
(Foto: NoName_13/ Pixabay)
É tão importante disseminar o conhecimento sobre os perigos do ambiente digital. Albert Einstein (1879-1955) disse: “A ciência nos deu meios terríveis de destruir uns aos outros, mas não a sabedoria e a ética para impedir que os utilizássemos”. A humanidade enfrenta esse paradoxo em cada salto tecnológico — e a internet talvez seja o maior deles. Ela se tornou em grande parte um território perigoso. Máquinas viciantes que priorizam lucros sobre direitos e bem-estar, as redes sociais minam o tecido democrático, disseminam conteúdos tóxicos, fake news, ódio e todo tipo de crimes. A mesma tecnologia que permite a uma criança acessar o conhecimento humano também pode levá-la ao sofrimento ou ao perigo extremo.
O advento das redes sociais e sua rápida expansão nas últimas décadas não apenas ampliou como também gerou uma série de desafios éticos. Esses desafios podem estar relacionados tanto às ações de indivíduos ou grupos que utilizam essas plataformas quanto à forma pouco transparente com que as próprias empresas de mídia social as gerenciam. A onipresença global das redes sociais oferece ainda outra preocupação ética por causa de seu crescente poder e monopólio que já influenciaram perigosamente as decisões políticas de países inteiros. Por essa razão, é necessário questionar se as pretensas redes sociais são de fato “sociais”.
Antes de darmos prosseguimento a essa reflexão, convém considerar uma frequente objeção que precipitadamente é apresentada quando se debate sobre os limites éticos de qualquer tecnologia. Trata-se do argumento de que a tecnologia seria um fenômeno aético, ou seja, alheio à ética. Primeiramente, é necessário considerar que o próprio conceito de liberdade é problemático. Tendemos, na cultura atual, a entender e “con-fundir” liberdade com autonomia ou livre-arbítrio. O ser livre do ser humano não é um atributo exclusivo do indivíduo. Trata-se de um conceito intrinsecamente relacional: ser livre com os outros e para os outros. A liberdade é o espaço de construção de nossa identidade que só pode ser realizada socialmente.
Tratar de mídias sociais implica refletir também sobre o público e o privado na era pós-moderna, bem como em suas consequências para o homem. Nesse sentido, convém mencionar a importância da ética, que, por sua vez, se baseia em conjunto de valores e princípios que norteiam nossa vivência em sociedade. Em 2022, estima-se a população global de nosso planeta em 7,97 bilhões de pessoas. Segundo as estatísticas da empresa Statista, os usuários de redes sociais no mundo somam 4,6 bilhões de pessoas, o que representa 57,72% da população global. Em média, esses usuários gastam diariamente 147 minutos com as redes sociais.
Não por acaso, em artigo chamado O desafio aponta o caminho, o pediatra Daniel Becker faz uma recomendação importante: “Educação midiática é fundamental. As famílias precisam saber da importância de postergar a entrega do celular e a entrada nas redes sociais, ao menos até o fim do ensino fundamental. Precisam supervisionar, garantir o respeito ao estudo, sono, leitura, esporte e convívio com pares. Educadores e familiares precisam ajudar os jovens a entender os riscos do algoritmo, a respeitar o próximo, a desenvolver pensamento crítico sobre o conteúdo tóxico” (O Globo, Rio de Janeiro, 20-04-2025). O conhecimento precisa ser desenvolvido e trabalhado para não passar de um aglomerado de informações sem importância.
Regular a inteligência artificial não significa travar o futuro — significa garantir que ele seja ético, seguro e inclusivo. Mais do que celebrar os avanços tecnológicos, o poeta e jornalista angolano João Melo, em O que fazer diante do fim?, traz uma análise criteriosa sobre como a Inteligência Artificial (IA) está moldando o mundo em ritmo acelerado, sacrificando o diferencial humano que se encontra no pensamento crítico, na criatividade e na capacidade de adaptação:
“Aqui estamos/perto do fim/O mundo está a arder/Os que falam de liberdade/querem sufocá-la/com as suas mãos translúcidas/Sujas/Os que lutam/para exorcizar os pecados da História/dividem-se e fragmentam-se/orgulhosamente/em paradas festivas/Não se dão conta/de que marcham ao som das trombetas/do inimigo/Alguns sonham/convictamente/com a conversão dos algoritmos/em novas moedas bíblicas/Ó revolucionários virtuais,/contabilistas de likes e partilhas!/O espetro de novas guerras/desenha-se no fundo da noite/Não há, contudo/nenhum universo desconhecido/para onde escapar,/nem outra linguagem qualquer/para exprimir este ambíguo sentimento/que nos acomete no tempo que nos cabe,/entre o nojo,/a fúria/e a renúncia/Por isso, resistamos!/Antes que a poesia/seja literalmente deglutida/e das metáforas/restem apenas lembranças inócuas” (Os sonhos nunca são velhos, 2024).
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Marcos Fabrício Lopes da Silva é Doutor e Mestre em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (FALE/UFMG). Poeta, escritor, professor e pesquisador. Jornalista diplomado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), e autor do livro Machado de Assis, crítico da imprensa (Outubro Edições, 2023-2024). É participante do Coletivo AVÁ, coorganizador do Sarau Marcante e Membro da Academia Cruzeirense de Letras – ACL (Cruzeiro-DF).