Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Com ajuda do MEC, Veja acertou

No Brasil, tudo é grande, a começar pelo tamanho do país e por suas dificuldades em todos os campos. Mas são abundantes também as alternativas e possibilidades para resolver nossos problemas.

Sob a égide o ex-ministro Paulo Renato de Souza, da Educação, a universidade brasileira foi submetida ao Exame Nacional de Cursos. Nome popular? Provão.

Com notórias deficiências, teve, entretanto, um grande mérito: avaliou, aplicou parâmetros isonômicos, deu um quadro geral da riqueza e da miséria da universidade brasileira.

Nem todas as informações estavam disponíveis. Sabia-se que os cursos tinham sido reprovados ou aprovados, mediante conceitos expressos em letras: A, B, C, D, E. Mas o que estava por trás das letras?

Por que apenas Veja (nº 1.847, 31/2004) teve acesso ao que denominou caixa-preta, na reportagem de Monica Weinberg, e ‘conseguiu com exclusividade as notas dos dez melhores cursos de 26 carreiras’? Não foi trabalho de investigação da imprensa. Ao contrário. Logo na abertura da matéria está bem claro que foi o poder público quem franqueou a entrada. (E o MEC jamais perderá o ‘C’ de Cultura. Será sempre MEC!).

Descontado este estranho favorecimento, a matéria merece nota 10. Começa por revelar que nenhum dos 5.900 cursos avaliados no Provão de 2003 obteve 80 numa escala de 0 a 100. Os 79,6 obtidos pelo curso de Engenharia Elétrica do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos (SP), semelham uma ilha de excelência num mar de mediocridades. Em Letras e Farmácia, por exemplo, as notas obtidas pelos dez melhores cursos estão abaixo de 40. Alunos que obtêm apenas esta pobreza de notas, são inapelavelmente reprovados.

Quando ministro, o gaúcho Paulo Renato de Souza confiou ao paulista Jocimar Archangelo, da Unicamp, em 1996, a implantação do Provão. Há mais resultados alarmantes no Provão de 2003. Mas que ótima a radiografia de cursos superiores que se jactam de estar sediados em centros de excelência universitários! Excelentes em quê? Na pesquisa, sim, é fácil verificar as excelências. Mas, e no ensino? Alarmantes 98,5% dos cursos estão com média abaixo de 60. Isto é, se no lugar dos cursos estivessem sendo avaliados os alunos, a maioria esmagadora seria reprovada. A média geral foi 36!

Papai Noel e cegonha

No topo da pirâmide das excelências universitárias, apenas cinco áreas obtiveram médias acima de 60. Em nove carreiras, não chegaram a 50.

O quadro de Letras é desolador. A média obtida foi 38,9. O primeiro lugar coube ao curso de Letras do campus da Unesp de São José do Rio Preto. Mas que estranho primeiro lugar! Com efeito, a média obtida – 45,4 –, caso fosse aplicada aos alunos, e não à instituição, não seria suficiente para fazer com que concluíssem o curso. Seriam reprovados.

Conhecidos centros de excelência revelam tropeços preocupantes. A Unicamp – média de 37,1 – e a UFRJ – média de 34,6 – estão entre as dez mais. Que nota terão obtido as piores, se estas estão entre as dez melhores?

Sofrendo da eterna vacilação de continuar ou não as iniciativas do governo de oito anos de FHC, o governo Lula substituiu o Provão por um certo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Houve uma mudança preocupante e assustadora: as próprias universidades ficarão com a responsabilidade de enviar a lista de alunos examinados ao MEC. Só quem acredita em Papai Noel e em cegonha vai confiar que as universidades não vão maquiar a lista. É claro que alunos de baixo desempenho serão excluídos. E, assim, as notas vão melhorar, mas o ensino continuará no mesmo atoleiro em que se encontra.

Fenômeno anunciado

O desempenho em cursos superiores é critério para se avaliar o desenvolvimento de um país. O Brasil exportou 55 bilhões de dólares em 2000. A Coréia do Sul, 172 bilhões, diz Veja, fazendo a comparação. E acrescenta: ‘Mais da metade da exportação brasileira é composta de commodities – produtos como açúcar, café e soja’. Noventa e um por cento das exportações da Coréia do Sul são compostas de manufaturados, ‘que têm maior valor agregado’. Ou, por outra, a mão-de-obra da sul-coreana é mais qualificada do que a brasileira. E isso faz grande diferença na economia dos dois países.

O Provão vinha mostrando – mais do que isso, demonstrando – que os investimentos em educação deveriam ser maciços, pois o ensino, do fundamental ao pós-universitário, é requisito para indispensáveis avanços tecnológicos, que têm como conseqüência mais óbvia a obtenção de melhores resultados na economia.

Contra o governo FHC pesa ainda o triste resultado de uma má escolha. Com efeito, sabia, pelo Provão, que a coisa não ia bem. Mas não fazia o suficiente para retirar o ensino do atoleiro. A seu favor temos que avaliava e não escondia os resultados. Camuflava um pouco, é verdade, de que é exemplo o esconderijo que obteve para notas tão baixas, enfiadas atrás de biombos conceituais que maquiavam números alarmantes com letras entorpecentes e analgésicas. Com efeito, disfarçar uma nota abaixo de 4 num conceito A, ‘cousa é que admira e consterna’, como diria Machado de Assis.

Mas, atenção, a coisa pode piorar. Até agora, tínhamos, ainda que escondida, uma avaliação real. Pois é esta avaliação que corre o risco de tornar-se também ela ilusória. E não apenas os conceitos.

Vale a pena ler a matéria de Veja. Ler, recortar, guardar. Há outros dados muito interessantes e indicativos de um novo caminho do ensino, cujos centros de qualidade deslocaram-se, em muitas áreas, para o interior – fenômeno que já se anunciava na década de 1970 e do qual, considerado apenas o estado de São Paulo, a fundação da Unicamp e a multiplicação dos campi na Unesp são bons exemplos.