Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Informe-se e não se informe

Durante muito tempo, este colunista acreditou que o noticiário esportivo era
o menos sujeito a erros. Os repórteres entendem do assunto e o acompanham por
prazer, mesmo quando não estão trabalhando. Mas veja só: está na imprensa que o
meia Zé Roberto, 35 anos, ex-seleção brasileira, hoje na Alemanha, está sendo
convidado para voltar ao Brasil. Segue-se a frase fatal: ‘Corinthians e Santos
são os clubes do Rio de Janeiro interessados no jogador’.


Dá para imaginar que até os três principais candidatos à Presidência, que
confundem o Pato com o Ganso, tenham alguma noção das cidades que abrigam alguns
dos maiores times do país. Dá para imaginar também o que é que aconteceu: a
notícia deve ter saído em algum noticioso internacional, daqueles que se referem
ao time brasileiro como ‘seleção carioca’. Traduzido o texto no tapa, qualquer
time brasileiro vai parar no Rio.






E o pior é que essas coisas não acontecem só no Brasil. Na
TV americana, aparece a África do Sul lá no Norte da América do Sul. Já fazem
até piada com isso: ‘Não se surpreendam se os americanos não encontrarem o
caminho para a Copa’. O pior é que o país-sede da Copa tem nome vinculado
diretamente à localização geográfica. Como é que, mesmo assim, os gringos
conseguem errar?

Sem problemas: não faz muito tempo, o governo paulista distribuiu livros de
geografia com mapas em que havia dois Paraguais, um deles dentro da Bolívia (o
que implicaria, imagine!, a presença de dois pais da Pátria como o presidente
Lugo). O outro Paraguai ficava no lugar do Uruguai, que em compensação ficava
onde deveria estar o Paraguai, o de verdade. Talvez para compensar a falha, o
mapa omitia o Equador, garantindo a estabilidade do número de países do
continente. E livro deveria ser mais imune a erros do que jornal ou notícia de
TV: há tempo disponível para a revisão. Mas revisão dá trabalho e trabalho
cansa.


E pensar que houve tempo em que a gente lia para se ilustrar!


 


Viagens? Esqueça!


E não pense também no velho provérbio segundo o qual as viagens ilustram. Tem
gente que viaja o tempo todo e ilustrado é exatamente o que não ficou.


 


A demanda pelo erro


Mas, citando o gênio Chico Buarque, deixa a festa acabar, deixa o barco
correr, deixa o dia raiar. Está cheio de gente na praça que não quer saber se a
informação é correta: só se interessa em descobrir se pode ser bem explorada
politicamente. Há coisas notáveis: Dilma Rousseff nos Estados Unidos, passeando
com Marta Suplicy, indo à entrega de um prêmio a Henrique Meirelles, e milhares
de e-mails garantindo que ela não pode entrar nos Estados Unidos, por ter
participado do sequestro do embaixador americano no Brasil e ter sido condenada.


Dilma deve ter um monte de defeitos, talvez tenha seus esqueletos no armário,
mas não participou do sequestro do embaixador americano. Não há processo nenhum
contra ela nos Estados Unidos. E o fato é que ela estava lá, sem que ninguém a
incomodasse – mas o boato continuou circulando. É como o tal livro proibido, que
de proibido não tem nada: apenas foi recusado por duas editoras e o autor
preferiu colocá-lo na internet. É como a análise segundo a qual as inundações
que houve em São Paulo foram culpa do governo e da prefeitura, mas as do Rio
tinham a ver apenas com São Pedro e a fatalidade, jamais com a inoperância das
autoridades locais. É como a demissão de Alexandre Garcia, que continua na
Globo, que apresenta os jornais mais importantes da rede, mas não faz mal:
segundo os boatos, foi demitido por causa da censura.


Para que buscar informação correta, se boa parte dos consumidores de
informação está ávida pela notícia falsa, mas que pode render exploração
eleitoral?


 


Nem novela escapa


E há uma história deliciosa de novela e de análise jornalística da novela. O
personagem vivido pelo ator Cauã Reymond em Passione vai de bicicleta da
Avenida Paulista ao Parque Ibirapuera (que ficam a não mais de três quilômetros
de distância) seguindo uma rota estranhíssima, que o leva à Avenida Marginal do
Rio Pinheiros e à ponte estaiada. É mais ou menos como ir de Minas à Bahia
passando por Goiás e Tocantins. Aí vem a análise jornalística, informando que o
personagem, para fazer o percurso de três quilômetros ou pouco mais, acaba
pedalando 26 km.


Não é bem assim: somando tudo, como fez o leitor Luciano Mello, dá 21 km. Mas
jornalista, como sabemos, odeia fazer contas.


 


Será que ele é?


Escândalo na Argentina: Martín Redrado, ex-presidente do Banco Central,
entrou com ação contra a jornalista Agustina Kamfer, que o chamou de gay num
programa de TV. Agustina perdeu o emprego, já que a emissora considerou que ela
tratara Redrado de forma discriminatória; ela alega que não o discriminou, e que
não dá a menor importância à sua sexualidade (então, por que foi buscar o
tema?).


O detalhe mais interessante vem agora: diz a France Presse que a jornalista é
namorada de Amado Boudou, ministro da Economia da Argentina e antigo adversário
de Martín Redrado.


É briga boa. Martín Redrado é aquele presidente do Banco Central que se
recusou a obedecer a ordens da presidente Cristina Kirchner e rejeitou também a
ordem de demissão, já que tinha mandato por tempo fixo. Como demonstrou, não tem
medo de cara feia.


 


Ele volta


Sílvio Luiz, um dos mais experientes apresentadores esportivos do país, acaba
de deixar a Bandsports: como não fez parte da equipe que foi à África do Sul,
considerou-se desprestigiado e foi embora. Silvio havia sido demitido de duas
outras empresas do grupo, em 2007 e 2008; e tem a certeza de que, se não saísse,
seria demitido mais uma vez.


Este colunista já viu Silvio Luiz subir e descer várias vezes; e ele sempre
voltou bem, com prestígio e audiência. Já o viu como repórter de campo, como
juiz de futebol, como comentarista, como locutor, como apresentador; sempre teve
um público fiel, que o apóia onde quer que esteja. Por enquanto, fica na
RedeTV!, transmitindo o Campeonato Brasileiro da Série B.


 


E o Morumbi?


A informação varia conforme o repórter, conforme o jornal, conforme o blog,
conforme o programa de TV: quais as possibilidades de o Estádio Cícero Pompeu de
Toledo receber a abertura da Copa de 2014 (ou, pelo menos, alguma partida
importante)? O Morumbi foi afastado, o Morumbi está nos planos, não há Plano B,
há Plano B – em resumo, o que não há é um trabalho de reportagem que busque
rastrear os fatos. Existe apenas um ou outro repórter que transcreve o que lhe
diz sua fonte – uma fonte não raro interessada em divulgar determinado tipo de
informação. E há algumas informações que poderiam ser obtidas (e
cobradas):


1. A prefeitura paulistana não investirá, em hipótese alguma, num
estádio particular? Ou, em certas circunstâncias, pode investir? Quais seriam
essas circunstâncias?


2. A prefeitura paulistana tem ou não tem planos de construir um
novo estádio em São Paulo? Em caso positivo, haverá tempo para que fique pronto
até 2014?


3. O São Paulo, proprietário do estádio, informou que não teria
dificuldades para levantar com a iniciativa privada e a obtenção de empréstimos
o dinheiro necessário à reforma do Morumbi. A informação está mantida? Há quem
diga que, tamanhas as exigências da FIFA, o custo se multiplicou de tal maneira
que não há mais condições de levantar dinheiro privado em quantidade
suficiente.


4. Caso haja necessidade de realizar obras de infraestrutura,
haverá movimento suficiente, fora da Copa, para torná-las economicamente
viáveis?


Dá para começar por aí. Sem isso, o consumidor de notícias e os repórteres
estarão permanentemente reféns de fontes que nem sempre se revelarão, mais
tarde, as mais confiáveis.


 


O suposto incesto


O cavalheiro é preso em flagrante, mantendo a filha e os filhos que ela teve
em cárcere privado, sujeitos a maus-tratos. Confessa o crime de incesto e admite
que é o pai de pelo menos três dos filhos que a moça teve (segundo ela, os sete
filhos são dele). Preso em flagrante, réu confesso, sem demonstrar qualquer
arrependimento, admite tranquilamente que começou a manter relações sexuais
forçadas com a filha quando ela mal completara os 12 anos de idade; e os meios
de comunicação o tratam como ‘suspeito’.


Tudo bem, ele só será considerado criminoso depois de julgado e condenado.
Mas os atos que cometeu foram cometidos; a Justiça só dirá se configuram crime.
Mas ele não é suspeito de incesto, não: ele cometeu o incesto. A filha e os
filhos que ela teve viviam mal, em cárcere privado – e isso não é suspeita, é
fato.


É um avanço que os meios de comunicação já não tratem pessoas ainda não
julgadas como criminosas, ou monstros, ou bruxas (embora, como no caso da
procuradora acusada de espancar a menina que queria adotar, tenha abandonado a
contenção – e precisamos admitir que era dificílimo mantê-la naquele caso). Mas
também não é para fingir que não se sabe se o cavalheiro fez alguma coisa. Um
exemplo: o jornalista Pimenta Neves matou a namorada a tiros. A Justiça decide
se cometeu crime ou se houve circunstâncias pelas quais não houve crime. Mas ele
não é o ‘suposto’ matador. Ele matou e disse que matou.


Um atento leitor desta coluna, Henrique Galinkin, lembra que boa parte dos
meios de comunicação usa essa terminologia esquisita por medo de processo. Mas
teme o dia em que o Fluminense ganhe de 6×0 do Flamengo e a imprensa noticie uma
‘suposta goleada’.


 


Como…


De um grande jornal:


** ‘Cristiano Ronaldo foi acionado 15 vezes, acertou dez dos nove
passes que tentou (…)’


Isso é que é craque: acerta até os passes que nem deu.


 


…é…


Da internet:


** ‘Faculdade paga R$ 61 para homem ser cobaia de exame de
próstata’


É a primeira vez em que pagam a alguém que será beneficiado pela inclusão
digital.


 


…mesmo?


De um grande portal noticioso:


** ‘Americano é preso após mostrar o pênis durante festa de
casamento’


Questão de timing. Normalmente se espera a saída dos convidados.


 


Mundo, mundo


Da internet:


** ‘Mulher vai presa ao telefonr cinco vezes para polícia pedindo
marido’


Coisa de americano. Aqui, uma mulher muito bonita, muito famosa, demorou
pouquíssimo tempo até conseguir um atlético bombeiro para chamar de seu.


 


Vasto mundo


A Christie´s, uma das mais famosas casas de leilões da Inglaterra, vendeu um
conjunto para matar vampiros, composto de estacas de madeira, crucifixo e
frascos de água benta (pelo jeito, ficaram faltando os dentes de alho e a bala
de prata, além do espelho para comprovar se o vampiro é ou não autêntico).


Ainda bem que isso ocorreu na Inglaterra: não é para ser chato, mas aqui há
candidatos a cargos importantíssimos cujo reflexo certamente não vai aparecer
num espelho. E pelo menos um deles de-tes-ta alho.


 


E eu com isso?


Houve época, caro colega, em que um tornozelo descoberto, como se fosse
Helena de Tróia, lançava mil navios ao mar. Está na música, aliás: ‘A sombra de
um torturante band-aid/ no calcanhar’. As saias subiram, a fugaz visão de uma
calcinha virou um troféu. Mas as calcinhas sumiram. De Sharon Stone em
Instinto Selvagem até as cantoras americanas em que o álcool libera seus
selvagens instintos, calcinha passou a ser uma roupa, algo que mais atrapalha a
visão do que funciona, à maneira de antigamente, como um excitante visual.


E pensar que ainda tem gente interessada em calcinhas!


** ‘Jennifer Lopez cruza pernas e mostra calcinha em evento’


** ‘Relembre cantoras que deixaram suas calcinhas à mostra em
shows’


Tem gente que não se contenta com pouco:


** ‘Professora é presa após mandar fotos em que aparece nua para
aluno’


E as intimidades vão sendo divulgadas:


** ‘Russa quer indenização por danificar silicone durante turbulência
em voo’


A passageira alega, provavelmente com razão, que a distância entre os bancos
era minúscula, e ela acabou batendo o seio turbinado no encosto da frente.


** ‘Luan Santana acha normal `pegar fã´ e conta que não abre mão de
sexo’


Andaram falando coisas do rapaz – se bem que o título da internet ofereça
muita amplitude de interpretação.


** ‘Chineses fazem competição de beijo em posição esquisita’


Certa vez, uma redação parou para descobrir o que era ‘beijo grego’,
oferecido num anúncio daqueles colados em postes. Agora vem o beijo chinês. O
problema é o prêmio minúsculo: para o vencedor, o equivalente a R$
240,00.


** ‘Casal inglês é flagrado namorando no jardim pelo Google Street
View’


** ‘Inglesa vende leite materno para `marmanjos´’


E há o frufru propriamente dito:


** ‘Cachorrinha de Mariah Carey dá à luz uma fêmea’


** ‘Ozzy Osbourne quer doar seu corpo para a Ciência’


 


O grande título


Há para todos os gostos, até mesmo do tipo piada pronta:


** ‘Lindsay Lohan participa de aula sobre alcoolismo’


Como se precisasse de aula!


Há o título que, nas mentes mal-formadas, despertará a malícia:


** ‘Regina Duarte aprende a descascar milho antes de novela’


Há dois bons exemplos de coisas inusitadas:


** ‘Polícia divulga foto de raposa suspeita de ataque a gêmeas’


A tal foto é um reflexo na vidraça da casa. Pode ser aquela raposa, pode ser
outra. E, se for aquela, como distingui-la de alguma outra?


** ‘Freiras são presas por plantar maconha no quintal de convento’


Alegam que a plantação se destinava a alimentar animais. Veja só o caro
colega: os bichinhos detestavam capim e alfafa!


E há um título absolutamente fantástico:


** ‘Garoto perde parte do testículo depois de campeonato de tapas no
colégio’


Aconteceu no estado americano de Minnesota, onde, por algum motivo estranho,
dar tapas nos testículos dos outros virou moda entre estudantes. Como se diria
por aqui, pura boiolagem. E boiolagem perigosa.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados