Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O fantasma que vai e volta

A Constituição proíbe a Censura prévia. Artigo 5º, IX: "É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença". Artigo 220: A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. Parágrafo 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística".

Mais claro, impossível. E, no entanto, o Ministério da Justiça deu um jeito para censurar o filme A Serbian Film – Terror sem limites, suspendendo os trabalhos para dar-lhe uma classificação indicativa. Sem classificação indicativa, os cinemas não podem exibi-lo. E o ministro da Justiça é professor de Direito!

Pelo que dizem, é um filme horroroso, com pedofilia, incesto, necrofilia, estupro de menores, sexo com bebês, tudo o que há de errado. Este colunista não tem a menor intenção de assistir a um filme sérvio, ainda mais com esses excessos repugnantes. Mas, como dizia a revolucionária alemã Rosa Louxembourg (que o ministro da Justiça, petista histórico, certamente conhece), liberdade é a liberdade de quem pensa diferente de nós. Se alguém está disposto a pagar um ingresso de cinema para ver nojeiras, que o faça. E, ao fazê-lo, estará protegido pela Constituição, que Sua Excelência o ministro jurou defender.

Para atentar contra a Constituição, juntou-se a extrema esquerda (a corrente do ministro José Eduardo Cardozo é a mesma do governador gaúcho Tarso Genro) à direita mais rançosa, o DEM do Rio, de César e Rodrigo Maia, horrorizado com aquilo que o filme exibe. Estão horrorizados mas não tomam a providência mais efetiva que poderiam adotar: não assistir ao filme. Com isso não se horrorizam e não dão bilheteria nem aos cinemas, nem aos distribuidores, nem aos investidores, nem a qualquer pessoa envolvida com essas nojeiras.

É horrível ter um filme desses nas telas. E é mais horrível ainda proibi-lo.

 

Ridículo não tem idade

Este colunista tem idade suficiente para ter passado pela censura militar e pela censura da Nova República. Viu coisas ridículas: um filme clássico, Laranja Mecânica, extremamente violento, foi primeiro proibido por exibir gente nua, e depois permitido desde que a nudez fosse encoberta por bolinhas que corriam pela tela, escondendo seios, vaginas e falos. Assistiu a manifestações de senhoras pudicas contra as saias curtas (uma frase notável da época: "Ninguém levantará a saia da mulher mineira"). Viu um censor de jornal, chamado Leonardo, a tal ponto assustado com a possibilidade de alguém ironizá-lo, que cortava o nome Leonardo onde quer que aparecesse – o grande mestre da Renascença, por exemplo, era apenas "Da Vinci". Viu a regulamentação de fotos de mulher pelada nas revistas do ramo: um seio podia, dois só se encobertos por uma camiseta molhada. E era proibida uma impossibilidade, a foto "do traseiro frontal".

E assistiu, entristecido, a um antecessor de José Eduardo Cardozo no Ministério da Justiça, este notável, o grande Fernando Lyra, até então impecável em sua trajetória política, vetando o filme Je vous salue, Marie, colocando-se fora da lei apenas para batalhar votos católicos. Acabou como suplente de deputado federal.

Em suma, caro colega, tudo aquilo que está agora na internet, muito mais explícito, era proibido. E que aconteceu quando deixou de ser proibido? Nada. Rigorosamente nada. Carlos Zéfiro seria hoje um pornógrafo amador. E daí?

O que mais preocupa este colunista, entretanto, não é o ministro da Justiça, o governo, ou qualquer partido. Esses passam, como Fernando Lyra passou. Ninguém mais se lembra da doutora Suely, a censora da ditadura, como ninguém é capaz de lembrar o nome de alguma das Senhoras de Santana, ferozes moralistas. Preocupante é ver jornalistas apoiando a censura, seja a que pretexto for.

Será que ninguém destes leu a fábula das rãs que queriam um rei? Elegeram uma garça. E a garça as comeu.

 

Queda para cima

Agora vai: com o surgimento da internet, os jornais iriam morrer, com o lançamento dos blogs os jornais iriam morrer, com o Twitter os jornais iriam morrer, com o Ipad os jornais iriam morrer. É uma discussão antiga: o rádio também iria morrer com a chegada da TV, a TV iria morrer com a chegada da internet.

Ninguém morreu; ao contrário, o rádio vai bem, obrigado, a TV pauta a vida das cidades brasileiras (não se pode visitar ninguém na hora da novela, por exemplo – nem a presidente Dilma Rousseff, que prefere o Canal Viva), há lugar para todos. Um blog pode trazer algumas notícias exclusivas, pode opinar com mais liberdade, mas não pode fazer os investimentos necessários para captar tendências e apurar notícias de qualidade (que, depois, os blogs poderão comentar). Pode haver mudança de suporte; um Ipad bem aperfeiçoado talvez assuma o posto de uma grande quantidade de jornais de papel. Mas, em tinta ou em pixels, continuará a ser um jornal – como uma foto digital é tão foto quanto uma tirada com filme ou chapa de vidro, com flash de magnésio.

Nos primeiros seis meses deste ano, a circulação de jornais cresceu aceleradamente: 4,2%, comparada ao mesmo período de 2010. De acordo com o IVC, só os jornais afiliados venderam diariamente 4,4 milhões de exemplares. Os jornais populares, que custam menos de R$ 1,00, cresceram mais: 12,9%.

Ranking atual da imprensa escrita: em primeiro, Folha de S.Paulo; em segundo, o mineiro popular Super Notícia; terceiro, O Globo; quarto, Estado de S.Paulo; quinto, Extra.

 

Retomando a alta

O New York Times, que há dois anos teve de pegar um empréstimo de emergência com Carlos Slim (Claro, Embratel), planeja pagar o que deve com cinco meses de antecedência. O sistema de assinaturas virtuais foi um sucesso. E o jornal deve crescer ainda mais com os problemas enfrentados por seu principal concorrente, o Wall Street Journal, que pertence a Rupert Murdoch e sofre diretamente com o caso do News of the World.

Pelo jeito, essas histórias de velha mídia, nova mídia, mídia intermediária são apenas histórias. Imprensa é imprensa, seja qual for o suporte. Se não for o papel, tudo bem, será outra coisa. Mas a informação e a opinião têm de estar lá.

 

Bate-boca 1

O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, está perdendo sua tradicional calma, o que pode indicar uma série de coisas – por exemplo, que finalmente as acusações que sempre desprezou estão atingindo o alvo.

Desta vez, brigou com jornalistas ingleses que foram ao Rio assistir ao sorteio preliminar da Copa de 2014. Primeiro, ao saber que eram britânicos, se recusou a falar com eles; depois, chamou-os de corruptos.

Teixeira deve ter boas razões para insultá-los. Ele conhece o assunto.

 

Bate-boca 2

Lembra do tempo em que os entrevistados falavam, os jornalistas faziam perguntas e eventualmente debatiam as respostas, e finalmente escreviam a matéria? E quando, mesmo torcendo por um dos lados, disfarçavam? Bom, isso parece estar sendo esquecido: quando o nadador sul-africano Roland Schoenman, campeão olímpico em 2004, disse que apenas advertir César Cielo após a comprovação de que ingeriu substâncias dopantes era um desserviço ao esporte, foi contestado via Twitter por jornalistas-torcedores brasileiros. Veja o nível: "Vocês não chegaram à final, então cale a boca. César Cielo, campeão mundial". Ou: “Não chore, perdedor. Cielo vencendo, sempre". Schoenman os chamou então de bestas, de preconceituosos, garantiu que não sabiam do que estavam falando e desligou seu aparelho. "Amo o botão bloquear" foi sua última frase.

Uma dúvida: qual a confiabilidade das reportagens brasileiras sobre Cielo?

 

Todo dia é dia…

O Ministério da Pesca e da Aquicultura, respondendo a duas notas da revista Veja segundo as quais a agenda do ministro não previa nenhum compromisso durante um longo período, disse que os compromissos existiam, sim; mas não eram publicados por "problemas já identificados no sistema de atualização do site". E, para provar o que dizia, divulgou uma agenda magrinha de 21 de junho a 26 de julho (entre os compromissos, havia coisas como "Portugueses celebram os 58 anos da Casa da Vila da Feira", "Pescador esportivo não se esqueça de passar no 6º Salão de Turismo de São Paulo até o dia 17 de julho e pegar seu registro, caso não tenha" e outras preciosidades).

 

…de pescaria

E no dia 28, é enviada aos jornais, "para conhecimento, a agenda de 29 de julho de 2011 do Senhor Ministro de Estado da Pesca e Aqüicultura, Luiz Sérgio". A agenda está em branco. Este colunista não viu em nenhum órgão de imprensa nenhuma referência à agenda do ministro – nem depois do debate anterior.

 

E o consumidor, ó!

A Oral B, fabricante de produtos de higiene bucal pertencente à Procter & Gamble, também proprietária da Gillette e da Duracell, lançou há algum tempo uma escova elétrica não-descartável, a preço alto, chamada Cross Action Power. As cerdas eram vendidas como reposição, também a bom preço. Muita gente comprou. De repente, desapareceu o refil das farmácias e supermercados. A informação (coincidente, em vários pontos de venda) era de que eles haviam encomendado a reposição mas a Oral B não tinha entregue a mercadoria.

Quem acha o SAC da Oral B é informado de que o produto saiu de linha. Quem quiser escova elétrica terá de comprar outra e jogar esta fora. Nenhuma informação foi divulgada pela imprensa; este colunista fez uma pesquisa e não encontrou informações de interesse dos consumidores. No Google não há qualquer referência à suspensão do produto – com o consequente prejuízo ao consumidor que ficou sem a peça de reposição. E o SAC informa apenas que o que sabem é que saiu de linha e pronto.

Alô, colunas de defesa do consumidor! Que tal pesquisar um pouco e descobrir se uma empresa de tal porte estaria querendo apenas forçar o cliente a comprar mais um produto para ele desnecessário? Esta coluna não acredita que isso possa ter ocorrido; nem que o consumidor não mereça sequer um esclarecimento.

 

O homem que sabia demais

Um homem amigável, cordial; mas discretíssimo, reservado. Foi o homem de confiança de alguns dos mais importantes comandantes da área de comunicações do país, mas nunca se prevaleceu disso – nem para efeito de prestígio social. Arlindo Silva, antigo editor-chefe de O Cruzeiro, criador do Núcleo de Jornalismo do SBT, conviveu de perto com Assis Chateaubriand, com Leão Gondim de Oliveira, com David Nasser, com Millôr Fernandes, com Austregésilo de Athayde, que depois seria o presidente quase vitalício da Academia Brasileira de Letras; e com Sílvio Santos, tão íntimo que sabia como surgiu a lenda da peruca do patrão e de suas preocupações (infundadas) com a possibilidade de ser atingido pela disfunção erétil. E isso numa época em que nem existia Viagra, e disfunção erétil era chamada por um nome bem menos pomposo!

Um belo repórter, Arlindo Silva. Um editor de peso. Morreu na semana passada, discretamente como viveu. Poucos sabiam que tinha ido morar com a filha, em Minas, depois de se aposentar; e foi em Minas que morreu, aos 83 anos, em consequência de uma pneumonia.

A última grande façanha de Arlindo Silva foi o livro A Fantástica História de Sílvio Santos. Oficialmente, o livro foi escrito sem o consentimento de Sílvio. Mas quem conhece Sílvio Santos sabe que nada do que o envolve é feito sem seu consentimento. É, portanto, um livro chapa-branca – mas é notável, porque boa parte da vida de Sílvio Santos está ali retratada com fidelidade e clareza, sem preocupação com as reações do chefe.

No livro, hoje esgotado, Arlindo aborda tudo, da família até a intimidade pessoal de Sílvio Santos. Conta como surgiu o império, como cada uma das então 33 empresas nasceu para atender às necessidades das outras, o início da carreira dos principais auxiliares do patrão – um deles, que à época era quem fazia chover no SBT, tinha sido auxiliar de empacotamento de presentes de Natal na primeira versão do Baú da Felicidade.

Boa gente, o Arlindo Silva. De quantas pessoas podemos falar isso?

 

Mais uma baixa pesada

O assunto era transporte? Simples: um telefonema para o Ariverson Feltrin traria esclarecimentos, explicações, fontes. Por 40 anos, Feltrin cuidou a sério de transportes para publicações como Veja, Folha de S.Paulo, Diário do Grande ABC, Gazeta Mercantil. Ari morreu na semana passada, aos 65 anos.

 

Como…

O Compadre Washington, do É o Tchan, está em A Fazenda, e tenta dar uma namoradinha com Monique Evans. Legal! Tomara que dê certo! O problema é que um grande portal da internet, ao contar a história de uma cantada, chamou-o no título de "Comprade Washington". Erro de digitação? Não: nas três vezes em que ele foi citado, chamaram-no de "Comprade Washington". O mais curioso é que é bem mais fácil falar "compadre" do que "comprade".

 

…é…

De um grande jornal, na edição digital:

** No título: "Colunista é morto em MS e colegas suspeitam de relação com trabalho".

Nada de estranho – a não ser que o texto informa que a morte ocorreu em Cuiabá, que definitivamente não fica no Mato Grosso do Sul.

 

…mesmo?

De uma grande agência noticiosa, relatando os esforços para capturar a onça que invadiu uma casa no Interior de São Paulo:

** “(…) mas ela só conseguiu ser capturada por volta das 15 horas (…)"

Puxa, e com tantos esforços que ela fez para conseguir ser capturada, como é que levaram tanto tempo?

 

Pois é, é assim mesmo

Título de matéria num grande portal informativo da internet:

** “PR: inquérito contra Ricardo Teixeira"

No texto:

** “PRB pede abertura de inquérito contra Ricardo Teixeira"

É só uma letrinha, vá lá. Os dois fazem parte da bancada de apoio ao governo federal. Mas um é o partido de Valdemar Costa Neto e outro é o do deputado Marcelo Crivella, que foi comandado pelo vice José Alencar.

 

Mundo, mundo

Prepare-se: depois que o deputado Paulo Maluf, do PP paulista, chupou um picolé de jiló no programa de TV de Ronnie Von, está aberta a porta para novas experiências gastronômicas. A Argentina, por exemplo, prepara uma geleia de madeira com receita de um engenheiro. Exatamente: de madeira da árvore jacaratiá, produzida pela Yacaratiá Delicatessen, do engenheiro Roberto Pascucci. Madeira? Está bem, vá lá; madeira, mais um processamento para torná-la menos dura, mais a adição de gelatinas, corantes e flavorizantes, mais uns aromatizantezinhos, e pronto. O mais curioso é que os meios de comunicação levaram a sério a geleia de madeira, como se de madeira mesmo fosse produzida.

Não lembra a história da sopa de pedra? O sujeito punha as pedras para ferver e pedia complementos à vizinhança: orégano, sal, uns pedaços de carne, um bom osso cheio de tutano, um pouco de arroz, uma batatinha, cenoura. Depois, era só descartar a pedra e tomar a sopa.

A propósito, o título da matéria de um portal da internet era uma delícia:

** “Argentina avança em gastronomia selvagem com geleias de madeira"

 

E eu com isso?

O mundo em risco de crise econômica internacional, massacre na Noruega, concorrência chinesa ameaçando a indústria brasileira. Mas o grande tema é a declaração de Sandy, de que sexo anal também pode dar prazer.

Bom, Sandy fez propaganda de cerveja. E é um dito popular que quem bebe muito não exerce a propriedade sobre certas partes do corpo. E talvez seja isso que os publicitários procurem, enquanto os meios de comunicação se divertem: passado o impacto inicial de Sandy como garota-propaganda da cerveja, que tal retomar o tema da mudança de imagem da cantora bem-comportada, em benefício da propaganda da bebida e de mais um bom cachê por uma nova série de anúncios?

** “Dilma diz que é fã de Roque Santeiro”

Este colunista lembra da novela: não é aquela do que foi sem nunca ter sido?

** “Transexual mostra ‘tanquinho’ um ano após dar à luz”

** “Cristiana Oliveira diz que conseguiu entrar nas calças de um ano atrás”

** “Enrique Iglesias diz ter ‘o menor pênis do mundo’”

** “Bianca Rinaldi leva as filhas gêmeas à praia, no Rio”

** “Avril Lavigne descansa em hotel no Rio antes de show na cidade”

** “Nívea Stelman termina namoro com Elano”

Dúvida Tostines: ele bate o mal o pênalti porque terminou o namoro ou terminou o namoro porque bate mal o pênalti?

** “Sophie Charlotte vai à praia no Rio”

** “Galvão Bueno descansa em bar da piscina de hotel em Ipanema”

** “Arnold Schwarzenegger anda de bicicleta em Venice Beach”

 

O grande título

Desta vez não há concorrente possível:

** “Luana Piovani mostra o anel e diz que está casada”

Justo depois das declarações de Sandy?

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[Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados]