Friday, 13 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A lama preenche os espaços vazios

A discussão que ocorre nos meios jornalísticos é muito oportuna: até que ponto uma empresa jornalística tem o direito de arriscar a vida de seus repórteres? Mas seria ainda mais oportuna a discussão sobre a causa profunda do seqüestro e tortura, por bandidos que se denominam milicianos, de uma equipe de reportagem de O Dia, do Rio: a ausência do Estado em boa parte do território nacional, substituído ora por traficantes, ora por bandidos que dizem combater traficantes.

Se o presidente Evo Morales determinar a ocupação de parte do território brasileiro por tropas bolivianas, a imprensa não descansará até que a soberania do país seja restabelecida por inteiro. A simples notícia de que americanos e europeus pensam em tomar a Amazônia do Brasil provocou indignação. No entanto, parte de nosso território está sob o controle de bandidos. Por que os traficantes, ou os milicianos, seriam melhores do que os europeus, americanos e bolivianos?

O povo que vive nas favelas cariocas não está submetido às leis do Estado, embora pague impostos, embora possa votar e ser votado: está submetido à Lei do Cão. A coisa vai a tal ponto que, mesmo indignada por ter de comprar gás mais caro na loja determinada pelos milicianos, uma favelada teme o dia em que a polícia estadual retome a área da favela: ‘Eles vão ficar algum tempo e vão embora. E aí, que é que será de nós, com a volta dos traficantes?’

A discussão deve ser esta: como perenizar a presença do Estado nas favelas, com segurança, escolas, vacinação, coleta de lixo, prontos-socorros, iluminação, arborização, pavimentação – tudo, enfim, que caracteriza uma cidade. Se o Estado não puder prover os serviços que os favelados pagam via impostos, traficantes ou milicianos tomarão seu lugar. E a imprensa continuará promovendo marchas contra a violência, recebendo a solidariedade de parlamentares, protestando contra os abusos que sofre, enquanto espera novos abusos que sem dúvida ocorrerão.



A censura, mais uma vez

O jornal Agosto, de Ribeirão Bonito, SP, teve uma edição censurada por ordem judicial. Motivo: o jornal, pertencente à Associação Amarribo (Amigos Associados de Ribeirão Bonito), publicou entrevista com um dos candidatos a prefeito da cidade, escolhido por sorteio. O promotor da cidade considerou a reportagem um tipo de propaganda eleitoral antecipada, interpretação aceita pela Justiça. Não apenas a edição foi recolhida, como teve de ser retirada da internet.

Acontece que, na mesma edição em que foi publicada a entrevista, Agosto anunciava que todos os candidatos à prefeitura seriam entrevistados, recebendo o mesmo espaço, um por edição, sempre definidos por sorteio. Ou seja, não havia propaganda eleitoral: apenas informação, e informação do interesse da cidade.

As leis eleitorais existem e têm de ser cumpridas. Mas não podem se sobrepor à Constituição, que veda explicitamente a censura à imprensa.



A imprensa boazinha 1

Um ministro quase foi crucificado pela imprensa porque comeu uma tapioca e pagou com o cartão corporativo. Outra ministra foi crucificada porque comprou um pouco menos de 500 reais em produtos importados, num duty-free, e pagou com cartão corporativo. Os dois ministros mereceram as críticas: não tinham o direito de considerar o cartão corporativo governamental, criado para cobrir despesas efetuadas a serviço, como uma espécie de salário complementar.

No entanto, coisas muito mais graves estão merecendo tratamento bem mais ameno de nós, jornalistas. Investigações conduzidas pela Suíça e pela França apontam uma multinacional, a Alstom, como pagadora de uma propina de 7 milhões de dólares, que lhe valeu boas vantagens nas encomendas do metrô de São Paulo. Na época da distribuição da propina, os governadores foram Mário Covas e Geraldo Alckmin, ambos do PSDB. Alckmin, até o momento em que esta coluna foi redigida, havia escapado tranqüilamente de dar entrevistas, e continuava se dedicando à luta para ser candidato à prefeitura de São Paulo.

