Thursday, 09 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Sempre cabe mais um milhão

Contam que um senhor de 90 anos se queixou ao médico de que não conseguia manter relações sexuais três vezes por semana, enquanto seus amigos da mesma idade lhe contavam que conseguiam. O médico aconselhou: ‘Faça como eles fazem’

Velhinho: ‘E que é que devo fazer?’

Médico: ‘Invente’.

E estamos aí com novos recordes de público nas festas de réveillon de Copacabana e da Avenida Paulista. Mais uma vez, o público anunciado pelos organizadores não cabe no local; mais uma vez, a imprensa, que tem condições e tempo de medir o espaço e calcular a multidão, omite-se – e, pior do que isso, aceita como bom o número fornecido pelos organizadores, que têm interesse em inflá-lo. Ou vai perguntar à Polícia Militar. Alguém acredita que a PM conte mesmo o público, ou que tenha condições de contá-lo?

Houve época em que o Datafolha media os locais onde haveria manifestações, e depois, com base em fotografias da multidão, calculava o número de presentes. O processo provavelmente é caro e por isso, talvez, tenha sido abandonado. Tudo bem; mas ou se faz esse tipo de trabalho ou se muda a maneira de calcular o público. Frases do tipo ‘a avenida estava lotada, com todo mundo se apertando’, dão uma informação mais precisa do que anunciar 2,3 milhões de pessoas num espaço em que, mesmo que não houvesse qualquer obstáculo, não caberiam mais de 800 mil.

Mas qual a importância, afinal de contas, de buscar um número mais próximo da realidade? A lição vem de um mestre, Octavio Frias de Oliveira, um dos jornalistas mais competentes que já passaram por este país: quando você, num setor que conhece, vê uma notícia visivelmente incorreta, passa a desconfiar de todas as notícias, de todos os setores. Se aquilo que eu conheço é publicado com erro, que é que me oferecem nas áreas que desconheço?



O cálculo do absurdo

Todas as quatro linhas do metrô de São Paulo, juntas, recebem por dia 2,1 milhões de passageiros. Para entupir a avenida Paulista com os 2,3 milhões de pessoas, como os meios de comunicação informaram, seria preciso despejar ali, incessantemente, todos os passageiros que tomarem o metrô naquele dia. E, depois, transportar para lá o recorde de público do estádio do Maracanã, que é de aproximadamente 200 mil pessoas. Simples, não é?



O silêncio, o silêncio

Por falar em réveillon, houve um tremendo barraco em Trancoso, badalada praia baiana freqüentada por ricos e famosos. A confusão foi tamanha que vários convidados preferiram desistir da festa e voltar para o Sul; o homenageado da noite também optou por não aparecer, para evitar constrangimentos.

Engraçado: quando um rico e famoso é convidado para uma festa, a notícia sai em colunas, revistas de celebridades, sites. Mas a notícia do Grande Barraco não saiu em lugar nenhum (embora, com certeza, a imprensa especializada estivesse lá: em festas desse tipo, a presença de jornalistas e paparazzi é mais importante até do que um banheiro bem municiado). Que terá acontecido, para que um fato que envolve socialites, empresários, publicitários e milionários mereça dos meios de comunicação um silêncio tão ensurdecedor?



Parem as máquinas!

Apenas para provar que tudo o que acontece com gente rica ou famosa é notícia (desde que seja a favor), duas linhas publicadas num grande veículo de comunicação:

‘Confirmado. Nelsinho Piquet passa o final do ano em Trancoso. Mais especificamente, na Pousada Estrela D´Água.’



Ping

Boa notícia: neste ano, a Petrobras está misturando 2% de biodiesel no óleo diesel. É bom em termos de criação de empregos, de movimentação da economia; é bom em termos de reciclagem; é bom, principalmente, porque o biodiesel é menos poluente que o diesel.



Pong

Mas a Petrobras não está tão conectada como deveria com o meio ambiente. O diesel que distribui nas grandes cidades do país tem 500 partes por milhão de enxofre, um veneno, responsável por boa parte da poluição atmosférica. No Japão, o índice permitido é de 10 partes por milhão. Nos EUA, de 15.



Frase

Um tema tradicional desta coluna, a pouca importância que os meios de informação dão ao direito de defesa (importância que cai a zero quando a fonte das acusações é um promotor ou delegado), é abordada com brilho pelo professor de Economia Luiz Gonzaga Belluzzo, presidente do Conselho da TV Lula, ex-secretário de estado em São Paulo, fundador da Facamp, grupo de ensino superior que tem tido excelentes índices de reconhecimento – uma pessoa, enfim, que deve ser ouvida, mesmo que não se concorde com o que diz:

‘Jornalistas podem e devem expressar opinião, mas não podem atuar como juízes. Tenho dificuldade de aceitar esse juízo definitivo sobre as coisas, sem que haja respeito aos valores democráticos’.



Tempus fugit

Já faz um ano que se abriu uma cratera na construção de uma linha do metrô paulistano, matando sete pessoas. Cadê a causa do acidente? A imprensa parece ter esquecido o caso (e ninguém, até hoje, pediu ao consórcio responsável pela construção o projeto executivo da estação que deu problemas). A propósito, não há desculpa possível para que ninguém tenha feito o pedido do projeto executivo: a dica de que a coisa é complicada já foi dada, e nesta coluna. Imprensa tem de ser como elefante, que nunca esquece.

E os outros buracos no traçado da linha, que fim levaram? Por que se abriram? Há algum problema de segurança ou podemos ficar tranqüilos?



Bons companheiros

A imprensa tem sido gentil com os governos. Houve época em que duas grandes instituições públicas de São Paulo, o Hospital das Clínicas e o Hospital do Servidor Público, eram referências nacionais. Políticos importantes de outros estados viajavam a São Paulo para se tratar nos magníficos hospitais públicos. Hoje, descobre-se que o Hospital das Clínicas deveria ter realizado obras de manutenção do sistema elétrico em 2005. Foi no sistema elétrico, no finalzinho de 2007, que começou o fogo no hospital.

Bom, nossos jornais, revistas e tevês não acompanham de perto o desempenho de hospitais públicos, mesmo os mais visíveis. Mas acompanharam avidamente as histórias de que hospitais privados de ponta, que usam com eficiência a mais moderna tecnologia disponível para aliviar dores e salvar vidas, deveriam ser obrigados a pagar impostos, como se fossem bingos ou distribuidores de máquinas caça-níqueis (ops, desculpem!: distribuidores de máquinas caça-níqueis não pagam impostos). O fato é que a imprensa se comportou com ânimo crítico e investigativo diante de entidades que funcionam, e com toda a leniência possível diante de instituições que talvez não estejam recebendo dos governos a atenção que merecem.



Ripa no colunista

Um ótimo jornalista de Campinas, Edmilson Siqueira, faz restrições a uma nota desta coluna sobre o adolescente torturado e morto em Bauru (SP). E envia o seguinte comentário:

‘Brickmann: Deve haver um monte de motivos para meter a boca no Serra e você talvez conheça muitos deles, mas, no caso do garoto torturado e morto, os policiais estão presos e o governador assinou decreto instituindo comissão para, em 30 dias, calcular valor de indenização à família . O decreto saiu na imprensa. Omitir esses fatos na sua nota é cair no mesmo erro que você viu em coleguinhas com referência a notícias sobre o Collor e o Zé Dirceu’.

Edmilson Siqueira, como de hábito, tem razão. Mas vale lembrar uma história que este colunista presenciou. Certa vez, no restaurante Rubaiyat, em São Paulo, famoso pela boa carne, um jornalista devolveu o prato, dizendo que a bisteca seria ótima em qualquer lugar, mas não ali: não estava à altura do Rubaiyat.

É mais ou menos aquilo que se cobra do governador José Serra. Qualquer administrador estaria certo em mandar indenizar a família e prender os policiais. De Serra, por sua história de vida, esperava-se mais: esperava-se uma grande ação para eliminar de vez o hábito de torturar presos comuns; esperava-se a iniciativa de repensar a polícia para que fosse dura e eficiente ao lidar com os criminosos, mas sem jamais, por seu comportamento, igualar-se a eles.



E eu com isso?

Esta é uma época de notícias duplamente fracas. Primeiro, estamos naquelas semanas que os americanos chamam de silly season, algo como ‘época boba’, em que raramente acontecem coisas importantes; segundo, porque entre Natal e Carnaval todos os meios de comunicação repetem o que publicaram nos anos anteriores. Mas sempre é possível garimpar aquelas notícias sem as quais, com certeza, não conseguiríamos dormir direito à noite.

Aquelas, por exemplo, que estrelam o noticiário de todos os anos:

1. ‘Trânsito em SP – Motorista enfrenta lentidão na descida para o litoral’

2. ‘Paulistas pegam trânsito para chegar à praia’

Ou aquelas que, de tão boas, são publicadas todos os dias:

3.Bin Laden acusa os EUA de controlar Iraque

4. ‘Líder terrorista disse que os EUA querem dominar petróleo’

Ou aquelas que viram assunto de conversa:

5. ‘Grávida, Jennifer Lopes chora por tudo’

6. ‘`Não usamos calcinha para nada´’ (frase das Ronaldinhas – lembra?)

7. ‘Renata Dominguez vive Valquíria em Amor e Intrigas



O grande título

Nesta semana há dois de grande qualidade.

**Orquestra usa vegetais como instrumentos

Pois é: dizem que um jornalista famoso, muito bem empregado, certa vez teve de recorrer a uma secretária da Redação para que lhe enviasse um médico, capaz de desfazer o uso de vegetais como instrumentos. Mas deve ser mentira, claro. Sabe como é aquelas fofocas de Redação: o sujeito telefona e diz que está com um pepino e tem gente malvada que, conhecendo o cavalheiro, logo acha que a frase deve ser levada ao pé da letra.

De qualquer forma, é um grande título. Mas este colunista prefere outro:

** ‘Onze macacos mortos em Brasília. Nenhum conhecido’

Que será que o redator quis dizer com o ‘nenhum conhecido’?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados