Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Comportamento nota zero

Dois jornalistas divulgaram, sem ordem judicial, o extrato bancário do caseiro Nildo, aquele que desafia o ministro da Fazenda Antonio Palocci. Em termos jornalísticos, tudo bem: a informação é relevante. Se o caseiro levou algum, e logo antes do depoimento, é preciso investigá-lo. Mas, sempre pensando em termos jornalísticos, também é relevante informar quem é que, dentro do governo, tenta desmoralizar o caseiro que enfrenta o ministro, e utiliza seu poder para avanços ilegais contra as garantias individuais de um cidadão. Por que essa informação, da maior importância por revelar abuso de poder, é sonegada ao público?

O funcionário público que tem poder para violar um sigilo bancário é muito mais forte do que um caseiro que ganha 700 reais mensais. Usar o sigilo de fonte para proteger só quem tem poder? E quem efetivamente precisa de proteção, o lado mais fraco, será entregue aos leões-leões? É para isso que nós, jornalistas, temos a faculdade de proteger nossos informantes com o sigilo profissional? E o sigilo bancário, uma garantia constitucional, não merece ser preservado?

Não é a primeira vez que tocamos neste assunto – repórteres que se aliam aos poderosos e lhes prestam serviços em troca de matérias, muitas vezes cometendo crimes em nome da vaidade. Esse tipo de coisa acaba resultando em Escola Base. O leitor, o ouvinte, o telespectador querem boas reportagens, mas não à custa da independência do profissional ou do veículo.

Um grande jornalista, Augusto Nunes, disse certa vez que sempre protegeu a fonte; mas, sempre que se sentiu enganado, entregou-a. Está certo. A fonte é importante, mas informar corretamente é a essência da profissão.



E o caderninho?

Deu no jornal: quando o Supremo Tribunal Federal suspendeu o depoimento do caseiro Francenildo dos Santos Costa, ‘ele deixou a sala sob aplausos de senadores da oposição, de técnicos da comissão e de alguns jornalistas’. Vergonhoso: jornalista não existe para aplaudir ou vaiar, mas para reportar. Em vez de bater palmas, deve usar as mãos para tomar notas que darão substância à sua reportagem. Em vez de vaiar, deve fazer perguntas bem informadas, que gerem esclarecimentos.

O caso Francenildo não é o primeiro em que essas distorções ocorrem. Este colunista viu, logo após a vitória de Tancredo Neves nas eleições indiretas, muitos jornalistas cantando o Hino Nacional. Viu, numa CPI, rodas de jornalistas ouvindo o promotor, enquanto se recusavam a ouvir os advogados de defesa. Repórter reporta. Quem faz parte da torcida é torcedor.



Nossa hora

A Câmara dos Deputados derrubou a obrigatoriedade de divulgar na internet a lista de doadores de campanha. É ruim; seria interessante, para a democracia, saber quem financia a campanha de quem. Mas a imprensa não colabora com isso. Quando uma empresa colabora legalmente, transparentemente, com uma campanha, e seu candidato é eleito, é cobrada o tempo todo do mandato: a cada concorrência que ganha, vem um entrevírgulas: ‘a empresa X, que doou R$ xxx para a campanha de Fulano (…)’. Sempre sobra a impressão de que a concorrência foi fraudada, que houve algum truque, que as cartas estavam marcadas. É melhor, para a imagem da empresa, violar a lei e doar dinheiro de caixa 2: a menos que a manobra ilegal seja descoberta, a pressão jornalística é muito menor.

Este colunista acredita que, se houver motivo para alguma suspeita na concorrência, ou se a empresa levar o serviço sem concorrência, a informação sobre as doações de campanha é essencial. Mas, se não houver indício de irregularidade, essa informação serve apenas para lançar suspeitas sobre algo que é transparente.



Notícias delícias

1. De um jornal regional: ‘PF apreende cinco mil massos de cigarros’. Devem ser aqueles massos que já vêm amaçados.

2. De um portal importante: ‘Paula Burlamaqui curte festa com suposto namorado’. E, com certeza, os repórteres já estão bem grandinhos. Já têm idade para saber se duas pessoas estão ou não namorando. O problema é a febre do ‘suposto’: daqui a pouco vão noticiar que algum cavalheiro foi ao jogo com seu suposto filho – pois, sem DNA, quem pode garantir que o filho é mesmo dele?

3. De um grande jornal, na versão online: ‘As pistas, como as do [aeroporto] Santos Dumont, em Santos (…)’. Mas não sejamos implicantes: no verdadeiro Santos Dumont, que não é em Santos, também há uma excelente vista do mar.

4. De um grande jornal: ‘Enterro de Marina Montini é velado no Rio’.

5. Cartaz de venda de chocolates, num supermercado dos mais importantes: ‘Diamante Negro, Laka, Shot, Cocô’. Não duvide: há fotos.

6. De uma grande agência noticiosa, a respeito do inacreditável sumiço do computador que emitiu o extrato bancário do caseiro Nildo: ‘A PF informou, também, que não pediu a quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico de Eurípides Souza da Silva, suposto pai biológico do caseiro, Eurípides Soares da Silva’. Quem entender o que está escrito ganha desta coluna o filmete da dança da deputada federal Ângela Guadagnin, do PT de São Paulo.

7. Também de uma grande agência noticiosa: ‘Negociação da COP é a favor da proibição de sementes suicidas’.

Depois reclamam da fuga de leitores. A gente até que lê, mas como é que faz para entender?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados