Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O planeta dos gorilas

Há trinta anos o general Ernesto Geisel, ditador militar e presidente da República, disse numa entrevista a jornalistas franceses que no Brasil havia uma ‘democracia relativa’. Fazia um mês que tinha fechado o Congresso.

De lá para cá, tivemos cinco presidentes da República, uma Constituinte, um plebiscito, seis ou sete moedas, um impeachment, e já tem gente pensando em retornar à democracia relativa – que significa exatamente a mesma coisa que ditadura relativa. Há, parece, quem queira voltar aos velhos tempos dos gorilas e dos censores nas redações, mesmo que os censores sejam agora barbudinhos.

Explica-se: como eram de oposição na época da ditadura, não tinham como exercer os poderes absolutos exclusivos dos generais. Quando chegou a sua vez, que injustiça! – já não havia poderes absolutos. Por que não restaurá-los, embora proclamando, da boca para fora, a importância da liberdade de imprensa?

O presidente da Câmara do Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), quer fazer com que 513 parlamentares movam 513 processos contra o colunista Arnaldo Jabor, para obrigá-lo a correr todo o país para fazer sua defesa. Há gente de bom caráter no Congresso, gente que pensa até que Jabor deve ser processado, mas sem truques sujos, para que a Justiça decida quem tem razão.

O deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) sustenta que a liberdade de imprensa ‘só tem sentido se ajudar na capilarização da cidadania’, seja lá o que isso queira dizer. O deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) defendeu sua posição com toda a clareza, embora sempre, como os demais, proclamando-se defensor da liberdade de imprensa. Em sua opinião, a liberdade de imprensa ‘deve ter limites’. E, pior ainda, acha que esses limites não devem ser definidos em lei. Quem decide quais são os limites? Como fica o princípio jurídico de que não há crime sem lei anterior que o defina? O professor de Direito José Eduardo Cardozo certamente saberá explicar.

Todas essas opiniões foram expressas, curiosamente, na II Conferência Legislativa sobre Liberdade de Imprensa, realizada na terça-feira (8/5). Só um participante, com absoluta sinceridade, disse ser contra a liberdade de imprensa: foi Nélson Marquezelli (PTB-SP). ‘A liberdade de imprensa destrói’.

Quem diria que tantos esquerdistas de carteirinha, do PT e do PSOL, seguiriam disfarçadamente a liderança de Marquezelli?



A quem serve

Importante: a liberdade de imprensa não existe para que os jornalistas, ou as empresas jornalísticas, se beneficiem. Quem a desfruta é o consumidor de informação. Por exemplo, os gorilas da ditadura proibiram a notícia de que havia uma epidemia de meningite em São Paulo. Quem foi prejudicado: o jornalista, o jornal ou a população que não pôde tomar precauções para evitar a doença?



Ninguém se corrompe

Lorde Acton disse que o poder corrompe. Talvez esteja errado: quando chegam ao poder, as pessoas não se corrompem, apenas mostram o que até então tinham escondido dos outros – como, por exemplo, o medo da imprensa livre.



Atenção!

O competente repórter Cláudio Tognolli anuncia que, nesta semana, divulga a íntegra da Operação Gutenberg – aquela, de que tanto já se falou, sobre publicações acusadas de vender reportagens, ou receber para omiti-las. Tognolli mostra o paradoxo da investigação – os patrões são acusados e a Polícia Federal atira nos repórteres – e promete: ‘Será um jornalismo ativo, e não reativo (vulgo atirar em mortos). Como é bom poder reportar contra quem promete reagir, não?’

Tognolli, na frase final, se refere ao feio episódio narrado na próxima nota.



Que feio!

O provérbio latino recomenda que, dos mortos, só se diga o que é bom. O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e a Fenaj não respeitaram o provérbio, nem o bom-tom, nem as trágicas circunstâncias do assassínio do jornalista Luiz César Barbom Filho – aquele que denunciou os vereadores de Porto Ferreira que exploravam a prostituição infantil.

Na nota sobre o assassínio de Barbom, Sindicato e Fenaj atacaram a vítima, negando sua qualidade de jornalista – como se isso fosse mais importante do que o crime. Aspas: ‘Luiz Carlos Barbom Filho, apesar de se auto-intitular jornalista, não o era de fato e de direito. O jornal Realidade, de sua propriedade, foi fechado pois nunca esteve regularizado e Barbom Filho não possuía o registro de jornalista, tendo sido, inclusive, processado por exercício ilegal da profissão.’

Mas Sindicato e Fenaj, apesar disso, condenam o homicídio. Melhor assim: admitem que, mesmo não tendo o sacrossanto diploma, Barbom não deveria ter sido assassinado.



Murilinho

Este colunista foi muitas vezes amigo de Murilo Felisberto e muitas vezes brigou com ele. Murilo, que morreu na semana passada, foi um dos mais brilhantes jornalistas do país. Bom redator, esplêndido diagramador, mestre do desenho gráfico de jornais e revistas, liderou excelentes equipes no Jornal da Tarde e no Jornal do Brasil. Sob seu comando, ousar era permitido e estimulado.

Murilo se desviou por um bom tempo do jornalismo, mergulhando na publicidade por quatorze, quinze anos. Fez sucesso: segundo Roberto Duailibi, da DPZ, formou quatro gerações de publicitários. Mas foi uma pena: para o jornalismo brasileiro, esse tempo que ele passou na publicidade fez muita falta.



Enfim

Seis meses depois de prometer que a imprensa se cansaria de tantas entrevistas que iria dar, o presidente Lula finalmente se dignou a conceder uma coletiva. Mas não fugiu ao modelo engessado: poucos repórteres, sem possibilidade de replicar à resposta. É curioso este medo de entrevistas coletivas que o presidente demonstra: ele tem bom relacionamento com os repórteres, facilidade para responder, jogo de cintura para enfrentar contestações. Poderia seguir o exemplo americano e falar uma vez por mês, esclarecendo todas as dúvidas que a população pudesse ter. Preferiu, entretanto, manter-se longe de perguntas: em quase cinco anos de mandato, esta é apenas a segunda entrevista de que participou.



Toga e armas

Estranho, muito estranho: o ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, diz que foi guerrilheiro durante a ditadura, com o codinome Rogério (nome do herói do livro erótico que acaba de lançar). Diz também que pertencia ao Partido Comunista Brasileiro, pelo qual tem simpatias até hoje.

A imprensa, ao publicar as declarações do ministro, esqueceu que o PCB não pegou em armas contra a ditadura. Ao contrário, se opôs duramente à luta armada, e afastou de seus quadros todos os que desobedeceram a essa determinação. O partido perdeu gente importante, com história e tradição, como Carlos Marighela, Apolônio de Carvalho, Joaquim Câmara Ferreira. O PCB lutou politicamente contra a ditadura, participando das articulações que acabaram levando à campanha das diretas-já. Portanto, ou o ministro pegou em armas ou foi do PCB. Tudo junto não era possível.



MR-8 vs. Mainardi

Nessa troca de insultos entre o colunista Diogo Mainardi e o hoje ministro Franklin Martins, que culminou com uma clara ameaça a Mainardi feita pelo jornal Hora do Povo, do MR-8, há um ponto que vem sendo esquecido pelos meios de comunicação: qual a origem dos recursos do Oito. O Hora do Povo é jornal de poucos anúncios, e, como todo veículo impresso, seu custo é muito alto.

Não, não: o dinheiro não vem de Orestes Quércia. Quércia não dá dinheiro a ninguém. Falou-se, em certa época, de comissões pagas por Saddam Hussein pela venda de petróleo, dinheiro desviado do programa da ONU ‘Petróleo por Comida’. A notícia foi divulgada por um organismo insuspeito, a Transparência Internacional. Mas a imprensa brasileira não foi atrás do assunto.



Como é mesmo?

1. No rádio, sobre a chegada do papa: ‘Os funcionários da Prefeitura estão finalizando a conclusão das obras’.

É, sem dúvida, um problema: seria preciso terminar de finalizar, não é mesmo?

2. ‘Polícia portuguesa procura menina inglesa de três anos desaparecida há cinco’



E eu com isso?

Há bandidos assassinando jornalistas, o papa exigiu mais disciplina dos fiéis brasileiros, o presidente Lula disse ao papa que o Brasil continuará mantendo a religião separada do Estado, tudo isso ocupa o espaço de nossa imprensa. Mas, ainda bem, resta espaço para aquelas sem notícias sem as quais não poderíamos viver:

** ‘Paris Hilton aparece com fumando em festival nos EUA’

** ‘De microshorts, Luma de Oliveira passeia com o namorado’

** ‘Jessica Biel quer papéis de respeito no cinema’

** ‘Para manter a forma Maria Fernanda Cândido toma chá branco’



O grande título

Nesta semana não há dúvidas:

** ‘Escola é fechada por suspeita de mascarados nos EUA’

******

Jornalista, diretor da Brickmann&Associados