Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

“Façam o que eu digo…”

Sérgio Buarque de Holanda iria achar muito reveladora a resistência de funcionários públicos à divulgação de suas remunerações. Persistente inaptidão do brasileiro à norma impessoal. Ele escreveu, em Raízes do Brasil, abertura do capítulo “O homem cordial”:

“O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo”.

Roberto DaMatta há de estar afiando seus instrumentos para comentar a repercussão da decisão republicana de Dilma Rousseff.

Mas, convenhamos: Dilma publicou sua remuneração no site do Planalto? Não. A Corregedoria Geral da União publicou? Algum ministro publicou?

Será tão difícil assim? O sistema de pagamento do governo federal é único, um banco de dados gigantesco onde se pode controlar caso a caso.

Sinais conspícuos

Há quase trinta anos, no Rio de Janeiro, o então comandante da Polícia Militar, coronel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira, e o subcomandante, coronel PM Jorge da Silva, denunciaram os “sinais conspícuos de riqueza” de oficiais que estacionavam nos pátios dos quartéis carros de valor incompatível com suas remunerações. Diziam aos jornalistas: querem indícios de corrupção? Visitem os pátios dos quartéis.

Se alguma coisa mudou nesse terreno foi que agora também sargentos, cabos e soldados rasos param carrões nos estacionamentos. E o fenômeno pode ser comprovado em qualquer unidade da Federação, não só no Rio de Janeiro.

Salários e horários

A transparência, para ser uma operação mais lúcida, precisará trazer à luz outros dados. Por exemplo, os horários de trabalho dos médicos do serviço público federal, estadual e municipal. Muito raros médicos cumprem os horários. Porque toda a categoria, diretores e coordenadores de hospitais e serviços incluídos, considera que os salários são baixos demais, insuficientes para se manter um padrão de vida correspondente às aspirações de quem estudou seis anos de medicina − ou mais, com residência e especializações.

O que fazem os médicos do serviço público no Brasil inteiro? Não cumprem horários.  Com o beneplácito de seus superiores. Deslocam-se freneticamente entre vários empregos. Em cidades com o trânsito de São Paulo, Rio, Salvador, isso é um problema sério. Em São Paulo, consta, a categoria médica é recordista em acidentes de trânsito.

O que fazer? Obrigar de um dia para o outro os médicos a cumprirem os horários regulares? Provavelmente, não: o número de profissionais que, nessa hipótese, deixariam o serviço público seria tão elevado que haveria uma pane generalizada. As tão execradas filas forneceriam pauta para infinitas reportagens.

A decisão de mandar publicar os salários dos funcionários da União é apenas um primeiro passo para se questionar proficuamente o modo de funcionar do Estado brasileiro, do qual se pode dizer que é forte diante dos fracos e fraco diante dos fortes. E que, em determinadas situações, infelizmente numerosas, se serve do povo em vez de servi-lo.