Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Coração quente, cabeça fria

Cuidado com o pensamento único: para citar pela milésima vez a grande frase de Nélson Rodrigues, toda unanimidade é burra. Uma comissão da ONU diz que o ser humano é responsável pelo aquecimento global? Isso significa apenas que uma comissão da ONU acha que o ser humano é responsável pelo aquecimento global. Pode ter razão, pode não ter. A nós, da imprensa, que não entendemos de clima nem ganhamos para isso, cabe divulgar a conclusão; e cabe divulgar também outras conclusões contrárias a ela. Não faz muito tempo, um especialista internacional informava que, em alguns anos, a Terra estaria terraplenada, todas as depressões preenchidas por lixo. Não aconteceu; ele tinha errado na conta.

E de onde viria o aquecimento global? Há especialistas que sustentam que faz parte dos ciclos naturais da Terra – que incluem, também, eras glaciais; e que ocorrem com ou sem a intervenção dos seres humanos.

Há fenômenos climáticos que são causados pela humanidade. O fog de Londres, aquela neblina escura que pontuava as histórias de Sherlock Holmes, desapareceu quando a população da cidade deixou de usar carvão para aquecimento e cozinha. Outros independem das parcas forças humanas: El Niño e La Niña simplesmente nos ignoram.

Ninguém, é óbvio, é a favor da poluição. Carros não-poluentes, produtos que utilizem menos energia, poupança de matéria-prima, redução de emissões de gás carbônico e outros também nocivos na atmosfera, reciclagem, expansão de florestas, tudo isso é desejável, urgente e essencial para o futuro da Humanidade. Mas será que os carrões americanos, os rebanhos do Brasil e da Nova Zelândia e o desenvolvimento da China estão mesmo aquecendo a Terra? Não será este mais um palpite, apenas?

Campeão do mundo

Outro dia, na TV, havia duas cenas memoráveis.

A primeira mostrava uma geleira se derretendo, enquanto o narrador descrevia o Apocalipse: dentro de 50 anos o nível do mar estaria ‘x’ centímetros mais alto e toda a Groenlândia teria se derretido, como acontecera 150 mil anos atrás. Opa: há 150 mil anos, não havia seres humanos queimando nada na atmosfera!

A segunda mostrava catástrofes climáticas provocadas pelo aquecimento global. Praias invadidas pelo mar, cidades inundadas por chuvas, pingüins clamando por ar condicionado. E, entre as catástrofes, o rigorosíssimo inverno nos Estados Unidos e Canadá. Opa: rigoroso inverno causado por aquecimento global?

Este colunista nada entende de clima, nem de aquecimento global, não sabe sequer regular o ar condicionado para que se desligue sozinho. Não sabe se o fenômeno é causado ou não pela ação humana. Mas tem horror ao pensamento único, ao qual ninguém se opõe nos meios de comunicação: quando todos acham que o Brasil vai ser campeão do mundo, aí é que voltamos para casa mais cedo.



Daniel x Nelson + Dirceu

A novela da venda da Editora Três (IstoÉ, IstoÉ Dinheiro, Dinheiro Rural e outras) se limita agora a um duelo: de um lado, o banqueiro Daniel Dantas, do grupo Opportunity; de outro, o empresário Nélson Tanure (Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Forbes, CNT), com apoio do sempre poderoso ex-ministro José Dirceu. Comenta-se que as propostas são parecidas, e que o alto comando da Editora Três estaria dividido entre ambas.

Para a imprensa, não é desejável que o novo proprietário da Editora Três a envolva, como arma política, na defesa de seus múltiplos negócios. Mas também não é desejável, para a imprensa ou para o país, uma concentração gigantesca de meios de comunicação nas mãos de um só grupo.

E, claro, o domínio de um partido político sobre meios de comunicação nacionais é claramente indesejável.



O crime e a pena

Só variou o grau de indignação; no mais, a cobertura do assassínio do garotinho arrastado por um carro foi extremamente parecida nos vários meios de comunicação. Os editoriais também foram parecidíssimos: ‘precisamos fazer alguma coisa’ (este saiu até no Domingão do Faustão!), ‘redução da maioridade penal’, ‘obrigar o criminoso a cumprir a pena, sem progressões’.

Acontece que nada disso evitaria a morte bárbara do garoto. O grande fator de inibição do crime não é o rigor da pena, é a certeza, ou quase certeza, da punição – e isso, no Brasil, certamente não existe. A maior parte dos homicídios não é esclarecida.

Outro ponto importante é a droga – menos o consumo, em si (parece que muita gente consome tóxicos sem que isso afete seu comportamento público), mais a ligação da droga com o crime. A discussão sobre descriminalização da droga não entra, porém, na pauta da imprensa. É assunto difícil, complexo, com inúmeros ângulos, dá trabalho e custa dinheiro. Talvez por isso seja substituído por editoriais de indignação com os crimes. Sai muito mais barato.

Quanto aos menores, há muitas discussões. Uma delas, sem dúvida, é saber como uma pessoa é apta a escolher o presidente da República, a partir dos 16 anos, mas não a responder criminalmente por seus atos. Outra é o agravamento da pena dos adultos que utilizam menores em seus crimes. Dá boas pautas!



Igreja x igreja

Que coisa feia! O arcebispo católico da Paraíba criticou o novo templo da Igreja Universal por sua ‘suntuosidade’. A Igreja Universal reagiu dizendo que seu crescimento ‘incomoda outras religiões’. E a imprensa, no melhor estilo do jornalismo declaratório, se limitou a transcrever os ataques de um e de outro.

Nenhum meio de comunicação lembrou que há igrejas católicas forradas de ouro, aqui mesmo no Brasil; que a cúpula das igrejas ortodoxas de Moscou domina o cenário da cidade; que o templo judaico do Rei Salomão, a julgar pela descrição da Bíblia, era magnífico; que a mesquita muçulmana de Al-Aksa é uma das maravilhas do mundo de hoje. Em resumo, que cada religião procura fazer com que suas construções religiosas sejam notáveis, inesquecíveis.

Além disso, quem deve aprovar ou não a conduta de cada igreja é o conjunto de seus fiéis. Caso não a aprovem, têm a opção de escolher outra religião. E ninguém, por mais autoridade que tenha em sua igreja, deve dar palpite em outra.



Exclusividade em debate

Nos últimos dias, uma bela briga opôs duas grandes redes de TV: uma delas conseguiu exclusividade para documentar a ação da Polícia Federal contra um traficante, e a outra protestou junto ao ministro da Justiça. Cada uma das redes conta versão ligeiramente diferente, mas basicamente a história é essa.

Que barbaridade! Quando uma empresa privada tem uma história a divulgar, é seu direito escolher alguém para dar exclusividade, se for o caso. Mas uma organização pública, como a Polícia Federal, não tem o direito de sonegar a boa parte do público as histórias de que dispõe, dando exclusividade a uma rede de comunicações, seja ela qual for. Os meios de comunicação devem ser tratados com equidade; não se pode trocar informações destinadas ao público em geral por oportunidades de ‘sair bem na fita’, de aparecer como herói, nos veículos que ganharam exclusividade.

Que isso acontece, acontece. Já vimos até repórter vestido de forma a ser confundido com policial federal. Mas não deveria acontecer. E o ministro Márcio Thomaz Bastos, como advogado, como ex-presidente da OAB, sabe disso.



Desistiram do brasileiro?

Há pouco mais de dois anos, em 19 de janeiro de 2005, o engenheiro brasileiro João José de Vasconcelos Jr. era seqüestrado por terroristas muçulmanos no Iraque. Até hoje não se sabe oficialmente seu destino. Extra-oficialmente, sabe-se que foi assassinado pelos terroristas, que ainda por cima exigiram dinheiro para liberar o corpo. O governo brasileiro designou um diplomata, Affonso Celso de Ouro Preto, para resgatar nosso compatriota. A missão fracassou e foi abandonada em silêncio. Por ocasião do seqüestro, a imprensa brasileira deu até cadernos especiais, apontando os diversos grupos terroristas muçulmanos que poderiam estar implicados no caso.

Agora, caro colega, faz dois anos. E nenhum meio de comunicação se lembrou do engenheiro seqüestrado – aliás, houve um que se lembrou: O Tempo, de Belo Horizonte. João José de Vasconcelos Jr. deveria estar hoje com 52 anos.



É bola na rede

A história da camisa do técnico Dunga é inacreditável: a seleção brasileira jogou mal contra Portugal, perdeu o jogo, apresentou um jogador que esteve fora das últimas convocações porque estava recuperado (e ele parecia mais gordo do que este colunista), e a imprensa discute a camisa de Dunga? Um pouco de seriedade, gente: no desfile da M.Officer, ninguém pergunta se o modelo é capaz de bater bola. Se Dunga usasse um cachecol de coelho, com o coelho dentro, e o time ganhasse e jogasse bem, o problema da roupa seria exclusivamente dele (e, naturalmente, do Sr. Coelho). Discutir os ternos de Vanderlei Luxemburgo, as camisas de Dunga, os penteados de Carlos Alberto, é demais.

Deve ser por isso que os times do Felipão sempre vão bem: ninguém jamais se preocupou com a roupa do técnico.



Precisão jornalística

De acordo com um grande jornal, a Síria testou um novo foguete, derivado do russo Scud, ‘com 11 metros de largura’. Espera-se que tenham traduzido errado: se a Síria tem um foguete com 11 metros de largura, é a maior superpotência do planeta.

De acordo com outro grande jornal, o presidente Lula lançou a ‘pedra fundamental’ (assim mesmo, entre aspas) de uma fábrica de plásticos. Diz o jornal que o investimento foi de 500 milhões de reais. Diz o presidente, o que coincide com as informações da empresa, que o investimento foi de R$ 740 milhões.



Opiniões divididas

A nota deste colunista, em defesa da prisão domiciliar do ex-juiz Nicolau Lalau dos Santos Neto, para que possa refletir sobre os males que causou até que a Natureza cumpra seus desígnios, dividiu a opinião dos leitores. Boa parte criticou o colunista; outra parte preferiu criticar sua família. Poucos concordaram.

Entre as inúmeras mensagens referentes ao caso, as mais interessantes foram reunidas aqui. Vale a pena acompanhar a argumentação dos muitos que não concordaram com a nota, e dos poucos que acompanham (ao menos em parte) a posição deste jornalista.



Amigos e inimigos

Em São Paulo, tenta-se criar um escândalo porque a empresa Lu Fernandes Escritório de Comunicação foi contratada por uma das agências de propaganda que cuidam do governo Serra para fazer a assessoria de imprensa da administração. Motivo do escândalo: Lu Fernandes fez a campanha de Serra e, por isso, estaria sendo beneficiada.

Acontece que a ligação Lu Fernandes-Serra é antiga, transparente, conhecida de qualquer pessoa que se mova nas áreas de política e de jornalismo. Num trabalho que exige empatia entre cliente e fornecedor, é correto que o governador escolha alguém com quem se entenda. Lu, boa profissional, boa gente, tem empatia com Serra – o que, cá entre nós, não é fácil – como Ricardo Kotscho tem com Lula, como Egídio Serpa tem com Ciro Gomes. Enfim, qual é o problema?



Coisas que vovó não contava

Está no título de uma grande publicação:

** ‘Museu de NY faz exposição de rendas e tricôs subversivos’

Vovó nem sabia que tricô e crochê eram politizados!



E eu com isso?

Domingo. A gente acorda mais tarde, leva mais tempo no almoço, tem jornais enormes para ler, tem as revistas semanais aguardando na fila, tem futebol, tem de descansar um pouco, que a nova semana vem aí. E, no meio de todas essas atividades, aparecem fatos importantíssimos furando sua agenda. Por exemplo:

1. ‘Dado e Luana separam. De novo’

2. ‘Acaba namoro de Britney Spears e modelo’

A coisa é tão importante que nem o nome do tal modelo é mencionado!



O grande título

A matéria é séria, envolve um tema sério, a pesquisa científica, envolve o presidente da República. E aí vem o título:

** ‘Lula pede que iniciativa privada investa mais em pesquisa científica’

Seria o melhor título da semana, se não houvesse este outro, com um maravilhoso duplo sentido

** ‘Seqüestrada é achada no Orkut 72 anos depois’

Como é que a seqüestrada se escondia lá dentro?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados