Os telejornais, a principal fonte de informação dos brasileiros, abusam cada vez mais da ferramenta editorial conhecida pelo jargão norte-americano como “ele disse, ela disse”, baseada na norma de ouvir os dois lados numa notícia. Pode tranquilizar redatores e editores, mas o telespectador fica perdido no meio de um tiroteio informativo .
O procedimento quase padrão nas reportagens de telejornais é partir de uma denúncia, dado ou fato impactante para em seguida apresentar declarações do denunciante, autor do dado ou protagonista do fato. Depois disso vem a declaração do lado contrário, geralmente com justificativas, explicações burocráticas ou o recurso a novos dados ou fatos, que aumentam ainda mais a confusão do leitor.
O “ele disse, ela disse” tem uma consequência ainda mais nefasta porque consagra a omissão dos repórteres e editores de investigar os fatos, eventos e dados numéricos objeto da notícia ou reportagem. Basta um ser contra e outro a favor para a tarefa jornalística ser considerada cumprida.
Tomemos um caso ocorrido recentemente e que serve de paradigma para a esmagadora maioria das notícias dos telejornais dos canais abertos. Fraude do leite. Destaque para a prisão dos suspeitos, seguindo-se a declaração de policiais e procuradores que explicam a fraude, os detalhes da captura, e fazem questão de sempre mencionar os anos de prisão a que estão sujeitos os acusados. No final, vêm as explicações dos advogados de defesa e dos suspeitos que dizem não ter feito nada de ilegal. O telespectador que se vire para entender quem tem e quem não tem razão.
É necessário reconhecer que uma notícia importante e digna de ser incluída num telejornal geralmente envolve questões complexas, cujo esclarecimento exige tempo e trabalho, dois itens críticos no ritmo industrial de produção de um noticiário como o Jornal Nacional, por exemplo. As questões operacionais servem de justificativa para jogar todo o peso do esclarecimento sobre os entrevistados, já que o repórter não teve tempo para checar os dados e situações citados pelas fontes ou personagens da notícia.
Até os contínuos das redações sabem que cada protagonista procura justificar o seu lado. Para o entrevistado não importa a verdade, mas sim a forma como ele será visto e julgado pelo telespectador. A maioria dos políticos, funcionários públicos importantes e empresários já passaram por sessões de “media training” e sabem como escolher palavras e abordagens que não prejudiquem a sua imagem pública. Nestas condições, uma notícia num telejornal quase sempre acaba se transformando num desfile de performances, para aflição dos telespectadores que sabem que o principal não está sendo dito, mas não conseguem identificar onde está a verdade.
Se formos analisar ao pé da letra, o “ele disse, ela disse” não é jornalismo. Principalmente num contexto em que o público está cada vez mais necessitado de profissionais que o ajudem a entender um mundo cada vez mais complexo. Nós, os jornalistas, precisamos perceber que não é dessa maneira que manteremos a confiança de leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Mais do que nunca temos a obrigação de focar mais no contexto do que na espetacularidade das ações policiais, no impacto das denúncias de procuradores e nas manobras de políticos ou empresários.
As redações precisam se preocupar mais com o público do que com as fontes. Isto já foi dito várias vezes por inúmeras pessoas, mas parece que ninguém escuta em redações automatizadas pela rotina de produzir material noticioso que serve para separar um anúncio de outro. Os executivos ainda estão convencidos de que a credibilidade do público na imprensa é infinita, mas o que se nota no contato informal e direto com as pessoas é um criticismo crescente em relação a jornais, revistas e telejornais.