Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O vórtice dos escândalos

Mais uma vez, o presidente do PT, Rui Falcão, avalia que setores da mídia atacam seu partido. Agora, esses indefinidos setores e o Ministério Público “movem processo de criminalização contra o PT” (O Globo, 12/12). Trata-se de denúncias feitas por Marcos Valério Fernandes de Souza que envolvem o ex-presidente Lula na utilização de dinheiros obtidos ilicitamente.

Não é propriamente novidade. Como os jornais noticiam hoje, uma CPI já havia constatado em 2005 pagamento de R$ 98 mil feito numa conta de Freud Godoy, indesmentido factótum de Lula. Godoy disse que a soma correspondia a despesas de campanha.

A rigor, nada do que surge agora é novo. Por isso, Falcão usa a expressão “mentiras envelhecidas”.

Reação defensiva

Como recordar é revirar (é viver, é reviver, é sentir vergonha ou orgulho etc.), não custa lembrar que o então presidente Lula se mostrou chocado e se disse traído quando Roberto Jefferson botou a boca no trombone para salvar a pele.

O período entre setembro de 2001 e maio de 2005 merece uma análise documentada e atenta. Foi tenso. Começou com o assassinato de Toninho do PT e, pouco depois, de Celso Daniel. Campanha eleitoral, vitória de Lula, êxtase, mas economia em situação difícil, que se prolongou em 2003. Em 2004, Carlinhos Cachoeira liberou um vídeo em que Waldomiro Diniz, assessor do então ministro da Casa Civil, José Dirceu, pedia propina. No mesmo ano, o PT sofreu um racha não desprezível, que deu origem ao PSOL. Seria o caso de se recuperar a cronologia de 2005 até a entrevista de Roberto Jefferson à Folha de S.Paulo, o que não se fará aqui.

A primeira reação do PT à denúncia do mensalão, sem exceção (levando-se em conta os que disseram alguma coisa; outros preferiram ficar à margem do assunto), foi defender os inculpados. José Genoíno, então presidente do partido, defendeu Delúbio Soares. Disse que as denúncias eram "infundadas, inverídicas e estapafúrdias".

Genoíno deixou a presidência do PT quando um assessor de seu irmão, o deputado estadual José Nobre Guimarães (PT-SP), foi preso no aeroporto de Congonhas com os famosos dólares na cueca.

O passo seguinte dos dirigentes petistas foi usar o argumento de que “não há provas”, um clássico no comportamento de gente culpada que calcula passar incólume por algum julgamento. Por sinal, viria a ser o fracassado esteio dos advogados dos réus do mensalão.

Agora, Lula, Dilma e outros próceres petistas dizem que Marcos Valério mente, “está desesperado” etc. Tem um problema nessa argumentação: o presidente do STF, Joaquim Barbosa, sem se pronunciar acerca da credibilidade das denúncias, considera que elas devem ser investigadas.

Lula até aqui foi poupado

A grande novidade recente é o Rosegate. O processo das denúncias de corrupção, desde que o PT chegou ao poder, pode ser metaforizado como uma espiral que foi virada de cabeça para baixo e se tornou um vórtice. Diz a Wikipedia que num vórtice há “movimentos espirais em torno de um centro de rotação”. Por singularidades do processo, que um dia poderão ser dissecadas, o processo, cuja vocação seria atingir mais e mais gente do PT, parece se aproximar cada vez mais do centro. E no centro do centro está Lula, cuja força política foi comprovada em 2010 (Dilma) e no mês passado (Haddad).

Muitas vezes, nos últimos anos, os jornais publicaram declarações e análises segundo as quais Dirceu e Delúbio “seguraram a onda” para “blindar” Lula. E qualquer pessoa que tenha mais de 10 anos de idade é capaz de entender por que o presidente Lula foi poupado de uma tentativa de impeachment em 2005 e de indiciamento no julgamento do mensalão — ou, tecnicamente, Ação Penal 470.

No primeiro caso, teria sido um golpe terrível para a democracia no país: treze anos depois de um impeachment à direita, outro à esquerda? Deve-se dizer também que o PSDB não tinha interesse nenhum em revelações que forçosamente seriam feitas: o PSDB herdou do PMDB um modo de governar que vem da Primeira República e não foi abalado nem pelo Estado Novo, nem pela ditadura militar. O que ninguém poderia prever é que o PT seria o sucessor nesse visceral modus operandi brasileiro.

E nunca se deve esquecer que Marcos Valério é uma criatura de campanha eleitoral tucana, sob o suposto agenciamento do depois ministro de Lula Walfrido dos Mares Guia. A ponte para o PT foi o então deputado federal por Minas Gerais Virgílio Guimarães. Mas quem deu status a Valério foi Eduardo Azeredo, derrotado por Itamar Franco na eleição para o governo de Minas, em 1998.

Há em tudo isso uma ironia da História. Os governos de Lula e Dilma são considerados bons por maiorias retumbantes, tanto na base como no vértice da pirâmide social. Sejam quais tenham sido os métodos adotados, a intenção foi fazer o país avançar.

Depois de Valério, Cachoeira?

No julgamento do mensalão, as autoridades encarregadas das decisões essenciais não indiciaram Lula. Pode-se supor que quiseram preservar o processo de uma politização dramática que tenderia a torná-lo inviável.

Agora que já foram proferidas sentenças, talvez se mostre exequível iniciar uma investigação que ponha o ex-presidente explicitamente no centro do vórtice acusatório. Há entretanto um sério problema político: como a presidente Dilma não tem base política própria, seu governo ficaria aleijado, o que não é bom para ninguém, ainda que muitos reparos possam e devam ser feitos à condução das políticas públicas pelo Planalto.

O que não se pode prever, neste momento, é o comportamento de Carlinhos Cachoeira. O homem, que se julgava acima dos poderes republicanos, está engolindo uma punição amarga, amaríssima. Se regurgitar…