A atriz Kate Lyra celebrizou um bordão, há alguns anos, para definir a generosidade com que os homens, encantados com seu visual, costumavam tratá-la: ‘Brasileiro é tão bonzinho!’ Nossa imprensa também é boazinha. Agora, o IPT, Instituto de Pesquisas Tecnológicas, órgão de reputação impecável ligado ao governo de São Paulo, informa que a famosa cratera do metrô paulistano, que matou sete pessoas, surgiu por uma combinação de fatores, entre os quais a indevida economia de materiais, por parte das construtoras, e a falta de fiscalização do metrô. Com exceção de alguns dias, após a posse do governador José Serra, o metrô paulista foi comandado durante toda a construção da linha que caiu pelo governador Geraldo Alckmin.

Será que agora a imprensa buscará explicações com Alckmin, em vez de contentar-se com notícias sobre suas pretensões à prefeitura paulistana?



A imprensa boazinha 2

Quando o Brasil adotou o sistema japonês de TV Digital, foi-nos dito que o Japão montaria no Brasil uma grande fábrica de semicondutores, transferiria tecnologia de última geração, aproveitaria o trabalho brasileiro em seu sistema. E haveria caixas de adaptação a preço bem baixo, por volta de 150 reais.

Não houve qualquer transferência de tecnologia, até agora; a fábrica de semicondutores já foi desmentida pela indústria que a instalaria, a Toshiba; o sistema japonês continua centrado exclusivamente no Japão, sem aproveitamento de qualquer experiência brasileira; e a caixa de adaptação é caríssima.

Tudo bem, o ministro Hélio Costa foi nosso colega, é simpático, bem-falante, mas tem de explicar direitinho por que o sistema japonês até agora não funcionou no Brasil. Aliás, o presidente Lula, cuja decisão em favor do sistema japonês foi firme e rápida, também poderia nos dizer quando é que haverá TV digital no Brasil e quando é que o Japão vai entregar as compensações por ter levado tudo.



Como é…

Uma importante revista informou que o governador mineiro Aécio Neves vai entregar a Pelé, nos próximos dias, ‘uma placa comemorativa dos 50 anos de conquista do tricampeonato mundial’. Tudo bem, parece que jornalismo e números se repelem entre si. Mas os números não são tão difíceis: em 2008, o Brasil comemora o 50º aniversário da primeira vez em que foi campeão mundial (Suécia, 1958). A terceira vez que o Brasil ganhou o título ocorreu em 1970, no México (e seu 50º aniversário ocorrerá em 2020).



…mesmo?

Notícia publicada no mesmo dia, em dois portais de grande prestígio, com pouco mais de dez minutos de diferença:

1. ‘Ayres Britto será relator do caso Paulinho no STF’

2. ‘Peluso será o relator do caso Paulinho’



E eu com isso?

Você sabia que uma famosa manequim está careca? Que tem gente indo ao cinema com amigos? Que existem pessoas tomando banho de sol na praia?

Pois é: estas notícias estão disponíveis e até servem para amaciar as arestas do dia-a-dia. Está certo – embora a notícia seja aquela que, com a qual ou sem a qual, o mundo seria tal e qual. Mas, pensando bem, que é que é importante?

** ‘De batom vermelho, Michael Jackson aparece em festa’

** ‘Aplique de Naomi Campbell cai e expõe calvície’

** ‘Ex-BBBs vão ao cinema juntos no Rio’

** ‘Pai de Angelina Jolie é fotografado com alface nos dentes’

** ‘Rodrigo Santoro aproveita o sol’

E, para mostrar como os costumes se liberalizaram…

** ‘Cláudia Jimenez janta com a ex em pizzaria no Rio’



O grande título

Há uma boa variedade: títulos difíceis de entender, títulos ‘obra-aberta’, bem incompletos. Como, por exemplo:

** ‘Petróleo dispara mais de US$ 10 e chega a US$ 139 com ameaça de ataque de Israe’

Ou, na faixa complicada:

**Andorinhas `maquiadas´ também ficam mais atraentes

O título de que este colunista mais gostou é:

**Parlamento alemão pacote de leis para proteção ambiental

Beleza! Terá aprovado, terá rejeitado? Terá simplesmente recebido para aproveitamento posterior? É como novela: o final depende exclusivamente de você!

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados