Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O feijão e o sonho, de novo?

Uma coisa que as crianças não sabem é que não existe almoço de graça, não cai do céu, não é trazido pelo Papai Noel, e muito menos, como adultos ainda acreditam, uns do Papai do Céu, outros do Bom Tirano. Sempre alguém tem que pagar. Assim, para realizar nossos sonhos particulares, temos que angariar recursos para realizá-los. E isto não muda no capitalismo, feudalismo, monarquia, socialismo e comunismo. Ou usamos o talento para conseguir isto, ou terá que ser uma coincidência de interesse com o Estado.

Assim, causa estranheza o raciocínio exposto neste Observatório pelo técnico em telecomunicações Felipe Dolandeli (‘Mídia privada, independente?‘). Não compreende o mesmo que alguém vai ter que pagar pelo produzido. Normalmente quem paga é o leitor e não o dono do jornal, como ele talvez se iluda que ocorra. Muito claramente mostrado pela matéria ‘Quem determina a parcialidade‘, traduzida do semanário The Economist e publicada no OI.

Não é o editor ou o dono do periódico ou da televisão que farão de forma mágica com que suficientes leitores ou telespectadores leiam ou assistam o que ele quer vender: sejam notícias ou novelas. E, se não tiver vendas ou audiências, babaus, vai à falência. O que ocorre muito mais vezes do que se imagina.

Estado não contrata gari

Uma quantidade enorme de escritores e autores estão nos cebos da vida a espera que alguém dê uma oportunidade para sair na luz, sejam lidos, sejam ‘descobertas’ as suas genialidades. É, portanto, perfeitamente lógico que aqueles que se achem donos da verdade, mas ninguém lhes dá ouvidos, desejem que as coisas sejam diferentes como se existisse Papai Noel para financiar-lhes, no caso, a idéia de que o Estado faria isto a fundo perdido pelo seu suposto brilhantismo oculto e ainda não encontrado, esperando apenas algumas centenas de dólares para que o mesmo obtenha o sucesso de que suas idéias, pensa, conseguirão. A liberdade que o Estado deve garantir não significa o financiamento pelo mesmo para esta ação. A cada qual está livre para empreender o seu sonho.

Ou pior, que o Estado máximo faria isto ao contrário da mídia comercial por ser mais ético. No estado democrático, capitalista, as pessoas podem usar livremente os meios legais para produzir, obter financiamento, tentar vender as suas idéias. E, conseguindo patrocinador ou capital, cooperativismo, trabalho coletivista ou investidores (como em qualquer empreendimento), pode dar continuidade ao seu projeto. Mas no Estado democrático, não está na suas funções financiar sonhos privados de donos da verdade, mas sim usar os recursos tirados da sociedade para cumprir as suas funções. Que certamente não é o de pregar se autodestruir ou destruir a liberdade do resto dos cidadãos. Apenas ele fornece esta oportunidade de se poder procurar livremente os meios dentro da sociedade de conseguir isto. Sintomaticamente os que reclamam são justamente aqueles que não conseguem que a iniciativa privada aposte recursos nos projetos duvidosos e fantasiosos. E, claro, o tal iluminado também não consegue gerar renda para seu ‘sonho’ ser realizado. Mas garante que possui a fórmula para salvar a humanidade do pecado que o mundo vive imerso. Gerar renda que é o segredo. Gastar irresponsavelmente todos sabem. Até o Estado e os socialistas.

Assim pensar que o jornalista, artista, âncora da televisão possa ficar livre do telespectador e fazer o que bem entende na mídia, ignorando os telespectadores e o dono ou os donos do empreendimento, é ilusão. Não é ele que financia e sustenta, principalmente se o negócio for à falência, mas quem tem a capacidade para isto, ou de recursos próprios tirados da audiência, ou de seus contatos comerciais. Nem o Estado contrata um gari para fazer o que quer e da forma que deseja, como o dono do jornal não fará a mesma coisa. Não fazemos isto na nossa vida, ao contratar o jardineiro, a doméstica ou o técnico de televisão, muito menos numa empresa com responsabilidade isto irá jamais ocorrer.

O Grande Irmão ou o caudilho populista

Mas, o máximo que pode ocorrer num estado capitalista e, portanto, democrático, é a perda do emprego. Já num Estado socialista, como admirado por Felipe Dolandeli, pode ser a perda da liberdade ou, amiúde, da vida. Como ocorre na ilha dos irmãos Castro ou no país da dinastia Il Sung. É ilusório acreditar que o Estado socialista, seja internacional ou nacional, financie jornalistas que não comunguem totalmente com os seus objetivos de forma rigorosa. Apenas que nestes casos a demissão não é considerada suficiente pela elite socialista dominante ao ser questionado os seus credos. E a tentativa de uma via independente e ética será o mais rápido caminho do calabouço.

Assim, a ética possível pelo jornalista ou jornal e televisão financiado pelo Estado não existe. Não agirá o mesmo de forma diferente do que qualquer outro patrão, apenas pior. Ou segue a cartilha ou será dispensado. Com muito mais comprometimento do que na iniciativa privada. Apenas se agravariam os defeitos do empreendimento com a amiúde desconexão entre o telespectador e o produtor, que pode ignorar a audiência em busca do que ache ‘a verdade’, sustentado irresponsavelmente por verbas públicas, com recursos que não são seus e que pode jogar no lixo de uma produção que não será aproveitada. Iguais a tantos outros desperdícios públicos vistos em empreendimentos em outras áreas do Estado. Se der errado, quem perde é mais uma vez o contribuinte por uma produção intragável. E o ‘visionário’ apenas teve os seus minutos de glória produzindo o que ninguém queria ver ou ler mesmo.

Num Estado democrático e capitalista, onde a liberdade pode ser posta em prática, pode-se ter a existência de diversas mídias, como ocorre na verdade. Desde a sindical, partidária, associativa, de ONGs e comercial. Alguns apreciam a Veja, outras a CartaCapital. Já nos Estados socialistas, anticapitalistas, bolivarianos, não existe minimamente a liberdade que o Estado não pense em conceder. Geralmente nenhuma. E não existe renda suficiente entre os particulares para exercerem qualquer tipo de liberdade.

É o que adverte neste Observatório Eugênio Bucci, no artigo ‘O Estado contra a sociedade, em ritmo de melodrama‘, ao lembrar-nos que devemos mais temer o poder opressor do Estado do que empresas. Não existe liberdade em Estados socialistas, onde produzir é determinado pelos mesmos e não sobra para o exercício das liberdades. E a maioria também não conta com ela, pois o Estado não pode permitir que o povo seja livre, mas engajado nos interesses criados pelo que o Estado considere correto, necessário apenas, o suficiente unicamente, no caso, determinado pelo Grande Irmão ou caudilho populista.

O direito de ser diferente

Estados socialistas mais fecham mídias do que as criam. E, para trabalhar nelas, a liberdade do jornalista simplesmente não existe. Não é possível nem mesmo denunciar cerceamento. Simples fantoches. Resta-lhe apenas escrever loas ao Grande Irmão. Sua função é de propagandista e ufanista apenas. Com o agravante de não existir opção de trabalho se despedido. O patrão é um só. E não apenas poucos. E a liberdade de produzir e criar uma mídia independente simplesmente não existe, pois a produção sem o direcionismo do Estado é proibida. Não há espaço para Observatório da Imprensa ou Centro de Mídia Independente (CMI). Sujeitos ainda a ‘revoluções culturais’, internamento em Gulacs, ou em sanatórios, produzidas em nome da maioria, mas determinado pela minoria burocrática.

Estados opressores foram criados pelo voto. Elegeram Mussolini e Hitler e os mesmos também refizeram suas constituições socialistas referendadas pelo povo. O componente racial foi estímulo para a unificação do movimento. Igualmente tentaram tomar de assalto o poder antes de serem eleitos, e foram vítimas de atentados, como ocorreu com o coronel Hugo Chávez. Este filme já passou, mas muitos hoje em dia não assistiram. Numa demonstração clara de que o povo perde a liberdade facilmente, o Estado islâmico medieval foi implantado por aclamação popular após a deposição do Xá do Irã (ver aqui), Mohammad Reza Pahlavi.

Relembrando Max Horkheimer (1895-1973), da Escola de Frankfurt:

‘Proteger, preservar e, onde for possível, ampliar a liberdade efêmera e limitada do indivíduo face à ameaça crescente a essa liberdade, é uma tarefa muito mais urgente que sua negação abstrata, ou o pôr em perigo essa liberdade com ações que não tem esperança de sucesso.’

O principal objetivo da chamada teoria crítica de Max Horkheimer, da Escola de Frankfurt, era a defesa da autonomia, da liberdade de escolha e da auto-afirmação humana, do direito de ser e permanecer diferente.

******

Médico, Porto Alegre, RS