mentiras’.

O princípio é o mesmo que norteia as narrativas americanas sobre a morte de Osama Bin Laden: muitas narrativas contraditórias, das mais diversas fontes, protegendo a verdade com uma muralha de mentiras. Não dá para saber, com segurança, se o governo paquistanês sabia da incursão, e até que ponto; não dá para saber o que aconteceu dentro da casa – aliás, não dá para saber com certeza nem mesmo se aquela casa foi o local do ataque. O nome dos soldados é desconhecido e não há, portanto, como conferir suas versões com as oficiais e extra-oficiais – se é que as extra-oficiais não são tão oficiais quanto as outras. Ao que tudo indica, algum tempo se passará antes que se saiba algo do que realmente ocorreu.

Quanto à opinião pública internacional, há, como de costume, uma forte divisão. E tanto os Estados Unidos quanto seus aliados não se preocupam a mínima com quem é a favor ou contra. Ninguém ali espera ser canonizado: seu objetivo é destruir o inimigo.

 

De G a J

O mundo está a cada dia mais complicado. No meio de todo o caso Osama Bin Laden, com o corpo que sumiu, as histórias que se contradizem, a invasão ou não do território paquistanês, aparece um descendente de Geronimo, o líder apache que guerreou contra o governo americano no século 19, protestando contra o uso do nome do antepassado como código para designar o inimigo. Uma sugestão a Obama: explicar que a referência não foi a Geronimo, o Apache, mas a Jerônimo, o Herói do Sertão, criado por Moysés Veltman para uma novela da Rádio Nacional do Rio e apresentado duas vezes na TV, uma na Tupi, outra no SBT.

Luiz Fernando Verissimo já disse que, sempre que surge uma personalidade mundial, pode-se procurar que tem um parente no interior do Paraná. No caso, por que não buscar o codinome entre os inúmeros heróis da novela brasileira?

 

Um pouco de História

Geronimo, chefiando os apaches, lutava contra o estabelecimento de reservas indígenas nos Estados Unidos. Em 1866, com a promessa de que as terras apaches lhes seriam devolvidas, rendeu-se ao Exército americano. As terras, claro, não foram devolvidas, e Geronimo passou 20 anos preso. Morreu em 1909.

 

Errou, reconheceu, desculpou-se

Ricardo A. Setti, em seu blog, dá um belo exemplo de comportamento: convencido de que errou na abordagem do caso da jovem que viajou no avião de Dilma Rousseff, sem conhecimento da presidente, reconheceu o erro num texto do tamanho do que foi corrigido e pediu desculpas pela falha. Setti, que já era inatacável pela maneira como se comportou em mais de 40 anos de carreira jornalística, ganha ainda mais pontos pela ética com que se conduziu neste caso.

 

Insultar, não

O incidente no Senado entre Danilo Gentili, do CQC, e Renan Calheiros é algo que merece uma análise mais profunda do que simplesmente elogiar o insulto que tanta gente gostaria de ter proferido. Gentili perguntou a Renan se tê-lo no Conselho de Ética não seria o mesmo que ter Fernandinho Beira-Mar no Ministério Antidrogas; Renan irritou-se, gritou, exigiu respeito e chamou a polícia do Senado, que impediu Gentili de continuar seu trabalho.

Este colunista já teve problemas com a polícia do Senado, que insistia em chamá-lo de ‘Baltazar’ e em desconhecer que o crachá não apenas era legítimo como coincidia com seus documentos. Existir um organismo chamado ‘polícia do Senado’ já é esquisito; seus integrantes acharem que são policiais de verdade é mais esquisito ainda.

Mas isso não exime os entrevistadores de tratar os entrevistados com respeito, por mais que os desprezem, por menos que neles acreditem. Agredir verbalmente um entrevistado é incorreto, inaceitável. E desnecessário: todos nós já vimos entrevistados desmoronando diante de perguntas absolutamente pertinentes, sem que fosse necessário agredi-los de maneira alguma.

 

O elogio do insulto

Neste momento, principalmente na internet, vivemos uma fase em que o insulto tem grande popularidade. Há pessoas que mandam suas opiniões sobre determinados políticos com frases do tipo ‘não o reconheço como detentor do cargo’, ‘escrevo seu nome em minúsculas porque é o que o sr. merece’, coisas desse tipo, manda-o para algum lugar pouco recomendável e acha que isso é coragem. Não, não é (especialmente quando anônimo): é apenas falta de educação.

 

Preconceito explícito…

O excelente colunista Gustavo Chacra impõe em seu blog, que cuida preferencialmente de Oriente Médio, uma norma que deveria ser seguida em toda a internet:

‘Comentários islamofóbicos, antissemitas e antiárabes ou que coloquem um povo ou uma religião como superiores não serão publicados. Tampouco ataques entre leitores ou contra o blogueiro. Pessoas que insistirem em ataques pessoais não terão mais seus comentários publicados (…) O blog está aberto a discussões educadas e com pontos de vista diferentes (…)’

Infelizmente, esta norma vale apenas para o blog de Chacra. No caso do rapaz que assassinou as crianças na escola do Realengo, houve uma certa exacerbação antimuçulmana – como se o simples fato de ser muçulmano transformasse uma pessoa num fundamentalista alucinado, obcecado pelo desejo de matar. E o rapaz, ao que se saiba, nem muçulmano era. Mas o mal tinha sido feito.

Houve alguns outros crimes e, imediatamente, apresentadores e comentaristas se referiram aos autores (fossem ou não conhecidos) como ‘gente sem Deus’. É preconceito explícito contra os ateus – e nem é preciso lembrar que liberdade religiosa não é apenas o direito de obedecer a suas crenças e de cultuar seu deus ou deuses, mas também o direito de não ter crenças e não ter nenhum deus.

 

…e a consequência

Uma senhora gaúcha, casada, mãe de três filhos, em certa época luterana, depois ateia, foi personagem de uma reportagem que saiu na Veja em 2002. Até hoje esta senhora é perseguida na internet, por um blogueiro e por uma comunidade no Orkut. O curioso é que isso ocorre há quase dez anos e a polícia ainda não tomou providências para resguardar a intimidade da família e seu direito de acreditar ou não em Deus. E o blogueiro que a persegue há tantos anos, sem conhecê-la pessoalmente, sem outro motivo exceto sua posição religiosa, talvez tenha algum distúrbio que, no mínimo, precisa ser analisado. Cadê as autoridades?

 

O começo do Brasil

É um livro muito citado, muito raro, pouco lido: o Diário de Navegação de Martim Afonso de Souza, comandante da primeira expedição portuguesa de colonização do Brasil, fundador de São Vicente, a primeira cidade brasileira, introdutor da cana-de-açúcar no país. O livro, escrito por Pero Lopes, irmão de Martim Afonso, sai agora numa bela edição, com desenhos do excelente Luís Valandro Keating e textos de Ricardo Maranhão. Lançamento: quarta-feira, dia 11/5, a partir de 19h30, na avenida Faria Lima, 2.705, São Paulo.

 

E a festa continua

Os sindicatos de jornalistas estão entusiasmadíssimos com a possibilidade da aprovação da emenda constitucional que exige o diploma para o exercício da profissão. Talvez por isso não estejam prestando atenção no que escrevem. Esta frase é do sindicato paulista:

‘Laser (adquira os ingresso no Sindicatos dos Jornalistas (…)’

‘Laser’ não deve ser o raio. Talvez, imagina este colunista, seja ‘lazer’. ‘no Sindicatos dos Jornalistas’, vá lá, pode ser um acúmulo de distrações, ou a expressão do desejo de que os sindicatos se multipliquem por cidades, bairros, ruas, esquinas! Já ‘adquira os ingresso’ deve derivar daquele hábito de se referir à elite como ‘a zelite’, aos americanos como ‘us ianque’ e aos amigos como ‘us cumpanhêro’ e àquela aguinha famosa como ‘us drinque’.

Considerando-se a dura posição sindical, não deve ser falta de diplomas, não.

 

Como…

De um grande jornal, noticiando o estrondoso silêncio de José Serra:

** ‘Até a manhã de ontem, no twitter, Serra só falava da vitória do Palmeiras sobre o Corinthians’.

Que há de estranho? Só um fato: quem ganhou foi o Corinthians.

 

…é…

De um grande jornal, comentando um livro:

** ‘(a autora) leciona teoria literária na (…)’

Não é bem assim: a autora faleceu há uns cinco anos.

 

…mesmo?

De um grande jornal, no farto noticiário sobre a morte de Osama Bin Laden:

** ‘A secretária de Estado Hillary Clinton afirmou (…) que ‘a Al-Qaeda não pode acabar nem derrotar’ seu país’.

Alguém errou a tradução, ou se esqueceu daquela coisa tão descartável que é alguma preposição. Se não houve erro nem falta de preposição, perdeu-se um título notável: ‘Empate Perpétuo’.

 

O extra da vírgula

Título de um dos maiores portais da internet:

** ‘Para técnico, diante do Palmeiras Coxa, ‘não precisa provar nada’’

E ainda há quem ache que vírgula não tem a menor importância!

 

Mundo, mundo

Segundo um dos principais jornais do país, edição online, Cristiano Ronaldo é o jogador mais bem pago do mundo.

** ‘Cristiano Ronaldo lidera com 12 mi de euros por mês’

Ou seja, de oito em oito meses Cristiano Ronaldo poderia comprar o próprio passe, o mais caro do futebol mundial. Mas o que está errado não é o número: é o período. Este salário é o que ele ganha por ano.

 

E eu com isso?

Obama, Osama, mas quem teve mais audiência na TV foi mesmo o casamento do príncipe William com Kate Middleton. Notícia leve também é notícia!

** ‘William é flagrado de volta ao trabalho’

** ‘Site publica fotos de irmão de Kate Middleton nu’

Este colunista é legal e tenta facilitar a vida dos leitores: o endereço das fotos está aqui.

** ‘Malu Mader corre até o carro depois de fazer compras’

** ‘Mariah Carey deu à luz ao som de sua própria música’

** ‘Samara Felippo adota franjinha’

** ‘Lindsay Lohan faz ensaio sensual antes de voltar para a cadeia’

** ‘‘Gosto mais de bicho do que de gente’, diz Xuxa Meneghel’

** ‘Rihanna se descuida e deixa à mostra piercing no mamilo’

** ‘Ivete Sangalo diz que gosta de transar antes de show’

** ‘‘Meus lábios estão selados’, diz Carla Bruni sobre gravidez’

Vai ver que é por isso que está grávida.

 

O grande título

Abundância, abundância, muitos títulos fantásticos nesta semana. Começamos, naturalmente, com o título da caçada a Bin Laden:

** ‘Fotos contradizem versão dos EUA para morte de Bin Laden’

E daí? Daí que o título precisa ser complementado com o subtítulo:

** ‘EUA não divulgarão fotos’

Aí fica bom!

Temos um pouco de televisão:

** ‘Tombo de Gugu não eleva audiência de seu programa’

E como é que aumentaria, se foi ao vivo e o público não sabia que iria acontecer?

Um pouco de polícia:

** ‘Mãe de acusada de matar o pai é suspeita de morte, diz polícia’

Deve fazer sentido. Basta ler com atenção, várias vezes, e discutir com amigos.

** ‘Menino de 10 anos mata a tiros pai de grupo neo-nazista na Califórnia, EUA’

Este é mais fácil: o pai não era pai do grupo neonazista, mas do menino que atirou.

E o melhor de todos, na área esportiva:

** ‘Timão evita perturbar Ganso na hora da decisão’

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados