Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os amigos são do bem

Não importa muito o que se faz. Os meios de comunicação parecem mais preocupados com quem faz. Quando é amigo, o fato é registrado, faz-se aquela matéria declaratória (fulano acusa, sicrano nega, etc. e tal), e o assunto desaparece. Por exemplo, por que caiu aquele trecho do metrô que estava sendo construído em São Paulo, destruindo casas, matando gente, custando caro? Como se passou um bom tempo, é muito provável que as causas do problema já tenham sido identificadas, mas o consumidor de informações continua sem saber de nada. Os tucanos paulistas – Montoro, Covas, Alckmin, Serra – sempre tiveram bom relacionamento com os meios de comunicação. O caso se evapora.

O prefeito paulistano Gilberto Kassab não é tucano: embora seja aliado de tucanos, veio de partidos menos bem vistos e hoje é do PSD, cuja criação foi desaprovada pela imprensa. Caiu um pedaço de uma ponte – falha imperdoável, sem dúvida, tão grave quanto a queda de um pedaço do Metrô. Por sorte, a ponte caiu num horário de movimento zero, ninguém morreu, ninguém se feriu. Mas mesmo assim o acidente da ponte mereceu muito mais destaque do que o acidente no Metrô – que, a propósito, não foi o único.

Houve ministros do governo petista afastados por, digamos, “malfeitos”? Houve: a imprensa revelou casos escabrosos, os ministros caíram. Houve secretários do governo tucano paulista envolvidos em, digamos, “malfeitos”? Houve denúncias, que a imprensa não levou adiante, e ninguém caiu por causa disso. Houve concorrências cujo resultado foi conhecido alguns meses antes da abertura dos envelopes, mas tudo bem. Um secretário de estado, que quer ser candidato a prefeito de São Paulo, disse que recebeu uma proposta de propina, não contou o nome de quem fez a proposta, depois disse que não tinha recebido a proposta, mas falou apenas em tese – e, a propósito, falou errado, porque disse que tomaria uma atitude que, por lei, seria considerada criminosa. Mas fez-se o silêncio.

 

Lá e cá

Imagine se Aloízio Mercadante, famoso por revogar a irrevogabilidade, tivesse dito a mesma coisa: passaria meses apanhando dos meios de comunicação. Como a atitude foi de um grão-tucano, de sobrenome tucano, tudo bem: a imprensa se limitou a passar-lhe a mão na cabeça e a censurá-lo levemente.

A boa-vontade com relação aos tucanos acontece em São Paulo. No Rio Grande do Sul, os petistas é que ganham afagos dos meios de comunicação. O governador petista dá a si mesmo uma medalha, num inacreditável ato de culto à própria personalidade, e fica tudo por isso mesmo. Em Pernambuco, o socialista Eduardo “Dudu Beleza” Campos fez tudo o que julgou necessário para emplacar a mãe no Tribunal de Contas da União, e a imprensa achou isso normalíssimo. O governador cearense Ciro Gomes levou até a sogra para um passeio no exterior e não aconteceu nada; já o ministro Carlos Lupi, menos requintado, talvez menos capaz de usar corretamente os talheres num jantar à francesa, quase caiu por aceitar carona num jatinho, sem a família, para uma cidade no interior do Brasil.

 

Tão longe, tão perto

Certa vez, falando sobre o relacionamento dos repórteres com o cacique baiano Antônio Carlos Magalhães, Gilberto Dimenstein forjou uma frase definitiva: não se deve ficar tão perto que ele consiga controlá-lo, nem tão longe que se deixe de colher informações.

Os meios de comunicação optaram por ficar perto demais das fontes. O calorzinho é gostoso, mas dá muito sono.

 

O som do silêncio

A multinacional de origem americana Chevron opera o poço que vazou no mar, no campo de Frade. Para trabalhar em mares brasileiros, contratou uma sonda que de tão velha estava desativada. Disse que havia 17 navios trabalhando na luta para conter o vazamento e evitar que a mancha de óleo se espalhasse, mas a Polícia Federal só encontrou um – e navio não é, ainda mais nesses tempos de satélite, um pequeno objeto que se possa ignorar.

Chama a atenção o ensurdecedor silêncio de organizações como a UNE, o PCdoB, o PDT, sempre prontos a denunciar o “imperialismo ianque” (e, no caso pedetista, “as perdas internacionais”), de artistas, ativistas, intelectuais e movimentos sociais. Será que isso teria algo a ver com a presença do PCdoB na Agência Nacional do Petróleo, do PDT no Ministério do Trabalho, de Ana de Hollanda no Ministério da Cultura, de trinta milhõezinhos oficiais no caixa da UNE?

Certamente não. Quem luta em nome da ideologia não se deixaria amarrar por nomeações, posições e benesses.

 

Cangaço na cidade

Joice Hasselmann é uma jornalista extremamente competente: faz boas entrevistas, comanda a Bandnews FM de Curitiba e a levou ao primeiro lugar, virou xodó dos paranaenses. Não de todos: alguns de seus entrevistados gostariam de vê-la fora do rádio. Joice acredita na máxima de que notícia é aquilo que as autoridades não gostam de ver publicado; o resto é publicidade.

Depois de uma entrevista com o líder tucano na Assembleia Legislativa, Valdir Rossoni, Joice passou a ser assediada com propostas de suborno. Não teve dúvidas: no ar, contou que estavam tentando comprá-la e avisou que, se houvesse outra tentativa, daria em seu programa os nomes dos subornadores e detalhes das tentativas.

O assédio se transformou em pressão: a Assembleia decidiu investigar as licenças ambientais de uma usina de Joel Malucelli, por coincidência o dono local da Bandnews. O empresário piscou: Joice foi colocada em “férias não-planejadas” (um dos melhores eufemismos que este colunista já viu para censura), com promessa de voltar. Mas deixa de ser a comandante do jornalismo: passa a responder a um chefe, cujo cargo acaba de ser criado. Só isso? Não: ladrões esquisitíssimos entraram em sua casa, mexeram em tudo, não roubaram nada. Digamos que foi apenas um aviso.

Ainda vamos ouvir falar muito desta jornalista. Joice Hasselmann, não demora, estará se apresentando para todo o país, não apenas para uma capital. Os políticos que se cuidem: ágil, bem-humorada, com ótima memória, é melhor que não mintam para ela.

 

Esperança frustrada

Nas demissões coletivas, como a que acaba de ocorrer na Folha de S.Paulo, há um aspecto que os meios de comunicação deixaram de cobrir: os dramas humanos. Fica-se no debate sobre o futuro do papel, credibilidade, tudo temperado por guerras comerciais e ideológicas (a Folha é um dos alvos preferenciais do jornalismo chapa-branca), mas não se discute gente – e não tenhamos dúvidas: tecnologia ajuda, mas quem faz jornal é gente, quem lê jornal é gente. E o interesse de todos é por gente.

No caso, está envolvido um repórter de renome, Mário Chimanovitch, com passagem pelos principais meios de comunicação do país, com matérias memoráveis, que o levaram a receber o Prêmio Esso. Foi correspondente de guerra, correspondente internacional, com reportagens que repercutiram não só no Brasil como no exterior. Pois bem: recuperado de problemas sérios de saúde, Mário Chimanovitch voltou ao trabalho como repórter-checador da Folha. Seu retorno foi saudado por portais de jornalismo – e durou pouquíssimo: em um mês, entrou na lista dos cortes de 10% da Redação. Nada contra seu trabalho: apenas o cargo foi cortado. Chimano (mchimanovitch@gmail.com), 67 anos, está de volta ao mercado.

 

Abrindo o jogo

Parece incrível, mas um país que voltou há tão pouco tempo à democracia, cicatrizando com rara habilidade as feridas do passado, com amplo apoio internacional, está querendo retornar aos tempos da sombra. A África do Sul acaba de aprovar penas de prisão (de até 25 anos) a jornalistas que divulguem informações que o Estado considerar sigilosas. O nome da censura, lá, é “Lei de Proteção da Informação”; e seu objetivo é, segundo o deputado Molopo Mothapo, do partido governista Congresso Nacional Africano (CNA), “garantir a segurança nacional”.

E quem ameaça a segurança nacional sul-africana? Isso o pessoal favorável à censura não conta. Molopo Mothapo diz também que a censura sul-africana “está totalmente de acordo com a prática internacional”. De certa forma, tem razão: China, Arábia Saudita, Cuba, Irã, Sudão, Coréia do Norte e outras nações usam esta maneira, entre outras, de “garantir a segurança nacional”. E até no Brasil há gente que gostaria muito de, sob a mesma bandeira, evitar que jornalistas descubram e divulguem coisas que os governos não querem ver descobertas e divulgadas.

 

Definição impecável

De Richard Lamm, ex-governador do estado do Colorado, EUA, membro do Partido Democrático, explicando a crise econômica internacional:

“O Natal é a época em que as crianças pedem a Papai Noel aquilo que querem e os adultos pagam por isso. Déficits acontecem quando adultos pedem ao governo aquilo que querem e seus filhos pagam por isso”.

 

Maurício, sempre bom

Atenção para a revista da Mônica sobre drogas (“Uma história que precisa ter fim”): é mais um golaço de Maurício de Souza, que já fez histórias em quadrinhos contra o racismo reconhecidas como exemplares pela ONU. É ótima! Maurício, quando a causa é boa, trabalha de graça e coloca alma e cérebro no projeto. O endereço é http://www.monica.com.br/institut/drogas/. Já está disponível também a versão em inglês.

Detalhe: Maurício de Souza não se restringe, na revista, às drogas ilegais. Menciona também as drogas legais, como cigarros e álcool, e aponta os problemas que trazem.

 

Questão de detalhe

Por falar nisso, o país fica discutindo se deve ou não permitir bebidas alcoólicas nos estádios durante a Copa (ou até mesmo depois dela). Somos obrigados a ouvir argumentos estúpidos, como o de que é perigoso transportar bebidas dentro do estádio porque alguém pode jogá-la na torcida adversária e provocar brigas (como se não pudesse fazer o mesmo com água, ou com bagaço de laranja, ou com urina, como tantas vezes já aconteceu).

O problema é que não adianta discutir isso e permitir propaganda ilimitada de bebidas alcoólicas na TV, em qualquer horário. Se a bebida é nociva nos estádios, deve ser disciplinada também em outros lugares. Por que permitir que seja anunciada à vontade, para adultos e crianças, como se fosse preciso tomar cerveja para conquistas amorosas?

 

Os bons livros (semana boa!)

1. Há muitos, muitos anos, o adolescente Carlos Brickmann leu uma crônica assinada por Ivan Ângelo na esplêndida revista mineira Alterosa. Lembra-se dela até hoje – e já faz tempo, é da época em que Ricardo Kotscho tinha cabelo e Álvaro Dias não tinha. Mais tarde, teve a oportunidade de trabalhar com Ivan Ângelo e concluir que aquele grande escritor era também um grande jornalista e uma ótima pessoa. Deixar de ler um livro de Ivan Ângelo é uma perda. Certos Homens será lançado na terça, dia 29, na livraria da Vila, Rua Fradique Coutinho, 915, SP, a partir das 7 da noite.

2. Também na terça, a partir das 20h, na Casa de Cultura Judaica, Rua Oscar Freire, 2.500, A Cozinha Judaica de Maria, de Viviane Lessa e Leo Steinbruch. Uma cozinha fascinante, com sabores que vão do Oriente Médio à Europa Oriental, e com receitas que podem ser executadas por não-iniciados. Vale o livro (e, se alguém convidar o colunista para provar os pratos, terá sua solidariedade). Detalhe: haverá uma degustação durante o lançamento. O problema é que, numa degustação, dá para sentir o sabor, mas a fome continua.

3. Neste momento em que a liberdade de imprensa volta a ser atacada (veja notas anteriores, sobre a jornalista paranaense Joice Hasselmann e a censura que virou lei na África do Sul), uma obra essencial: Liberdade de Imprensa, de Libero Badaró – o jornalista que foi morto por sua defesa da democracia (e cujas últimas palavras foram “morre um liberal mas não morre a liberdade”), apresentado pelo advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira, um especialista no tema, um marco na luta contra os censores. Dia 5, segunda-feira que vem, no Carline Café – Praça Pereira Coutinho, 182, Vila Nova Conceição, SP, a partir das 18h,

4. Um trabalho fascinante: Cruz de Sangue reúne 26 histórias de policiais cujo trabalho é colocar sua vida em risco para defender a vida da população. O autor, Alexandre Oliver, foi PM por quase 20 anos (hoje é executivo de um grande grupo e comanda mais de cinco mil pessoas). Lançamento no dia 2, sexta-feira, na Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Av. Marquês de São Vicente, 531 – 3º andar, SP, a partir das 19h30.

5. Faz tempo, muito tempo – mas foi um evento que não dá para esquecer. O navio português Santa Maria foi sequestrado por um grupo que combatia o ditador Oliveira Salazar e defendia a democracia. Foi uma novidade internacional: sequestro de embarcações, com fins políticos, até então não existia. Os revolucionários trouxeram o Santa Maria para o Recife, onde atracaram. O presidente Juscelino Kubitschek, democrata mas amigo de Salazar, negociou a entrada dos sequestradores no Brasil, onde viveriam sem problemas, e a devolução do Santa Maria a Portugal. Ludenbergue Góes, jornalista de elite, um dos astros de O Estado de S.Paulo, jornal que apoiava fortemente a luta contra Salazar, acompanhou os fatos de perto e agora os conta, com a vantagem da perspectiva histórica. Nesta quarta, 30, às 18h30, na Livraria da Vila, rua Fradique Coutinho, 915, SP.

 

Como…

De um grande jornal, informando que um grupo de nudistas fará uma longa viagem de motor-home a locais latino-americanos onde se pratica o naturismo:

** “Naturistas fazem viagem sob rodas na América Latina”

O mundo progride. Antigamente, as pessoas viajavam sobre rodas.

 

…é…

Também de um grande jornal, descrevendo o vazamento do campo do Frade:

** “A tubulação de 3.329 metros desce 1.211 metros até o fundo do mar e atinge o ponto de máxima pressão a 2.279 metros abaixo do nível do mar”.

Como é que a tubulação inteira tem 3.329 metros se a soma de seus trechos alcança 3.490 metros?

 

…mesmo?

Também de um grande jornal, de circulação em todo o país (nesta semana, nem foi preciso recorrer à internet!)

** “Apagão da TV (…) quase zera Ibope da emissora”

“Quase zera”? Haveria gente assistindo a um canal sem imagem nem som?

 

Mundo, mundo

Há certas coisas que só acontecem em determinados lugares do mundo. Gente chamar a polícia porque o casal vizinho faz sexo barulhento só acontece na Inglaterra. Maluco que deixa o motor-home no piloto automático e vai para a cozinha fazer café, porque isso aparece na TV, só mesmo nos Estados Unidos (e depois ainda processa a empresa por propaganda enganosa e ganha dinheiro).

Mas o mundo tem de curvar-se ante o Brasil. Está no jornal:

** “Do DF: relator do Código Florestal defende lei para ser cumprida”

Onde mais haveria leis que dá para descumprir e outras que têm de ser cumpridas?

 

E eu com isso?

É a ponte que caiu, o petróleo que vazou, os responsáveis pelo vazamento que mentem por todos os dentes, é ministro dançando miudinho para provar que talvez tenha roubado, mas merece perdão porque ama a sua chefe – não, não é um país sério, como não disse De Gaulle mas levou a fama de ter dito. Vamos ao que efetivamente importa, a aquilo que tanta gente gosta de discutir:

** “Carol Abranches nega flagra combinado e explica: ‘Entrou areia no biquíni e eu estava tirando’”

** “Flagra! Sozinha, Kate Middleton faz compras em supermercado”

Este fantástico flagrante saiu num portal de internet. Agora, em outro portal, também surpreendido com a habilidade da esposa do príncipe William:

** “Gente como a gente, Kate Middleton faz compras em supermercado na Inglaterra”

** “Priscila Pires posta foto de almocinho light com grelhado e legumes”

** “Famosas elegem o Rio e Floripa para retocar o bronzeado”

** “Lady Gaga cozinha em programa nos Estados Unidos”

** “Autora de ‘Harry Potter’ se sentia refém da imprensa”

** “Vereador que usou cueca em gabinete anuncia fim da carreira política”

Uma dúvida: é proibido usar cueca no gabinete dos vereadores?

** “Daniel Boaventura brinca com a filha durante pré-estreia”

** “Milton Neves e Faciolli se divertem em rodeio”

** “tomara-que-caia ousado, atriz chama atenção em première”

E, certamente, em derrière.

 

O grande título

De um grande portal noticioso da Internet:

** “Chevron diz que mancha de óleo no litoral do RJ ‘desapareceu’”

Quem já tentou tirar graxa da roupa sabe que as coisas não são tão simples assim. O que desaparece não é mancha de óleo: é verba!

Há um título que precisa de explicação:

** “Cientistas brasileiros descobrem fóssil de bicho-preguiça de 10 mil anos”

Pelo nome do bicho, pela idade, devem tê-lo achado no Senado.

E o grande título:

** “Rainha da Vila Isabel, Sabrina Sato diz que vai dançar o kuduro na Sapucaí”

Esperemos!

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]