Wednesday, 15 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Bem-vindo, Mr. Talese!

Estaria Homero, o poeta grego autor da Ilíada, antiquado? Estaria antiquado Miguel de Cervantes y Saavedra, o autor espanhol de Las Aventuras de El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha? Estariam antiquados o telefone, a eletricidade, um terno de Giorgio Armani?

A todas essas perguntas, qualquer um de nós pode responder que sim ou que não. Diríamos: depende do gosto de cada um. Mas, não. A história dos homens demonstrou milhares de vezes que os clássicos não envelhecem, ainda que à primeira vista pareçam antiquados. Creio que esse foi o destino de um autor clássico do jornalismo do século 20, chamado Gay Talese, que por estes dias visita a Colômbia pela primeira vez para participar do F-11, um encontro de jornalistas, escritores e artistas, organizado pela revista El Malpensante, para passar bons momentos e falar mal de tudo que é divino e humano.

Desde que era um desconhecido repórter do jornal The New York Times, em 1956, até hoje, quando já publicou cerca de onze livros que devolveram ao jornalismo sua alma, Talese gastou sua vida no ofício que mais emparentou os escritores de grandes romances e contos dos séculos 18 e 19 com os jornalistas de todos os tempos: o ofício de contar histórias.

Histórias da vida real

Gay Talese é filho de Joseph Talese, um alfaiate nascido no sul da Itália, que emigrou para a América, o nome que, em sua época, se dava aos Estados Unidos. O velho Talese era descendente de uma família de alfaiates, cujos ancestrais se remontavam à Itália de 1800, cinco gerações antes. Joseph educou-se em sua profissão no atelier de seu tio, Antonio Cristiani, um valente ‘alfaiate da máfia’, que deixou a Itália em 1911, e depois triunfou como alfaiate independente em uma loja da Rue de la Paix, bem próxima do teatro da Ópera, em Paris, onde seus descendentes salvaguardaram a tradição da família durante muitos anos mais.

Gay Talese, o filho de Joseph, nasceu em Ocean City, New Jersey, há mais de 70 anos, e desde que publicou seu primeiro livro – O reino e o poder, sobre a história do The New York Times – transformou-se, com o passar dos anos, no celebrado autor de livros de ‘não-ficção’ tão lidos no resto do mundo, como Fama e anonimato e Honrarás teu pai, nos anos 1970, e A mulher do próximo e A meus filhos, nos 1980 e 90. Seu último livro, A vida de um escritor, publicado há um ano, hoje é um dos mais lidos por jornalistas das velhas e novas gerações dos Estados Unidos e do resto do mundo, embora ainda não tenha sido traduzido para nosso idioma.

Talese saltou para a fama nas páginas do The New York Times com a publicação de algumas reportagens singulares, como ‘As pontes’, uma história em série que cativou milhões de leitores de seu jornal, na qual contava a vida diária dos operários que trabalhavam construindo as grandes pontes dos Estados Unidos. Alguns anos mais tarde, Talese publicou outro livro cheio de pequenas histórias de pessoas aparentemente sem história: vigilantes noturnos, porteiros de hotéis, motoristas, transeuntes solitários. Intitulou-o de New York, um dia de encontros casuais. Esses dois livros, juntamente com outras reportagens sobre gente famosa e obscura como Frank Sinatra e os ‘carregadores de piano’ do NYTimes, foram reunidos na primeira edição de Fama e anonimato, publicada em língua espanhola pela editora Grijalbo, em 1975 [e no Brasil, em 2004, pela Companhia das Letras; ver ‘A arte de sujar os sapatos‘, posfácio de Humberto Werneck para a edição brasileira].

Depois vieram, pela ordem, Honrarás teu pai e A mulher do próximo. O primeiro foi um livro sobre a história de uma família da máfia de Nova York e sobre seu pai – padrinho, Joseph Bonanno, que Talese publicou, originalmente, em 1971. Em sua época foi a primeira história que quebrou o código de silêncio selado com sangue da omertá italiana. Para escrevê-la, Talese falou durante seis anos com o herdeiro do império da máfia nova-iorquina da época, Bill Bonanno, filho de Joseph Bonanno, mais conhecido entre as quadrilhas com o nome de Joe Bananas.

Um ano mais tarde, a mesma história ficou famosa no resto do mundo com a estréia nos cinemas de O poderoso chefão, o primeiro filme da série que Francis Ford Coppola produziu sobre a máfia nova-iorquina de origem italiana e sua sangrenta saga. Como disse há pouco a revista Newsweek, a história da película de Coppola, assim como o romance de Mario Puzo no qual se inspirou, não eram histórias da vida real. Da mesma forma, ‘Sopranos’, a série de televisão que cativou milhões de espectadores dos Estados Unidos. A de Gay Talese, sim.

Peças magistrais

Com o tempo, Talese se converteu em um escritor emblemático de uma geração de jornalistas, a quem Tom Wolfe consagrou para a posteridade com o rótulo de ‘novos jornalistas’. Eram os autores das reportagens que ele reuniu em sua célebre antologia, O novo jornalismo, publicada pela primeira vez em 1973.

‘Em nome de Cristo, o que é isso?’, perguntava-se Tom Wolfe, depois de ler em um exemplar da revista Esquire, a reportagem em que Gay Talese relatava a história de Joe Louis, o campeão mundial dos pesos pesados de boxe, já na chamada ‘idade madura’ e refugiado em sua segunda ou terceira clínica. Era uma história que parecia uma novela, um conto, um filme. Jamais o que realmente era: uma reportagem de uma revista.

Mas Talese não escreveu só sobre Joe Louis. Também sobre Floyd Patterson, o perdedor; sobre Frank Costello, Joshua Logan e Sinatra. Sua reportagem sobre ‘A Voz’ foi considerada por muitos críticos a melhor de todas escritas pelos chamados ‘novos jornalistas’, um grupo heterogêneo de narradores entre os quais Wolfe também incluiu Norman Mailer, Michael Herr, Hunter Thompson e outros jornalistas, novos e velhos, da nova onda dos anos 1960.

Como um clássico traje que costurava Armando Cristiani, o mestre de seu pai Joseph Talese, em sua oficina do sul da Itália, ou como qualquer terno saído da alfaiataria da família Talese em Ocean City, New Jersey, as reportagens de Gay Talese sobreviveram ao passar dos anos. Nisso se parecem com os romances de Truman Capote, outro grande do chamado ‘novo jornalismo’. São peças costuradas à mão, filhas do amor à arte de contar histórias. São trajes como os que Talese ainda coleciona em seu guarda-roupa: roupas sob medida para um homem que, apesar de seus setenta e poucos anos, não envelheceu nem se encheu de gordura, como seu estilo. São ternos que jamais sairão de moda, embora pareçam antiquados. São peças magistrais saídas das mãos de um clássico do jornalismo do século 20.

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Jornalista e escritor