Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Síndrome de manada assalta a imprensa

Unanimidade: a imprensa toda festeja a aceitação, pelo Supremo Tribunal Federal, da denúncia do Ministério Público contra 40 acusados no caso do Mensalão. Tamanha é a alegria que sobram duas certezas para o consumidor de notícias:

1. Os réus já estão condenados;

2. A partir de agora, com a perspectiva de punição de graúdos acusados de corrupção, começa uma nova vida para o país.

Um terceiro grupo, mais radical e mais reduzido, diz que, com a aceitação da denúncia contra os 40, só fica faltando alcançar seu chefe, o barbudo Ali Babá.

Tamanha é a alegria, a alegria é tamanha, que faltou ressaltar no noticiário que os acusados se tornaram réus, mas não foram julgados. E só depois do julgamento poderão ser considerados culpados e receber a punição legal devida.

Mesmo se forem todos condenados, a vida não vai mudar tanto assim. Já tivemos presidente deposto, após nomear o irmão para a chefia de polícia do Rio, na época o cargo mais importante da repressão; já tivemos presidente que, para não ser deposto, suicidou-se. Já tivemos presidente afastado por impeachment, acusado de corrupção, com punições também a seus auxiliares mais próximos. Tivemos a CPI da Corrupção, que emparedou o governo Sarney. Hoje, os integrantes do governo Sarney, incluindo o próprio, e os mais ferozes inquisidores da CPI da Corrupção estão juntos, lado a lado, no apoio ao presidente Lula.

Tanta unanimidade, pois, só se explica por um motivo: a Síndrome de Manada, que assola boa parte do jornalismo brasileiro. O importante não é descobrir novos assuntos, novos ângulos, novos temas: é seguir a pauta da concorrência. E, é claro, assim fica mais fácil para as reportagens trabalharem em pool.

Como dizia Nelson Rodrigues, nunca suficientemente citado, toda unanimidade é burra. Tão burra que nem percebe que Ali Babá não era o chefe da quadrilha dos 40 ladrões. Ali Babá foi quem localizou seu esconderijo e os prendeu.

Pelo telefone

O ministro Ricardo Lewandowski não pode se queixar: quem conversa ao telefone num lugar público pode estar sendo ouvido. E, se for ouvido por um jornalista competente, como aconteceu no caso, corre o risco de virar manchete.

Mas o que ele disse deve ser analisado. A unanimidade dos meios de comunicação certamente tem conseqüências (e, se não tivesse conseqüência alguma, nós teríamos de mudar de profissão). Uma das conseqüências apontadas pelo ministro foi ‘a faca no pescoço’. Não é questão de discutir se a faca no pescoço foi ou não positiva: em nosso sistema jurídico, o certo é que os juízes votem com tranqüilidade, sem que as pressões possam afetá-los. E o que o ministro disse é que as pressões os afetaram e influenciaram os votos no Supremo.

Não foi o único caso em que o papel da imprensa foi decisivo, moldando e modificando a ação dos poderes públicos. De memória, há o caso Alceni Guerra, que era inocente e sofreu dura campanha de destruição; o caso Ibsen Pinheiro, que era inocente e foi cassado. E o emblemático caso da Escola Base, tão bem descrito no livro de Alex Ribeiro, em que uma mentira multiplicada pelos meios de comunicação destruiu uma escola e prejudicou a vida de dezenas de pessoas.

Velhos tempos…

Em seu livro de memórias, Código da Vida, o advogado Saulo Ramos, que foi consultor-geral da República e ministro da Justiça, lembra um caso ocorrido no início da ditadura militar, quando o governo decidiu liquidar as empresas de Mário Wallace Simonsen (incluindo a Panair do Brasil) por motivos políticos.

‘As denúncias, às centenas, tiveram uma orquestração bem de acordo com a moda: órgão de imprensa para o devido escândalo e, na Câmara dos Deputados, Comissão Parlamentar de Inquérito para rigorosa apuração dos fatos denunciados. Tudo começou naqueles tempos. Não é de hoje, portanto’.

…mesmos hábitos

Outro trecho do livro de Saulo Ramos, tratando de outro caso:

‘A imprensa caiu em cima do ministro [da Saúde], Dr. Alceni Guerra, acusado e ridicularizado porque a Fundação Nacional da Saúde havia comprado bicicletas, mochilas e talhas em concorrências públicas consideradas irregulares. Material para os agentes de saúde desse Brasil afora. O noticiário era cruel. Caricaturas do ministro em cima de bicicletas, com mochilas recheadas de dinheiro, e as talhas com torneirinhas pingando moedas, em vez de água.

‘Divertia-me com o noticiário, sem me importar muito com os detalhes. O que se lê no jornal ou se vê na televisão nada tem a ver com os processos. Muitas notícias são manipuladas pelos interessados em julgar culpa uns contra os outros’.

A propósito, Alceni foi inocentado pelo Supremo Tribunal Federal.

O estouro da manada

A idéia básica de controle da imprensa, numa democracia, é o entrechoque de opiniões. Cada meio de comunicação tem sua orientação. Cada meio de comunicação é um mecanismo de controle da concorrência. Mas como fazer quando todos os veículos começam a atirar contra os mesmos alvos?

O caminho das pedras

Luís Nassif, em seu blog, trata do tema:

‘Para quem não sabe, existe um Conselho de Imprensa na Inglaterra (aqui chegou a se noticiar amplamente que em nenhum lugar do mundo democrático existem conselhos, mas existem, sim, na Inglaterra, França, Estados Unidos e Austrália. O mais antigo é o da Suécia).

O da Ilha chama-se Press Complaints Comission (Comissão de Denúncias de Imprensa), acessível a todos pelo site http://www.pcc.org.uk/ A questão, portanto, está posta: porque não temos um Comitê de Denúncias contra Abusos da Imprensa?’

A idéia do Nassif é boa – embora, em vez de Comitê de Denúncias, se deva usar a tradução, mais precisa, de Comitê de Queixas contra a Imprensa. Se o controle externo vale para todos os poderes, por que não para a imprensa? Talvez seja bom ter um Conar, um Procon, a quem os alvos da artilharia da imprensa possam recorrer. O que não se pode é reunir um grupo de jornalistas que têm duas características em comum (nunca assinaram matérias e pertencem ao mesmo partido político) e dar-lhes o poder de controlar os meios de comunicação. Algo como o Procon, sim; ou como o Conar. E apartidário. Mais: escolhido abertamente, não apenas por grupos partidários enquistados há décadas em federações e sindicatos.

Esquecendo tudo

Nelson Jobim, enquanto ministro do Supremo, sofreu todo tipo de ataques da imprensa. Como ministro da Defesa, está recebendo tratamento VIP. Veja só: acompanhou o advogado de Renan Calheiros, Eduardo Ferrão, em longa visita à casa do senador. E ninguém lembrou que, até assumir o ministério, Jobim era sócio do escritório de Ferrão, que já era incumbido da defesa de Renan.

O crime da gentileza

Em compensação, noticia-se amplamente como se fosse algo indevido, que um assessor da ministra Ellen Gracie Northfleet lhe puxa a cadeira quando se senta ou levanta, ‘como se fosse uma rainha’. Não, colegas: Ellen Gracie não é uma rainha, mas é uma senhora. E ajeitar-lhe a cadeira é um gesto de cavalheirismo, não de subserviência.

Cadê a carne?

Os meios de comunicação deram grande espaço ao lançamento do livro sobre torturas e assassínios praticados durante a ditadura militar. Deram também amplo espaço ao desafio do ministro da Defesa, Nelson Jobim, às Forças Armadas, e à nota do comando do Exército respondendo ao repto. Mas faltou uma coisa importante: a publicação de trechos do livro. Mais do que isso, uma análise que mostre o que há de novo e o que ainda está faltando divulgar.

A grande edição

O espantoso caso de Thalis Schoedl, que foi mantido no Ministério Público e poderá atuar na acusação de réus de assassínio, sendo ele mesmo o responsável pela morte de um rapaz e ferimentos em outro, foi brilhantemente retratado nas páginas do Diário de S.Paulo. Na primeira página, o título:

** ‘Os dois lados da Justiça’

Logo abaixo, a foto do promotor Thalis Schoedl, com a legenda: ‘Ele está livre’. E a foto de uma moça sem status social que matou uma colega e foi condenada a 30 anos, com a legenda: ‘Ela está presa’.

Uma imagem precisa do Brasil.

A grande frase

De Ancelmo Gois, em O Globo, sobre um possível lema do congresso nacional do PT, ocorrido logo após a aceitação pelo Supremo da denuncia contra boa parte do comando do partido: ‘Punidos venceremos’.

E eu com isso?

Como a Humanidade viveu tanto tempo sem saber o que faz uma mulher caminhar de modo sexy? Pois há uma pesquisa da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, sobre o momentoso assunto. E, ao contrário do que sempre imaginou este colunista, a mulher caminha de modo sexy não apenas por ser mulher: há uma relação matemática entre a medida da cintura e a dos quadris, veja só.

Mas há outras notícias tão importantes quanto esta – tão importantes, aliás, que nossos meios de comunicação lhes dedicaram tempo, espaço, trabalho e investimento:

** ‘Mariah Carey dorme na sauna para melhorar a voz’

** ‘Sem namorado, Galisteu vai a inauguração de loja em SP’

(Não, Adriana não está sem namorado. Fique tranquilo. Ele apenas não a acompanhou a este evento)

** ‘Vocalista da banda Aviões do Forró casa em Fortaleza’

** ‘Szafir viaja para Los Angeles com fotos do niver da filha Sasha’

** ‘Filho do namorado de Gisele Bundchen não terá nome do pai’

O grande título

São três fortes concorrentes, nesta semana.

** ‘Serralheiros intimidam equipe do Repórter Eco’

E que têm os serralheiros a ver com ecologia? Simples: não são serralheiros. São operadores de moto-serra, a serviço de empresas madeireiras ilegais. Se é para dar um nome à sua atividade, o normal seria ‘lenhadores’.

** ‘Inverno com jeito de inverno’

Esta é a inversão da tradicional regra do jornalismo: o que é normal não é notícia. Aí, a notícia é de que as coisas ocorrem como deveriam acontecer – ainda mais que o jornal é do Sul, e no Sul o inverno é inverno mesmo!

Mas o grande vitorioso vem da seção de Esportes:

** ‘Zé pode ficar três semanas fora’

Zé Maria? Zé Elias? Zé Roberto? No caso, qual deles?

É o Zé Roberto – não aquele da Seleção, que joga na Alemanha, mas o meia do Botafogo do Rio. Basta ler o texto inteiro para descobrir.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados