Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Carla Bruni, e todos bestificados

Sylvia Kristel, a bela estrela de Emmanuelle, há alguns anos paralisou o Senado: velhos senhores cansados de guerra, experimentados na luta pelo poder, não resistiram e, através das roupas da atriz, viam embasbacados a personagem nua, capaz de deliciosos prodígios sexuais num reduzidíssimo banheiro de avião.

Ellen Gracie Northfleet, de notável saber jurídico e ilibada reputação, paralisou o Senado em sua sabatina de futura ministra do Supremo Tribunal Federal. Os galantes parlamentares, ignorando solenemente o currículo e os conhecimentos da procuradora, preferiram louvar-lhe a elegância, a beleza, as boas maneiras.

Para boa parte de nossos políticos e jornalistas, o homem se define pela trajetória, pelos conhecimentos, pela competência; a mulher, pela beleza, pela elegância, pela aparência jovem – e, se for inteligente e competente, estas qualidades secundárias complementarão seus demais atributos.

Apresente-se uma mulher inteligente, capaz, compassiva, que tem tudo para repetir o fenômeno de Lady Di, a aristocrata que se interessou pelos plebeus e foi amada por todos. Esta mulher, Carla Bruni, tem classe, tem história, e é bonita. Imprensa, autoridades e políticos preferiram tratá-la apenas como uma mulher bonita. Chegou a ser constrangedor: foi como se uma bela ET acabasse de chegar em seu disco-voador rosa-choque.

Boa parte do Brasil debaixo dágua, e a imprensa noticiando as sandálias de pedrinhas azuis de Carla Bruni e sua bolsa roxa. Visita à favela – novo programa turístico indispensável, talvez para mostrar aos estrangeiros como o Brasil trata sua gente – e nada de reportagem sobre a vida na favela, nem sobre as impressões da visitante: ouviam-se apenas gritinhos de aprovação, ‘Carla Bruni pegou um bebê no colo!’ A matéria na praia, com a decepção dos repórteres: Carla Bruni vestia um abrigo e não mostrava as pernas. Tiveram de se contentar com as pernas à mostra de Sarkozy.

É curioso, já que o Brasil, com tantos imigrantes, de tantas etnias, poderia ser mais cosmopolita. Mas deve ter sido assim que os índios de Porto Seguro receberam aqueles estranhos navegantes, ávidos por ouro, de barba no rosto, roupas no corpo e espelhinhos para distribuir à tribo. Desta vez, além do estrangeiro com bugigangas para trocar por nosso ouro, havia uma mulher bonita e famosa.

Mas há uma diferença (que, aliás, pouco apareceu nos meios de comunicação): Sarkozy trouxe as bugigangas, mas só as entregará quando o ouro aparecer. E ninguém contou a ele que, no orçamento, não há previsão para o pagamento.



A lista! A lista!
O delegado Protógenes Queiroz reafirmou, no programa Roda Viva, que levantou uma lista de jornalistas que trabalham clandestinamente para o banqueiro Daniel Dantas (condenado em primeira instância a dez anos de prisão). A Fenaj, Federação Nacional dos Jornalistas, pede que a lista seja divulgada o mais rapidamente possível, para evitar que as suspeitas recaiam sobre quem nada tem a ver com a história. A Fenaj está com toda a razão: esta lista deve ser tornada pública. Quem for incluído nela poderá calar-se ou reagir judicialmente; quem não estiver ficará livre de insinuações e denúncias vazias. É importante saber quem é quem. E não tem sentido ficar prometendo a divulgação da lista para o futuro: se a lista já existe, se pelo menos uma autoridade, o delegado Protógenes Queiroz tem conhecimento dela, por que segurá-la?



Erro de operação
Em nota publicada na edição passada deste Observatório, esta coluna se associou ao pedido da Fenaj para a divulgação da lista de jornalistas envolvidos no que se convencionou chamar de Esquema Dantas. Vários comentários, assinados por pessoas dos mais diversos pontos do país, copiaram o esquema utilizado contra a repórter Elvira Lobato: repetiam, quase com as mesmas palavras, os mesmos argumentos, segundo os quais cabe aos jornalistas substituir a polícia e investigar o caso. O mais interessante, entretanto, saiu em quatro comentários: nos quatro, houve confusão entre Fenaj, Federação Nacional de Jornalistas, e ANJ, Associação Nacional dos Jornais. Confundiu-se uma federação com uma associação, jornalistas com grupos de comunicação, empregados com empresários. O coordenador da operação-patrulha foi relapso no trabalho: precisa urgentemente levar um puxão de orelha de seus chefes.



As dúvidas
No começo do mês, Enivaldo Quadrado tentou entrar no Brasil com 361 mil euros não declarados. Quadrado, um dos doleiros do mensalão, disse que o dinheiro seria usado na compra de automóveis.

O pessoal anda mal de explicações. Aquele cavalheiro dos dólares na cueca chegou a garantir que tinha ganho algo como 100 mil dólares com a venda de legumes. E os meios de comunicação andam mal na cobrança de explicações: nos dois casos, de quem é o dinheiro? Para quem seria entregue? Por quê? Como andam as investigações? Há previsão para seu término? Ou tudo continuará esquecido até que outro senhor com cofrinho avantajado seja apanhado no aeroporto?



Preconceitos
Caetano Veloso, mais de 40 anos de estrada, encontra Roberto Carlos, com mais ou menos o mesmo tempo de carreira, e juntos cantam Antônio Carlos Jobim, cujo Teresa da Praia está próximo dos 60 anos. Os críticos reclamam que não há novidade. Pois é: White Christmas, de Irving Berlin, lançada em 1942, a música mais vendida da história do disco, foi gravada por todos os cantores de língua inglesa. Todos cantam do mesmo jeito que Bing Crosby nos filmes Holiday Inn e White Christmas. E ninguém reclama da falta de novidade.



Sem fantasia
A notícia era surpreendente: o repórter Márcio Canuto, irritado com um entrevistado que, ao vivo, dissera um palavrão, tinha lhe dado um tapa no rosto. A notícia era surpreendente porque Canuto não é disso: é boa pessoa, um sujeito pacífico, alegre, expansivo, gente fina. Justo ele iria agredir alguém?

E, claro, não agrediu. O vídeo da cena mostra claramente que, após o entrevistado dizer um palavrão na entrevista ao vivo, Canuto se aproximou, encostou-lhe amigavelmente a mão no rosto e abraçou-o. O entrevistado sorria, sua companheira sorria, a entrevista continuou numa boa, sem qualquer interrupção. Não houve aquela situação tensa que seria inevitável logo após uma agressão. Como disse o escritor inglês Bernard Shaw ao desmentir um jornal que divulgara informações sobre sua morte, ‘a notícia foi grandemente exagerada’.



Crime no ar
Em primeiro lugar, a afirmação óbvia: a emissora tinha todo o direito de colocar a matéria no ar. Em segundo, a opinião deste colunista: a emissora não deveria ter colocado no ar a longuíssima entrevista com o narcotraficante, torturador e homicida Fernandinho Beira-Mar, colocando-o como crítico do sistema penitenciário. A opinião de Fernandinho Beira-Mar sobre o regime disciplinar a que está submetido não interessa a ninguém, exceto às autoridades: está na lei, ele deve cumpri-lo, e pronto. Se considerar que seus direitos estão sendo violados, que recorra a tribunais superiores e requeira a mudança do regime disciplinar. Mas os telespectadores não precisam ser expostos às opiniões de Beira-Mar, nem às suas tentativas de parecer injustiçado.



Direitos humanos, vitória
Os meios de comunicação deram pouquíssimo tempo e espaço a uma decisão judicial importantíssima: a extinção da ação de Marco Pollo Giordani contra o presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, Jair Krischke. Giordani, que foi militar e admite ter servido no DOI-Codi, base das torturas do período da ditadura militar, abriu o processo porque Krischke, um incansável batalhador pela liberdade, o apontou como racista e anti-semita fanático. A extinção da ação foi decidida pelo juiz Maurício da Costa Gamborgi, da 8ª Vara Cível de Porto Alegre, que também condenou o autor, Marco Pollo Giordani, ao pagamento dos honorários dos advogados e das custas judiciais.



Deu no jornal

** Notícia 1 – ‘Desemprego tem a menor taxa em 10 anos, aponta Dieese # Número de desempregados cai para 13% em novembro e rendimento dos trabalhadores sobe 0,6% em outubro’.

** Notícia 2 – ‘Emprego em novembro em pior taxa em 10 anos; indústria puxa queda do emprego formal # Novembro registra a maior queda no nível de emprego no mês desde 1998, com fechamento de 40,8 mil postos de trabalho’.

Ambas as notícias, cada uma num grande jornal, são sobre o mesmo fato.



Como…
De uma importante coluna, sobre a morte de Rosa Branca, um dos maiores jogadores brasileiros de basquete de todos os tempos:

‘Geração que teve a dupla Amaury, Vlamir, Ubiratan e ele, Rosa Branca’



…é…
Do noticiário esportivo de um grande jornal, que também acredita na elasticidade do significado das palavras ‘dupla’ e ‘ambos’:

‘(…) o zagueiro Fabão, o meia Danilo e o atacante Grafite, ambos do Goiás’.



…mesmo?
De um importante portal noticioso da internet:

** ‘ONG informa que 95 jornalistas foram mortos em 32 países em 2008’

Foi publicado na seção ‘Entretenimento’.



E eu com isso?
Estamos no período de festas, entrando no Ano Novo, é preciso recarregar as baterias e preparar-nos para as conversas de réveillon. Força, pois!

** ‘Kevin Federline aparece mais gordinho’

** ‘David Brazil faz plástica para ficar parecido com Giovanna Antonelli’

** ‘Filho de Britney interrompe vídeo da mãe com um arroto’

** ‘Sempre sem camisa, Matthew McConaughey mostra que, quando quer, sabe se vestir’

** ‘Reese Witherspoon leva filha à escola’

** ‘Pamela Anderson `esquece´ calça em casa’

** ‘Jodie Foster malha em Hollywood’



O grande título
Fim de ano caprichado, este. Temos, num grande jornal, um bom exemplar daqueles títulos que, como não couberam no espaço, foram cortados a tapa:

** ‘Mato toma conta de para de ônibus’

Há também um daqueles casos em que a falta de crase atrapalha bem:

** ‘Homem tenta vender a loja cigarros roubados no local’

E um que cria um novo suspeito, além daqueles de sempre:

** ‘Carvão vegetal sequestra 16 toneladas de CO2’

Um bom título de duplo sentido:

** ‘Médicos retiram pé de cérebro de bebê nos EUA’

Há um titulo singelo, bem simples, até ingênuo:

** ‘Prontinha para ser mamãe – Ivete está liberada para engravidar’

A julgar pelas revistas de celebridades, vem tentando com afinco.

E o melhor título entre todos:

** ‘Feliz Ano Novo! Que 2009 seja melhor que 2008 e pior que 2010!’

Não depende só de nós, mas depende muito de nós.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados