Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Muito barulho por nada

Toda essa confusão em 18 meses para chegarmos ao ponto zero. Já que Shakespeare emprestou a frase do título, to be or not to be?, serve para descobrir quem é Bolsonaro. É isso ou aquilo? O bardo faria uma peça tragicômica do Brasil, para rir e chorar. Já o Brasil inteiro cabe na foto da gripezinha que matou quase um Maracanã, foram 70 mil, cabem mais 30 mil. No meio tempo, cinco ministros da Cultura e nenhuma cultura. Propagandas oficiais onde o presidente telefona para uma Maria Eulina, do Ceará, que é imagem do Banco iStock adquirida por R$45,00, e se chama Celia Rossin, de Sertãozinho. Neste ano e meio de agressão, fake news, pulsão de morte e arruaça, até o vídeo da Ave Maria de Gounod, tocada por um sanfoneiro com o presidente, assustou.

Bolsonaro quer mudar a imagem do governo, liberou R$ 266 milhões para publicidade, e só piora.

Para consertar, escolhe um ministro da Educação atrás de outro, até agora o desastre Weintraub não tem sucessor. Antes dele, um queria crianças fazendo gestos integralistas de anauê. Outro, dançava de guarda-chuva e chafurdou o país na lama antes de fugir para o reduto de Trump. Agora aguardamos a briga entre olavistas e militares, estes agraciados com penduricalhos ao custo de R$ 26 bilhões em cinco anos. Junto com os evangélicos, vão escolher o próximo. Carlos Decotelli tinha bom currículo mas era fake. Anderson Correa, reitor do Instituto Técnológico de Aeronáutica, é evangélico mas não olavista. Renato Feder, Secretário de Educação do Paraná, é técnico, liberal, mas não é olavista nem evangélico. “Tem de ser conservador”, as redes bolsonaristas reagiram. Enquanto isso só 13,4% dos 57 indicadores do Plano Nacional de Educação foram cobertos por alunos de nível cada vez mais baixo. “A educação está horrível no Brasil”, Bolsonaro admitiu, como se não fosse com ele.

Bolsonaro precisa desconstruir tudo o que botou no lugar do Brasil nesse ano e meio. Depois de Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich não tivemos ministro da Saúde e ouvimos “morra quem morrer” do prefeito Fernando Gomes, de Itabuna, que decretou abertura do comércio. Saúde não é sua preocupação. Nem do governo, que se junta aos Estados Unidos, Rússia e Irã como os campeões em morte por Covid. O que deu errado no Brasil, diz o podcast Daily News do The New York Times, foi Bolsonaro. Para o London Review of Books, entre os “homens que você não encarregaria de conter um surto de acne”, ao lado de Boris Johnson e Trump, está Bolsonaro.

Bolsonaro partiu para o desmonte da própria imagem porque a União Europeia não quer acordos com o Mercosul. Ou seja, nenhum euro. O Brasil está sendo acusado do crime de ecocídio e, pelos estragos no meio ambiente deveria ser julgado pela Corte Penal Internacional. O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas colocou o Brasil ao lado de Belarus, Nicarágua, Burundi e o país de Trump como “perigosos” para o mundo. Tanto pelo contágio por vírus como pela polarização da política. O relatório foi feito pela ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, o que envergonha mais pela lembrança do Brasil gigante da América Latina. Mas isso foi no tempo de chanceleres de peso como Luiz Felipe Lampreia, Celso Lafer, Celso Amorim. Quando éramos respeitados lá fora, e o Itamaraty não era bunker dos olavistas.

Não sairemos deste lugar onde a economia não anda e se o Brasil mantiver o chanceler Ernesto Araújo destruindo pontes com o mundo. E Ricardo Salles passando a boiada na Amazônia que em 18 meses não salvou uma árvore, em junho registrou mais queimadas que nos últimos 13 anos e não instalou qualquer barreira sanitária nas aldeias indígenas contra a Covid. Sobre a maior jazida de nióbio do mundo, que se tornou obsessão de Bolsonaro, vivem 23 povos indígenas, que querem poder de decisão sobre suas terras. Esta semana, o Ministério Público pediu à Justiça Federal o afastamento de Salles por causar “desestruturação dolosa das estruturas de proteção ao meio ambiente.”

O temor da substituição de Araújo e Salles é quem o dedo podre de Bolsonaro vai colocar no lugar. A demolição é “imparável” neste governo. O Ministério Público Federal pede a saída do presidente da Funarte, Luciano da Silva Barbosa Querido, para quem a escravidão foi benéfica e desconhece Zumbi. O quinto ministro da Cultura e ex-ator de Malhação, Mário Frias, tomou posse demitindo todos os secretários escolhidos por Regina Duarte. Regina ficou três meses até cantar Prá Frente Brasil na CNN, dizer que “todo mundo tortura, ora”, e ser removida para a Cinemateca Brasileira. Não se tem notícia de que tenha tomado posse. A própria Cinemateca enfrenta um desmanche.

Fascinado com o genro do apresentador de TV Silvio Santos, Bolsonaro já conseguiu um desgaste na ala militar. Fábio Faria, deputado do PSD-RN, assumiu o Ministério das Comunicações tomando do Secretário do governo, general Luis Eduardo Ramos, o lugar de articulador do Planalto no Congresso Nacional. Como o sogro, Faria gosta de holofotes. Mas até isso, que não tolerou com Mandetta e Sérgio Moro, Bolsonaro vai aceitar.

Porque o seu foco ao comprar com dinheiro e benesses o Centrão, representado por Faria, é livrar-se do impeachment. Com capa de cordeiro mas identificado com o fascismo à brasileira na linha do integralismo, Bolsonaro é o não líder que desprestigia a própria direita. Seu recuo tático não engana, até por hábito vai dar como o escorpião a ferroada na tartaruga que o transporta pelo rio, mesmo que afunde com ela.

Se não for pelo impeachment, Bolsonaro pode ser garfado por outro lado. A presidente do PT Gleisi Hoffmann afirmou a este Observatório que a escolha do partido é o impeachment. “O vice Hamilton Mourão, tira-se em 90 dias, o PT quer eleição direta, os outros [partidos], não sabemos o que pretendem, não precisamos de manifestos para dizer que somos democratas, mas vamos junto”.

Bolsonaro pode ser garfado por abuso de poder durante a campanha que o elegeu. Tanto STF como TSE buscam mais provas para o processo de barrar a chapa Bolsonaro-Mourão com base no hackeamento nas eleições de um grupo que reunia nas redes sociais 2,7 milhões de pessoas. Bolsonaro entre eles, embora alegue que estava internado na época, após a facada em Juiz de Fora.

Bolsonaro manso assusta. E está assustado. Seus três Zeros têm as cabeças a prêmio. Ao todo são seis casos envolvendo aliados ou sua família, que podem respingar feio em cima dele. Eles montaram a “empresa Bolsonaro” para se apropriar de verbas públicas pelos cargos por onde os Zeros passaram. Tudo reforçado pelo gabinete do ódio que emudeceu, do qual todos se recordam.

Flávio é processado pelas rachadinhas, leia-se corrupção, quando era deputado no Rio de Janeiro, e o processo gira em torno do assessor Fabrício Queiroz preso na alcova do advogado do pai, Frederick Wassef.

Eduardo é acusado de ataques a membros da Corte e do Congresso e de incitação à desordem pública ao declarar que “o momento é de ruptura”, não quando mas se o pai tomar uma atitude sobre o processo de fake news aberto por Alexandre de Moraes.

E Carlos é investigado pelo Ministério Público por nomear assessores que jamais trabalharam no local. Como Marta Valle, cunhada da ex-mulher do presidente da República, que passou invisível durante os sete anos e quatro meses em que esteve lotada no gabinete do vereador (PSC) no Rio de Janeiro.

O troca-troca é normal na família, nos 28 anos em que foi deputado federal, Bolsonaro contratou 110 funcionários e fez 350 trocas de cargos na Câmara. Há suspeitas de rachadinhas no seu próprio gabinete.

Os processos avançam, os Bolsonaro recuam ou se camuflam. Quando Jair adotou o perfil moderado pós-prisão-de-Queiroz sua rede de apoio no twitter, os seguidores do guru Olavo de Carvalho, despencou 38% — assim mesmo, a consultoria Arquimedes contabilizou 7 milhões de interações. Quanto mais Facebook e Twitter agem contra publicações da família que violam regras de uso, os Bolsonaro escapam para redes “livres de censura” como a Parler, da qual Trump é usuário. Até o procurador-geral da República, Augusto Aras, buscando resgatar apoio da categoria, entrou em sintonia com o Supremo e fechou cerco aos arruaceiros e apoiadores do presidente.

Enquanto isso a imprensa profissional, mesmo recebendo 245 ataques só nos últimos seis meses, segue firme contra a imprensa particular dos Bolsonaro, determinada a reinstalar o país no lugar que lhe cabe no mundo.

Quanto mais perto se chega do núcleo familiar e o contato de Bolsonaro aparece na caderneta da mulher de Fabrício Queiroz, mais o advogado de Bolsonaro estria. Numa das mensagens ao marido, Márcia, desaparecida, dizia sentir a família marionete do Anjo Wassef. O caseiro afirmou espionar Queiroz para o dono da casa de Atibaia. E descobriu-se que a Ebserh, vinculada ao MEC, forneceu “aditivos” de R$37,4 milhões à Globalweb Outsourcing ligada a Cristina Boner, ex-mulher de Wassef. Acuado, Wassef ameaçou “explodir todo mundo em rede nacional ao vivo” botando para fora provas “que ninguém imagina”.

O Congresso, que bom ou mau espelha as escolhas dos brasileiros, já tem 48 pedidos de impeachment nas mãos de Rodrigo Maia. E o STF com TSE avançam nas provas que podem demolir este Brasil Bolsonaro que fez tanto barulho, e acabou em nada.

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Norma Couri é jornalista