Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O petróleo que a galinha ainda não botou

O presidente Lula está no seu papel: suja as mãos de petróleo, esfrega o petróleo na jaqueta da ministra Dilma Rousseff, promete usar o petróleo para resolver os problemas de educação, emprego e saúde, brinca de entrar na Opep.

Quem não está no seu papel é a imprensa, que tem aceito esse tipo de factóide e mostrado muito pouco dos problemas que ainda teremos antes de desfrutar da riqueza do petróleo do pré-sal. Primeiro, o custo: é caríssimo extrair o petróleo de tamanha profundidade. O óleo será economicamente viável com o preço do barril nas alturas. Uma queda (e, nas últimas semanas, a queda foi dramática, voltando aos cem dólares por barril) pode fazer com que o investimento não valha a pena. Segundo, dois movimentos simultâneos (e, num deles, o Brasil é peça-chave) atuam no sentido de reduzir a dependência mundial de petróleo – e, portanto, os preços: os biocombustíveis e as novas fontes energéticas.

No Brasil, o consumo de álcool já supera o da gasolina. Nos Estados Unidos, puxados pela dura legislação da Califórnia, os fabricantes já lançam carros com motores a hidrogênio ou mistos, com gasolina e eletricidade. A energia nuclear volta a ser utilizada para gerar eletricidade, substituindo a queima de petróleo. Pode ser que nada disso dê certo, e que o petróleo mantenha o preço lá em cima; mas é arriscado planejar todo o desenvolvimento do país em cima de uma descoberta que eventualmente possa ser pouco utilizável. E, claro, não se pode esquecer que, com o preço do petróleo no alto, cresce a pressão para a busca de combustíveis alternativos.

Cabe aos meios de comunicação, em boa parte, o papel de manter o entusiasmo oficial sob controle. O petróleo do pré-sal pode dar certo, e será ótimo; mas pode ser mais difícil do que parece. A imprensa deve estudar e divulgar as várias alternativas possíveis de futuro.



O crime dos pelados

Um caso que tem tudo para se transformar no novo Escola Base vai-se desenrolando no Rio Grande do Sul, quase à margem do noticiário da imprensa. A história se deu na Colina do Sol, tradicional campo de nudismo gaúcho, cujos proprietários foram acusados de pedofilia por vizinhos. Há fortes indícios de que, em vez de pedofilia, o que se discute são questões imobiliárias, com falsas denúncias à polícia – já que tanto os menores que trabalham no campo, como suas famílias, negam qualquer tipo de assédio sexual. O último acontecimento foi a explosão de uma bomba na casa de uma das acusadas, detida domiciliarmente, no momento em que havia sido levada para depor no fórum.

Vale uma cobertura jornalística: se houver crime de pedofilia, há que puni-lo. Se, entretanto, houver falsas acusações, vale não apenas desmenti-las como também identificar os motivos que movem os acusadores. O que não se pode é esperar que haja uma morte, ou um linchamento, enquanto a imprensa aguarda que as autoridades decidam o que é que se deve publicar.



Imprensa e polícia

E, já que o assunto é a possibilidade de erros judiciários, há dois casos a analisar: o dos três rapazes, acusados de estuprar e matar uma moça, que passaram dois anos na cadeia – até que um assassino maníaco confessou à polícia que o crime era dele; e o da moça acusada de matar a filha de pouco mais de um ano misturando cocaína à mamadeira. A história era falsa: a desconfiança de que houvesse cocaína na mamadeira foi desfeita pelos laudos periciais, mas mesmo assim a moça continuou presa, até ser absolvida quase dois anos depois.

A imprensa pouco poderia fazer nesses casos (embora, na história da mamadeira, tenha se interessado inicialmente pelo assunto, deixando-o de lado em seguida). Mas pode, de agora em diante, cobrar responsabilidades. Poderia tentar descobrir, por exemplo, que tipo de interrogatório levou os rapazes a confessar o crime que não cometeram. Poderia verificar se é aceitável, em termos legais, que o promotor do caso dos rapazes apresente a tese de que ‘confiou na polícia’. Poderia acompanhar os casos, de agora em diante, para ver quem se responsabilizará pela lambança que prejudicou irremediavelmente tantas pessoas e suas famílias.

Vejamos a moça. Quando foi presa, as colegas de cela a receberam muito mal, como assassina da própria filha. Decidiram matá-la. Enfiaram-lhe uma caneta esferográfica na orelha e a empurraram. Alguma presa, mais moderada, conseguiu fazer com que as companheiras de cela desistissem do homicídio. Mas, de qualquer forma, furaram-lhe o ouvido. Ela perdeu totalmente a audição daquele lado.

E os rapazes? A Lei do Cão, que rege o relacionamento nas prisões, determina que em caso de estupro haja um revide, olho por olho, dente por dente.

Mas não é só isso: todos ficaram presos, perderam cerca de dois anos de vida. E a mancha perdura: ‘Será que eles não fizeram mesmo tudo aquilo?’ Isso os prejudicará na busca de emprego, na busca de seu futuro.

Vale para os colegas que, irritados com determinados julgamentos, acham que o direito de defesa é muito amplo. E confiam em delegados e promotores, como se suas conclusões tivessem a chancela divina. Jornalista precisa manter uma distância respeitosa de autoridades em geral; deve receber suas conclusões com visão crítica; não pode deixar de saber que, se hoje a vítima é outra, haverá ocasião em que o jornalista, ele mesmo, poderá ser o alvo da ira autoritária, e precisará de toda a amplitude possível do direito de defesa, e com bons advogados.

Este colunista já ouviu, de profissional de importante veículo de comunicação, que as informações de que dispunha vinham de fontes oficiais, e portanto não havia necessidade de ouvir os acusados. Como no poema de Martin Niemöller, quando o acusado for o próprio jornalista, quem irá ouvi-lo?



O novo milagre

Aconteceu na Rússia. Uma equipe de TV estava numa grande reserva de tigres quando uma tigresa os atacou. Por coincidência, o primeiro-ministro Vladimir Putin estava por ali; por acaso, portava uma carabina com dardos tranquilizantes. Nada a estranhar: quantos de nós não andam com uma carabina de dardos tranquilizantes no banco de trás do carro?

Putin, com sangue-frio e muita pontaria, acertou a tigresa no primeiro tiro, sedando-a, e permitindo que fosse levada para a área cercada. Mas, que pena, a equipe de TV, assustadíssima, esqueceu-se de filmar o ato heróico do líder.



Erramos

Este colunista pisou na bola ao afirmar, na semana passada, que ninguém tinha ido entrevistar o juiz da 4ª Vara Criminal de Goiânia, que recomendou a uma presa em liberdade condicional que freqüentasse entidades religiosas de formação cristã. O repórter Anderson Passos, do portal Consultor Jurídico, ouviu o juiz, ouviu o advogado, mostrou que a recomendação era inconstitucional, já que a Constituição garante liberdade de culto. E tentou ouvir a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) – que, baseando-se na Lei Orgânica da Magistratura, preferiu manter-se em silêncio.



Como…

A imprensa brasileira já foi muito mais preconceituosa do que hoje. O cavalheiro era preso e já passava a ser tratado como ‘elemento’, ‘indivíduo’, ‘assassino’, ‘matador’. Para evitar que o noticiário se antecipasse às decisões judiciais, os meios de comunicação criaram algumas fórmulas – por exemplo, ‘o acusado’. Ou, a mais popular de todas, o ‘suposto criminoso’. ‘Suposto’ ficou tão popular que virou exagero. Num grande jornal, há o seguinte título:

** ‘Policiais do GATE detonam suposta bomba em fórum’

A explosão da suposta bomba mostrou que a bomba não era tão suposta assim: foi fumaça e poeira para todo lado.



…é…

De um acórdão judicial: ‘Os desembargadores deram provimento ao recurso para afastar a extinsão do processo’.



…mesmo?

De um anúncio de multinacional, dando as condições para participar do concurso que promove: o prazo de inscrição vai até 31 de setembro.

Este colunista é do tempo em que setembro só tinha 30 dias.



Precisão

De um importante portal de Internet:

** ’14h38 – Marta baixa tom e diz não estar preocupada com Kassab’

Do mesmo portal, 16 minutos mais tarde:

** ’14h54 – Na TV, Marta adota tom ríspido e acusa Kassab e Serra’



E eu com isso?

Há um outro mundo possível, sim. Em vez de nos preocuparmos com presos sendo torturados, com imprensa, com eleições, podemos nos ocupar com coisas mais amenas. Por exemplo:

** ‘Camila Rodrigues é vista curtindo a solteirice’

** ‘Vestido de modelo Elle McPherson deixa perna enrugada à mostra’

** ‘Charlize Theron almoça com a mãe em Veneza’

** ‘Halle Berry é flagrada usando anel de brilhantes’

Flagrada? Desde quando usar anel de brilhantes é ilegal?

Mas acompanhar o noticiário das celebridades não é apenas se preocupar com frivolidades. Há coisas sérias acontecendo, coisas que às vezes a gente nem entende:

** ‘Ana Carolina beija cantor na noite carioca’

** ‘Modelo suíssa curte praia de Ipanema’

Dizem que jornalista morre cedo. Nem sempre: alguém é do tempo em que suíça se escrevia com ‘ss’.



O grande título

Nada se compara ao magnífico material sobre a vacinação contra a gripe.

** ‘Vacinar idosos contra a gripe pode não prevenir morte, aponta estudo’

Verdade nua e crua: pode-se vacinar uma pessoa à vontade que, mais cedo ou mais tarde, acaba morrendo.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados