Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Saudação politicamente incorreta

Nunca chame um deputado ou senador de ‘meu caro parlamentar’. Como dizem os antigos, a verdade dói. E, em certos casos, pode até ofender.

E também, por favor, não pergunte onde esteve a imprensa durante todo esse tempo, que não nos contou que a tendência dos nobres parlamentares (tendência suicida, em termos de normalidade democrática) era esbofetear seus eleitores, aproveitando que a eleição já passou e que o clima de festas de fim de ano é mais propício à lassidão, à contemporização, ao deixa-estar-para-ver-como-é-que-fica.

Porque houve planejamento: a data foi escolhida a dedo, depois da eleição, já no fim do ano legislativo, mas não tão perto do fim que faltasse gente para votar, se fosse necessário. E se fez a votação simbólica, aquela votação covarde de que só participam os líderes e na qual os nobres parlamentares não precisam se expor.

A história de que Suas Excelências desejavam aumentar os próprios salários ao nível dos pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal circula faz tempo. Mas os meios de comunicação nunca a tomaram muito a sério: afinal de contas, os ministros do Supremo são onze, os nobres parlamentares são 594, e já recebiam, além de 15 salários por ano, mais uma imensa manada de vacas leiteiras onde buscar um capilezinho a mais – do auxílio-paletó, para que possam vestir-se condignamente, à altura da importância que se dão, até auxílio-moradia e passagens aéreas para suas bases eleitorais, mesmo que residam e sejam domiciliados desde criancinhas no Distrito Federal. O problema é que a imprensa esqueceu os antecedentes deste pessoal, que foi capaz de pegar passagens aéreas de serviço e utilizá-las em viagem de lazer, com namoradas, esposas e acompanhantes.

Faltou reportagem, enfim. Faltou vigilância da imprensa, ainda mais sabendo-se que se trata de gente que precisa ser vigiada.

Bastou que a imprensa se interessasse pelo caso que a volta dos bingos foi derrotada (embora vá voltar já no início do ano, assim que o Legislativo retomar os trabalhos). Repórter no Congresso, pois; mais repórteres, para que a imprensa não tome dribles humilhantes dos Garrinchas da auto-ajuda.

 

Notícias e análises

Quando este colunista começou a trabalhar em jornal, na época em que Esperidião Amin ostentava enorme cabeleira e usava barba de dar inveja em petista, informação era artigo caro e raro. As comunicações eram difíceis, precárias, brutalmente caras; os filmes para o melhor telejornal do país, o Repórter Esso, ‘o primeiro a dar as últimas’, vinham do Exterior de avião, e na melhor das hipóteses a imagem de um dia era exibida no outro.

Hoje a informação é abundante e barata, as comunicações são boas, embora custem mais no Brasil do que seria aceitável. A Internet dá os informes em primeira mão, embora com checagem precária; rádio e TV já dão notícias bem elaboradas. E os jornais, que saem no dia seguinte, ou hierarquizam as informações, mostram os vínculos entre os fatos, analisam a realidade, aprofundam-se na busca dos bastidores, ou se tornam desnecessários.

Simplesmente noticiar que a campanha publicitária da despedida do presidente Lula custa R$ 20 milhões de dinheiro público é insuficiente. Serão as verbas publicitárias oficiais destinadas a promover o governante de plantão, mesmo que seja o governante que sai, e não apenas, exclusivamente, somente, informações de interesse público? Que informação referente ao interesse público há na propaganda dos feitos do presidente Lula durante seu nunca assaz louvado governo?

Propaganda dos bons tempos que se vão? OK; mas que seja paga pelos partidos que apóiam o presidente, por empresários amigos, por doações populares.

Caberia aos meios de comunicação buscar, nas leis e na Constituição, aquilo que é permitido divulgar com dinheiro público. O artigo 37 da Constituição diz que a publicidade dos atos, programas, obras e serviços e campanha dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social (…)

Aliás, considerando-se que a Constituição é federal e vale para todo o país, a propaganda aberta dos governos estaduais está também totalmente fora da lei. Na época eleitoral, foi pior: anúncios de empresas estatais que atuam apenas em São Paulo eram divulgados em rede nacional de TV – e, certamente por coincidência, o governador de São Paulo era candidato à Presidência da República. A imprensa, na época, limitou-se ao declaracionismo: os adeptos de uma candidatura condenavam a propaganda da outra, os adeptos da outra candidatura diziam que estava tudo dentro da lei, que os adversários é que abusavam, etc. E, em certos casos, não havia opinião a discutir: havia fatos, que caberia à imprensa noticiar e repercutir. Mas é difícil, claro, lutar contra a propaganda. Afinal de contas, os veículos de comunicação também têm contas a pagar, não é mesmo?

 

O grande Vanzolini

Uma belíssima canção de Paulo Vanzolini é ‘Praça Clóvis’, a respeito de um cavalheiro cuja carteira é batida na praça Clóvis Bevilacqua, centro de São Paulo. Na carteira havia 25 cruzeiros e o retrato de um amor do passado, de cuja lembrança não conseguia livrar-se. Dizem os versos:

‘Na praça Clóvis/ Minha carteira foi batida/ Tinha 25 cruzeiros e o teu retrato/ Vinte e cinco eu francamente achei barato/ pra me livrar deste atraso de vida.’

Os poetas, mais do que os jornalistas, sabem dizer a verdade com jeito.

 

Anúncios e propaganda

Cerveja preta nunca foi produto de grande consumo no Brasil: há algumas marcas sempre lembradas (Malzbier, Caracu, Niger), alguns botecos que servem chope escuro, nada muito significativo. A Schincariol, dona da marca Devassa, lançou sua Devassa Negra com um anúncio que resvala no mau-gosto: algo como ‘Negra a gente conhece pelo corpo que tem’. Para não deixar dúvidas, uma bela mulher negra ilustra a propaganda.

Pronto: o Conar foi acionado, colunistas já protestaram, movimentos antirracistas se mobilizaram, há amplo noticiário sobre o assunto. Ninguém se lembrou, entretanto, do anúncio anterior da Devassa, em que um voyeur acompanhava Paris Hilton. Briga pra lá, briga pra cá, o fato é que a Devassa foi muito mais divulgada pela polêmica do que pelos anúncios propriamente ditos. A manobra se repete (enquanto os meios de comunicação também se repetem) com a Devassa Negra: ampla polêmica para divulgar o produto, e de graça. Imagine quanto custaria obter a mesma repercussão com uma campanha publicitária normal, com anúncios devidamente pagos!

A estratégia da empresa pode ser discutida. A tranquilidade da imprensa, ao aceitá-la, é algo que nem precisa ser discutido. Jornalista não pode ser ingênuo.

 

Anistia ou não?

A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos de condenar o Brasil por causa da Lei da Anistia causa ou não efeitos internos? Os meios de comunicação ouviram ministros do Supremo, que consideram que a lei brasileira se sobrepõe a acordos internacionais. OK, eles certamente sabem o que falam. Mas, se a lei interna se sobrepõe às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, para que existe essa Corte? Está aí uma informação que este colunista gostaria de obter em algum veículo.

 

Como…

De um grande portal noticioso da internet:

** ‘Grávida dá entrada em hospital com suspeita de tiro na cabeça’

Alguém poderia contar a este colunista o que é ‘suspeita’ de tiro na cabeça? Ou há um furinho de entrada da bala (e, eventualmente, um muito maior, de saída), ou não há tiro na cabeça. E, se não houver um furo grande de saída, a bala estará dentro da cabeça, e aparecerá nos exames. O noticiário, hoje, muitas vezes lembra um velho bordão humorístico: ‘Não me comprometa!’

 

…é…

De um grande jornal, de circulação nacional:

** ‘Mulher supostamente identificada como sendo Sakineh Mohammadi Ashtiani chora em suposta entrevista ao canal estatal do Irã, a Press TV, o que levou defensores dos direitos humanos a celebrar sua libertação’

Se não se sabe se alguém deu entrevista ao canal estatal do Irã, e não se sabe se este alguém é a pessoa que tornaria a entrevista importante, qual é a notícia?

 

…mesmo?

E há a internet, que nunca nos falha. Na festa de um rapper, uma modelo se aproximou demais de uma das velas acesas em volta da banheira e seu cabelo se incendiou. A notícia saiu assim (tudo bem, houve erro de digitação, mas que ficou interessante, ficou):

** ‘Vela em volta da banheira provocou um princípio de incêndio no cabeço da moça’

Como disse o rei inglês Eduardo 3º, embora se referisse a uma liga feminina e não a um cabeço de moça, ‘maldito seja quem nisso vê malícia!’

 

Especialíssima

Um extra, de um grande portal noticioso:

** ‘Petrobras adquire aquisição de participação acionária na Refap’

Poderia ficar melhor, ainda mais explícito: por exemplo, Petrobras adquire aquisição de compra de participação acionária na Refap.

 

Questão de linguagem

Frase de uma autoridade, que encara o campo de nudismo de Tambaba, na Paraíba, como a encarnação do inferno dentro do paraíso de lindas praias:

‘São inúmeras as fotografias de crianças que, em tese, primeiramente eram levadas para Tambaba para se customizarem a situação naturista e depois eram levadas à residência do investigado, onde eram fotografadas e abusadas sexualmente (…)’.

O engraçado é que é gente que fala desse jeito, sem qualquer respeito às normas da língua, que mais reclama do alegado analfabetismo, desmentido pela Justiça, do nobre deputado Tiririca. Mas o melhor são as crianças customizadas: é possível que ele quisesse dizer ‘acostumadas’.

 

Mundo, mundo…

Kiev, Ucrânia. Na manifestação feminista contra a ausência de mulheres no novo Ministério, a segurança do Ministério do Interior andou prendendo algumas militantes da organização Femen. Só que as moças estavam preparadas: quando os soldados as seguraram pelas blusas, as blusas se soltaram, e não havia nada por baixo. Os seguranças precisavam segurá-las por algum lugar, e optaram por seus belos seios. Mas, como já se disse, as moças estavam preparadas: foi exatamente nessa hora que os fotógrafos registraram o incidente.

 

…vasto mundo

Inestimável colaboração do leitor (e colecionador de demonstrações de jornalismo explícito) Sérgio Luís dos Santos: é a história de um estudante de 15 que fez 24 reféns em Wisconsin, nos Estados Unidos, tentou se suicidar e acabou sendo o único ferido no caso. A notícia foi divulgada por uma grande agência internacional, publicada num grande portal noticioso e termina da seguinte maneira:

‘A Polícia chegou aos acusados depois de denúncias anônimas feitas ao Disque-Denúncia. Os três foram levados para a Delegacia de Homicídios, na Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade. O Comando Militar do Leste informou que irá acompanhar o caso e prestar apoio à família do oficial’.

Não entendeu? Como não diria Caetano Veloso, ou sim.

 

Parando!

Esta coluna faz uma ligeira pausa para férias: volta a ser publicada apenas em 11 de janeiro. E nada daquelas piadas sem graça de que o colunista está dando uma folga aos leitores, nada disso: sinto uma tremenda falta desta comunicação semanal (falta que, imagino, será mitigada pela viagem com a família). Até lá!

 

E eu com isso?

Fim de ano, saídas, entradas, hora de pensar em férias, cerejas, panetone. Nada de ler aquelas matérias sobre a ceia correta para um país tropical, com acelga, rúcula, de-li-ci-o-sos petiscos de soja, muita água e moderação no vinho.

Prepare-se para uma boa conversa, diante daquela ceia lauta e gostosa:

** ‘Flávia Alessandra não sai de casa antes da filha dormir’

** ‘Liz Hurley nega que esteja se divorciando no Twitter’

** ‘Márcio Garcia faz esporte radical com o filho’

** ‘Lady Gaga arranca cabeça de Papai Noel com os dentes durante show’

** ‘Mirella Santos troca presentes de sacanagem com amigas’

** ‘Lara Stone posa decotada para revista de moda’

** ‘Vaca fica presa em telhado de casa em Minas Gerais’

** ‘Miley Cyrus fumou sálvia e não maconha no polêmico vídeo’

Ah, bom! Então, tá.

** ‘Lindsay é ameaçada por rapaz que enlouqueceu Britney’

** ‘Apresentadora de TV americana é suspensa após inventar estupro’

Pois é: lembre-se disso quando estiver acompanhando o processo contra Julian Assange, dos Wikileaks.

 

O grande título

Há bons títulos nesta semana. Até um daqueles bem enigmáticos, que na verdade só é enigmático porque o autor do título não se deu ao trabalho de ler o texto:

** ‘Mulher presa por porcos só sai da árvore de helicóptero’

Pois é, ela não tinha sido presa por porcos recém-foragidos da Revolução dos Bichos, de George Orwell. Ela estava no caminho dos porcos e, para fugir, subiu numa árvore. E quem disse que depois conseguia descer?

O melhor título, porém, matou todos os demais:

** ‘Miss morta deixou enfeite de Natal pronto’

Este colunista é do tempo em que havia até concurso de Miss Suéter. Mas os limites parecem ter sido ultrapassados.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados