Monday, 06 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Algo de novo sob o sol

Neste caso da negociação entre Abílio Diniz, Casino, Carrefour e governo federal um aspecto está passando despercebido: possivelmente pela primeira vez, os meios de comunicação batem duro num de seus maiores anunciantes privados. A imprensa já atacou muitos de seus anunciantes, mas com certa suavidade. Nunca com tanto espaço, esforço e azedume como o dedicado agora a Abílio Diniz e ao Pão de Açúcar.

Diriam os mais cínicos que os veículos preferem dois anunciantes, Carrefour e Pão de Açúcar, a apenas um. No entanto, fusões tão gigantescas e emblemáticas como esta, como a Sadia-Perdigão e especialmente a Antarctica-Brahma, que formaram a Ambev, foram aceitas sem maiores críticas (e até com alguns elogios à formação de oligopólios, apelidados de “grandes grupos nacionais”). Em todos os casos, repetiram-se bordões como “grupos de grande porte podem oferecer menores preços”. Até poderiam, mas por que o fariam se não têm concorrentes? Refrigerantes e cerveja não estão mais baratos hoje do que antes da Ambev. E, a propósito, o “grande grupo nacional” levou sua sede para a Bélgica.

Por que, então, a agressividade da imprensa? Em parte, acredita este colunista, pela maneira pouco transparente como a notícia surgiu – primeiro como boato, depois como sondagem, depois, finalmente, como negociação articulada e combinada com o governo, à revelia do sócio. Os meios de comunicação se sentiram postos a escanteio. No caso Ambev, a negociação não transpirou e foi comunicada ao público como um acontecimento positivo por um grande profissional, Mauro Salles. E, completando o coquetel, o uso de dinheiro do BNDES, banco “de desenvolvimento econômico e social”, num negócio estritamente privado, que se der certo deve, ao menos num primeiro momento, cortar empregos. Se o negócio é bom para um fundo de participações, por que usar o fundo oficial e não um privado? E que é que nós, consumidores e em última análise financiadores do BNDES, temos com isso?

Mas, embora tenha tratado com dureza inédita um grande anunciante, mesmo assim a imprensa levou algumas bolas nas costas. Ainda não se sabe, por exemplo, como as negociações começaram – nem as do Pão de Açúcar com o Carrefour, nem as que manteve com o governo. E foram aceitas como sérias as declarações do ministro Fernando Pimentel, de que a compra pelo Pão de Açúcar de parcela do capital do Carrefour abriria as portas da Europa, pela primeira vez, a produtos industriais brasileiros. Os calçados do Rio Grande do Sul e da Franca, as sandálias Havaianas, os biquínis, os aviões da Embraer, os foguetes da Avibrás, as camisetas da Coteminas, os revólveres e pistolas Taurus não são exatamente produtos minerais, ou agrícolas. Ninguém perguntou ao ministro a que é que ele se referia.

 

Guerra aos jornalistas 1

A pressão contra os jornalistas e o jornalismo vem crescendo – discretamente, mas de maneira constante. Não é apenas a censura, como a que atinge O Estado de S.Paulo, normalmente imposta por meios judiciais. É também a pressão de outros setores, que sabem perfeitamente que estão errados mas fazem o que podem para incomodar quem divulga as notícias que prefeririam ver ocultas.

O repórter Allen de Abreu, do Diário da Região, de São José do Rio Preto, SP, foi indiciado criminalmente pela Polícia Federal, a pedido do procurador da República Álvaro Stipp (será parente do grande Stipp Jr., repórter que por décadas cobriu a região do Vale do Paraíba para O Estado de S.Paulo? Se for, que tristeza teria causado a seu falecido parente!). O delegado José Eduardo Pereira de Paula promete também indiciar o editor-chefe do jornal, Fabrício Carareto.

E qual foi o hediondo crime que os levou ao indiciamento? Allan de Abreu publicou reportagens sobre a Operação Tamburutaca, sobre irregularidades que teriam sido cometidas por fiscais do Ministério do Trabalho. As informações estavam sob segredo de Justiça e por isso o indiciaram. Só que até o rio Preto, que corta a cidade, sabe que Supremo Tribunal Federal já tem jurisprudência sobre casos desse tipo: quem tem guardar o segredo de Justiça são as partes e os agentes públicos. Jornalista não está submetido a segredo de Justiça. E, na Constituição, está expressamente garantido ao jornalista o direito de preservar o sigilo da fonte. Não pode ser obrigado a revelar quem lhe deu a informação.

Traduzindo: querem intimidar o jornalista (e não conseguirão: Allen de Abreu já demonstrou que é duro) e incomodá-lo ao máximo, impondo-lhe a chateação como pena. Só que isso não faz parte da legislação brasileira. Alô, Conselho Nacional do Ministério Público! Qual sua posição a respeito deste caso?

 

Guerra à imprensa 2

Outro tipo de pressão, mais antigo e sem-vergonha, é a pressão política sobre a empresa jornalística, para que demita os repórteres mais incômodos. É o caso do jornalista Ricardo Filho, do Metrô News, de Guarulhos: ele revelou um escândalo de nepotismo na Secretaria de Energia do Estado de São Paulo, comandada pelo deputado federal José Aníbal (que quer ser candidato a prefeito da capital). O caso: o secretário-adjunto de Energia, Ricardo Achilles, mantém um sobrinho, Matheus Achilles Gomes, em outra área da mesma secretaria, a Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae). Matheus Achilles Gomes, o sobrinho, acompanha José Aníbal desde quando o hoje secretário era vereador.

Publicada a reportagem, começou a guerra. Dois deputados tucanos exigiram que fosse demitido – e a exigência foi imediatamente aceita. Até o aeroporto internacional de Guarulhos sabe que nenhum repórter publica nenhuma reportagem em nenhum jornal sem que passe pelos editores. Mesmo assim, o repórter foi afastado, sem que qualquer falha fosse apontada em sua reportagem.

Malhar é ótimo para quem frequenta academia.

 

Temporada de desmatamento

Agora é oficial: em release da empresa, a Husqvarna, multinacional sueca de motosserras (chamadas, tucanamente, de “equipamentos para o manejo de áreas verdes”), anuncia a vinda de novos produtos “para atender a temporada de uso intensivo de motosserras”. São as mais potentes e ágeis, segundo informa a empresa. Informa outra coisa surpreendente: que as motosserras são também usadas “em trabalhos de reflorestamento”. Release é cultura, caros colegas!

 

Alô, verdes!

O pessoal do Ibama, do PV, da Marina Silva, do Fernando Gabeira, será que sabia do início da grande temporada de uso intensivo de motosserras?

 

Alô, desabrigados!

A decisão da Justiça é clara: o município responde civilmente por deixar uma moradia ser construída em local de risco. Um casal que perdeu a família na tragédia de Petrópolis, RJ, venceu ação contra a prefeitura local. Acabou aquela desculpa de que as construções eram clandestinas. Se eram clandestinas, cabia à prefeitura regularizá-las ou demoli-las. E cabe à imprensa levantar as notícias e relatar os problemas para que o pagador de impostos saiba quem é que desperdiça seu dinheiro por desídia ou incompetência.

 

É ele de volta!

Sílvio Luiz é rádio, é TV, é esporte. Vem de uma família que viu nascer a televisão no Brasil: é filho de Elizabeth Darci, uma das primeiras estrelas da Tupi, e irmão de Verinha Darci, a grande e pioneira atração televisiva adolescente, também da Tupi. Foi repórter de campo, comentarista, árbitro de futebol, narrador, apresentador de programas esportivos – sempre com sucesso (menos como juiz de futebol, que aí não tem jeito de contentar a todos).

Depois de algum tempo afastado, está de volta ao rádio: é o novo comentarista esportivo da Rádio Transamérica, SP, na equipe de Henrique Guilherme, ao lado de José Eduardo Savóia, Neto, Oscar Roberto Godói, Paulo Roberto Martins, Juarez Soares e Roberto Carmona. Sílvio Luiz está também na RedeTV!

 

Gramática cumpanhêra

É incrível, mas continuam as críticas ao livro de Gramática Cumpanhêra que o Ministério da Educação adotou nas escolas. Todos tiram sua casquinha com o “nóis pega os livro”. Mas que é que anda saindo na mesma imprensa que se diverte fazendo as críticas?

1. Num grande portal noticioso da internet, citando a maneira como Glória Pires (Norma) trata Gabriel Braga Nunes (Léo) em Insensato Coração:

** “As cenas da dupla é uma das mais comentadas no Twitter.”

2. De um grande jornal, comentando a possibilidade de investimentos via Facebook:

** “Outras empresas que se adiantam à espera dos investidores pelo Facebook estão o (…)”

Tudo indica que gostaria de dizer “entre as empresas”.

3. De outro grande jornal, comentando a posição do Casino no caso Pão de Açúcar – Carrefour:

** “E mais: o impedimento de voto o levaria, mais à frente, a diluição no negócio, uma desvantagem que resguardo na lei”.

É provável que signifique alguma coisa.

4. Esta saiu, com versões diferentes e o mesmo erro, em dois grandes jornais:

** “Chávez agradece Dilma por solidariedade”

Lembra quando a gente agradecia a alguém?

5. Do release de uma grande organização internacional:

** “ONU falha índios isolados.”

Os ongueiros criticam a ONU por não dar a importância que consideram devida a índios isolados de uma tribo (a propósito, se pertencem a uma tribo como estariam isolados?) Mas o título não faz sentido de jeito nenhum.

 

Como…

De um grande jornal:

** “Justiça dos EUA condena mãe por matar filha de 2 anos”

Só que a mãe foi absolvida, como informa o texto do mesmo jornal.

 

…é…

De um importante portal noticioso:

** “Garoto de 9 anos morre após correr atrás de pipa”

O título não está propriamente errado. Só que a coisa não foi bem assim: o garoto foi atropelado e morreu ao atravessar uma estrada movimentada, correndo atrás da pipa.

 

…mesmo?

Um deslizamento de terra em Diadema, no ABC paulista, matou uma criança e uma moça grávida. Quando ocorreu a tragédia? Segundo o portal noticioso de um grande jornal,

** “…no final da manhã da tarde desta quinta-feira (…)”

 

Mundo, mundo

Um importante jornal, de grande circulação, resolveu fazer uma reportagem sobre os planos do governo paulista para ampliação do transporte público. Tudo bem, este colunista tem certeza de que as matérias que já leu a respeito do tema têm mais centimetragem do que os planos efetivamente implantados (para que se tenha uma idéia, o primeiro projeto de metrô de São Paulo foi apresentado pela Light no início da década de 1920; e o início das obras ocorreu em 1968).

Enfim, sempre é bom fazer reportagens sobre os planos. E aí surgiu a frase magnífica:

** “Desta estação, partirá outro monotrilho até São Bernardo do Campo, passando por São Caetano do Sul, cujo projeto será contratado.”

E não é que este repórter tinha certeza de que não apenas o projeto de São Caetano do Sul já estava contratado como a cidade já estava pronta – e, aliás, com os melhores índices de desenvolvimento humano da Grande São Paulo?

 

E eu com isso?

Alguns dos mais talentosos criadores de nossos tempos estão envolvidos com a informática, muitos bilhões de dólares são investidos em novos chips, aplicativos, programas e equipamentos, novas utilizações surgem todos os dias. É graças a esse esforço internacional que podemos saber, instantaneamente, que:

** “Emma Roberts e Chord Overstreet saem juntos”

** “Artistas e atletas prestigiam evento em casa noturna carioca”

** “Kate Middleton usa mesmo jeans três dias seguidos”

** “Grávida fuma crack em área central de Brasília”

** “Após visitar Rio, Jim Carrey segue para o Peru”

** “Grazi Massafera e Cauã Reymond curtem jantar no Rio de Janeiro”

** “Regina Casé e Débora Bloch dão selinho em prêmio de música”

** “Ex-BBB Diogo curte festa aos beijos com a namorada na Bahia”

** “Anne Hathaway vai a baile com Valentino”

Não, Valentino não era seu namorado: é o nome do criador da roupa.

 

O grande título

Hoje o forte é a velocidade.

** “O governo quer acelerar patentes”

O leitor gaúcho pode ser levado a erro: lá, “patente” é o nome que se dá àquilo que, mais para o norte, chamamos de “privada”. Outros leitores ficarão em dúvida: que diabos quer dizer “acelerar patentes”?

Simples: reduzir o prazo de concessão de oito para quatro anos.

Velocidade, ainda:

** “Esquilo passa por carro a mais de 160 km/h”

Será o helicópero Esquilo? Será o Super-Esquilo? Talvez o Esquilo-Atômico? Estará o Esquilo de Aço seguro nas mãos do Super-Homem? Não: nos Estados Unidos, há anualmente uma exibição de donos de Lamborghini, que desfilam com seus superesportivos numa pista de 4 km de extensão. O esquilo atravessou a pista e passou em baixo de um Lamborghini que estava a 160 km/h. Passou exatamente no meio do carro, e não foi atropelado. Ele passou pelo carro, mas não o ultrapassou.

O grande título, porém, é de outra editoria. Aliás, é mais do que um título: é um texto completo, com erros de regência, de concordância e até uma agenda previamente agendada, fora as vírgulas salpicadas onde caíram. Vamos a ele:

** “Jobim manteve uma agenda com a presidente no Palácio do Alvorada, que já estava previamente agendada, e durante a conversa, Dilma lhe teria introduzido no assunto, dizendo-lhe que queriam criar intrigas entre os dois.”

E dizem que, quando Dilma lhe introduz no assunto, o assunto fica dolorido por um tempão.

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]