Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Eu mando, você obedece

Há muitos e muitos anos, os profissionais do sabe-tudo informavam que banho fazia mal: muito banho dava algo chamado “refluxo”, um horror. O ideal, dizia um provérbio da época, era “um banho ao nascer, outro ao morrer”. Um bom remédio, para os sabe-tudo, eram insetos que sugavam sangue. Vacinas? Foi preciso usar a polícia para que os vacinadores não fossem linchados.

A versão moderna dos sabe-tudo quer mandar em todos os aspectos da vida familiar. Chocolate para os filhos? Não: é um alimento muito calórico e pouco nutritivo. E quem insistir na propaganda do chocolate é ameaçado com denúncias ao Ministério Público, à polícia, às ONGs “do bem” (apenas para criar-lhe problemas, gerar incômodos e provocar maiores custos). A família e seus médicos de confiança perdem o direito de determinar a alimentação (e educação) dos filhos: todos têm de obedecer aos sabe-tudo aliados à dedoduragem. Desobedeceu, polícia nele.

Um dos maiores quadrinistas brasileiros, Maurício de Souza, premiado pela ONU por seu trabalho contra o racismo, foi denunciado pelos sabe-tudo ao Ministério Público porque em suas revistas há publicidade (e como pagá-las, sem anúncios?). Agora a guerra é contra o Kinder Ovo, movida pelo mesmo Instituto Alana que atacou Maurício de Souza.

Onde já se viu fazer propaganda para vender seu produto? Denúncia neles – denúncia que desvia o foco do trabalho dos atingidos, que os obriga a contratar advogados, que gera propaganda negativa de seus produtos. Isso, naturalmente, vale para empresas produtivas: bancos, por exemplo, podem usar bebês em anúncios, sem se preocupar com o stress das gravações; podem usar criancinhas à vontade em sua propaganda; podem cobrar juros que desestruturem famílias; podem mostrar como é bonito reduzir seus custos com papel sem transferir esses ganhos aos clientes; podem liderar a lista de queixas de maus serviços elaborada pelo Procon. Bancos estão livres de qualquer denúncia. Os sabe-tudo sabem com quem mexem.

O curioso é que a imprensa, que vive de publicidade, que sem publicidade fecha as portas e não pode cumprir sua missão, aceita acriticamente a onda denuncista do sabetudismo. Publicar as denúncias, OK: são notícias e têm de ser divulgadas. Mas é preciso colocá-las no contexto; é preciso entrevistar os denunciantes e saber como é que querem que as empresas levem seus produtos ao conhecimento do público sem que lhes seja permitido anunciá-los. Serão contrários à distribuição de informações aos consumidores? É preciso abrir-lhes espaço para que digam se querem substituir-se às famílias como tutores dos filhos que não são seus; e, se não o querem, como compatibilizam a fúria denuncista com a liberdade de escolha do consumidor e do cidadão.

 

PS

Há quem diga que os sabe-tudo são ditatoriais, mas defendem o bem. Pode ser; mas ditadura do bem continua a ser ditadura.

 

O twitter e as campanhas

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu o uso do Twitter para mensagens favoráveis ou contrárias a candidatos fora do período regulamentar de propaganda eleitoral. Desta maneira, o Twitter fica equiparado aos demais meios de comunicação, todos restritos a determinados períodos. Só que o Twitter não é um meio de comunicação, como um jornal, um rádio ou uma TV: Twitter é algo mais próximo de um telefone, na medida em que só tem acesso às mensagens quem estiver inscrito para segui-las. Este colunista, por exemplo, não segue nenhum candidato e, portanto, não tem acesso a suas mensagens. Seria lógico proibir que alguém, por telefone, elogie um determinado candidato e tente convencer o amigo a votar nele – dentro ou fora do tempo regulamentar de propaganda?

É uma discussão interessantíssima. Seu objetivo não é, claro, infringir a determinação do TSE: a Justiça determinou, está decidido. Mas serve como ponto de partida para novos debates judiciais. E, cá entre nós, um dos motivos pelos quais as campanhas eleitorais são tão chatas neste país é que são todas engessadas. Até o debate tem normas minuciosas para deixá-lo o mais chato e menos esclarecedor possível. Que tal trabalhar para desengessá-las?

 

Homem-Legenda, apareça!

Que beleza: o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, do PT gaúcho, defende a modernização das comunicações no Brasil (o objetivo, diz ele, é fazer com que as minorias tenham voz, graças à comunicação pública). O presidente da Câmara falou no seminário “Regulação da Comunicação Pública”, promovido pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom). A coordenadora da Frentecom, deputada federal Luíza Erundina, do PSB paulista, diz que o sistema de comunicação brasileiro não está à altura do desenvolvimento do país. É preciso, diz ela, “construir um pacto social pela democratização das comunicações no país e pela implementação de um novo marco regulatório para o setor”. O presidente da Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Pola Ribeiro, diz que o brasileiro acha que televisão é coisa para os poderosos e que ele não pode interferir na TV.

Se tudo o que dizem é verdade, por que a TV Brasil é também conhecida como TV Traço? E as revistas chapa-branca, sustentadas por anúncios oficiais, por que são menores que as concorrentes, estas preferidas pelo público? Traduzindo (e aqui convocamos o Homem-Legenda, monumental criação do desenhista Adão Iturrusgarai): todas as teses do tal seminário podem ser resumidas numa só frase, é preciso criar mais organizações públicas que deem mais empregos para os companheiros.

 

Coisa feia

O SBT seguiu o mau exemplo da Fundação Cisper Líbero (que demitiu um professor, o consagrado jornalista Édson Flosi, por estar doente): dispensou o repórter Ulisses Rocha, que estava afastado do serviço por motivos de saúde. Rocha, ex-Globo, ex-Record, estava no SBT desde 2010. Parece ser uma nova norma de empresas que não levam sua equipe nem seu jornalismo a sério: adoeceu, vai para a rua.

 

A imprensa, longe de nós

Quer saber com quem Rihanna está dormindo, alguns milhares de quilômetros ao norte de sua casa? Pois a informação está nos meios de comunicação. Quer os detalhes da vida conjugal de Dentinho e da Mulher-Samambaia, na gelada Ucrânia? É simples: na internet há até os detalhes da gravidez de sua esposa. Quer saber como se vive de verdade no Brasil, tentando sobreviver, tentando cumprir as leis, tentando pagar os impostos pesadíssimos e ficando sempre inadimplente, mesmo com a certeza absoluta de que todas as leis foram cumpridas? Bom, esqueça os meios de comunicação. É mais fácil recortar notícias internacionais do que noticiar como vive o seu cliente, o consumidor de informações.

Vive mal: Marisa, leitora assídua desta coluna, abriu uma empresa em 1998 e paralisou suas atividades em 2000. Só em 2007 conseguiu fechar legalmente a firma, pagando todas as dívidas que os vampiros do governo, em todos os níveis, lhe cobraram.

OK? Imagine! Agora, em 2012, recebeu um comunicado de execução fiscal com a penhora online de seus bens. Traduzindo, esvaziaram sua conta bancária. E só depois de muita briga judicial conseguirá ter seu dinheiro de volta.

E a que se deve a tal penhora online? Dizem que é multa por ter colocado uma faixa sem alvará, em 1998 – catorze anos atrás, portanto. A multa era de R$ 458,00. Com juros, correção monetária (aquela que diziam ter acabado com o advento do Real, lembra?), multa, a dívida é de quase R$ 2.350,00. A empresa foi fechada, nenhum vampiro sugador de dinheiro viu na época que havia multa. Agora, ferro na empreendedora que se atreveu a tentar criar empregos. Os vampiros trabalharam mal, a cidadã paga. E a imprensa, claro, silencia.

E silencia sempre: confirmar essa matéria exige trabalho e trabalho cansa.

 

A imprensa, cada vez mais longe

Um leitor assíduo desta coluna, comentando os pequenos vazamentos dos poços da Chevron (que cobriram centenas de quilômetros quadrados do mar, mas segundo a Chevron continuam pequenininhos, pequenininhos), tem uma dúvida: a Petrobras, dona de 30% do empreendimento, não deveria se manifestar sobre esse problema? Claro, a Petrobras prefere manter-se em silêncio. Mas nenhum repórter estaria interessado em perguntar à Petrobras o que tem a dizer sobre os vazamentos de petróleo? Há repórteres todos os dias no belo prédio da Petrobras, cujo ar condicionado, impecável, ameniza muito o calor do verão carioca. Nenhum deles, antes ou depois das declarações oficiais diárias sobre a descoberta de monumentais campos petrolíferos daqueles que nem a Arábia Saudita encontrou até hoje, terá ficado com vontade de fazer perguntas sobre o óleo derramado?

 

A arte

O pintor Roberto Camasmie expõe sua obra em Brasília, a partir de quarta-feira (28/3), às 17h30, com direito a explicações sobre técnicas e processo criativo. Camasmie e sua exposição, “Trajetória”, ficam no Espaço de Arte A Bela Sintra, no primeiro andar do restaurante de mesmo nome, na 105 Sul. A iniciativa de levar o retratista a Brasília é da Art & Art Galeria, que se especializou na visita de grandes nomes à capital: André Crespo, Bianca Cutait, Antonio Peticov, Black Linhares. Além dos retratos, que incluem óleos de artistas como Humphrey Bogart e Whitney Houston, Camasmie expõe tapeçarias, abajures, lenços de seda, leques, jogos americanos, gravuras, borboletas – as belas borboletas que aparecem em tantas de suas obras.

 

O livro

Na terça-feira (27/3), às 19h, na Galeria Lourdina Jean Rabieh, Cláudia Reis lança o livro de arte Quo Vadis, de Daniel Carranza. Al. Gabriel Monteiro da Silva, 147, em São Paulo, SP.

 

A promessa

A ideia é excelente: um jornalista de primeiro time, Leão Serva, passa um mês dentro de um shopping center, vendo como tudo funciona, como clientes, vendedores, pessoal de infraestrutura se relaciona, apurando histórias. Em seguida, escreverá um livro.

Tem tudo para dar certo: iniciativas semelhantes no exterior, acompanhando a vida de um hotel, ou de um aeroporto, sempre deram certo. E Leão Serva introduz na fórmula algo que existia apenas como moldura: o jornalismo. Não haverá, em seu livro, romances inventados, histórias criadas, personagens modelados. Apenas a verdade – a vida como ela é.

 

Como…

De um importante portal noticioso, comentando o julgamento do caso que envolve o jogador Oscar e o São Paulo:

** “(…) a 16ª turma da 40ª Vara do TRT-SP se reúne (…)”

Seria ótimo se fosse verdade. Ou melhor, é verdade, mas não é bem assim. A 40ª Vara é de primeira instância e já julgou o processo há algum tempo. Não pode julgá-lo novamente. A 16ª Turma é do Tribunal Regional do Trabalho (segunda instância, órgão superior).

Ou é uma ou é outra. Pior, para o consumidor de informação (e que paga caro por ela) é se não foi nenhuma das duas.

 

…é…

De um grande jornal impresso:

** “TCU já reduziu desperdício de dinheiro público em obras da Copa em mais de R$ 500 milhões”

Maravilha: basta assinar um papel e o desperdício é automaticamente reduzido, antes até de ser desperdiçado. Deve ser por isso que os gastos com a Copa ficaram tão abaixo dos previstos, não é assim?

 

…mesmo?

De um grande jornal impresso, informando qual a vitamina cuja falta nos torna suscetíveis ao beribéri (aliás, a grafia correta está no texto. No título, falava-se em beriberi):

No título, a vitamina que não pode faltar é a A.

No texto, é a B.

Na coluna “Para Entender”, a B1.

Bingo! B1 é a resposta certa.

 

Mundo, mundo

Ah, o estilo “tira o meu da reta”! Ah, o estilo “me inclua fora dessa”! O Brasil está sempre bem representado.

Um grande portal noticioso informa que três pessoas foram mortas num carro; uma criança de cinco anos também estava no carro, mas viva. Qual o sexo da criança, a propósito? Depende: a notícia diz que “a garoto foi encontrada (…)”.

Informa o portal, também, que a polícia investiga se a criança se escondeu “ou os suspeitos” de cometer o crime a pouparam.

Que suspeitos, cara-pálida? Ninguém tinha sido preso! Quem matou os três é matador, assassino, homicida, o que o repórter e o editor quiserem, mas suspeito é que não é.

O Brasil está bem representado nesse estilo “não fui eu” de redação, mas não é o único concorrente. De acordo com informações vindas da França, a respeito da morte do assassino de sete pessoas, a polícia invadiu o apartamento do “suposto atirador” e “o suspeito está morto”. E segue o texto: “Assassino de Toulouse morreu com um tiro na cabeça”.

É suspeito ou assassino? Ganha algum prêmio o consumidor de informação que adivinhar o que estão querendo dizer para ele?

 

E eu com isso?

Acabou uma novela de sucesso, começa outra novela. Em outras palavras, tentar trabalhar com informações sobre realidade é absolutamente inútil neste momento. Este colunista é capaz de apostar que o guarda-roupa de Asma Assad, esposa do presidente sírio Bashar Assad, desperta mais interesse do que a posição política da primeira-dama, que foi considerada por muitos anos uma importante força moderadora no governo de Damasco. Vamos em frente, então!

** “Famosas de biquini mostram suas imperfeições na praia”

** “Fernanda Montenegro comparece a prêmio de teatro no Rio de Janeiro”

** “Cantora Rihanna faz visita noturna ao ator Ashton Kutcher”

** “Irmã de Zezé di Camargo faz curso erótico para animar marido”

** “Paris Hilton vai de barriga de fora para show de affair”

** “Jonas vai malhar com uma xícara de café na mão”

** “Torcedora xaveca Dana White e pede ‘5 minutos’ com o chefão nos bastidores”

** “Patrícia Maldonado leva filha em evento da Barbie”

** “George Clooney curte férias com a namorada no México”

** “Danielle Winits está com novo amor”

 

O grande título

Há três títulos interessantíssimos, nesta semana. Os três mostram o mesmo fenômeno: ninguém tomou qualquer cuidado para elaborá-los de maneira a eliminar o duplo sentido.

** “Brasil pode se tornar o maior país do Facebook. Mas, em penetração, está em 110º lugar”

É grande mas penetra pouco. E é a este colunista que acusam de ser malicioso.

** “Mulher casa e tem cinco filhos com documentos de outra pessoa”

O tempo passa, o tempo voa. Certamente a maior parte dos leitores desta coluna é do tempo em que, para ter filhos, ninguém podia substituir o parceiro por seus documentos.

E o melhor de todos:

** “Brasileiro falou com a família antes de ser morto por polícia”

Ainda bem que foi antes.

***

[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]