Saturday, 04 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Comunicação, ética e antropoética

O Brasil tem aproximadamente, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação, mil cursos de Comunicação Social. E em todos eles disciplinas relacionadas aos conceitos de comunicação e de ética e, mais precisamente, de ética na comunicação. Mas o que serão, afinal, ética, comunicação, ética na comunicação e ética da comunicação? A hipótese de trabalho aqui a ser, senão testada, pelo menos argumentada, é a de que sem ética nem sempre se pode falar da existência de comunicação num processo interlocutório. E por extensão, sem ética, não alcançaremos nem processos genuinamente comunicativos, nem uma ética em nível planetário – uma antropoética.

Iremos, portanto, tratar desses dois conceitos – ética e comunicação –, de suas relações e do distanciamento entre os dois até a conciliação absoluta entre os dois, síntese a que daremos o nome de comunicação perfeita ou decomunicoética.

Em geral, o conceito de comunicação é associado a estratégia, ou seja, a um nível instrumental de comunicação, marcado pela assimetria moral entre os interlocutores, já que num contexto estratégico falta transparência e predominam as intenções perlocucionárias e, havendo chances, ações derivadas, ou seja, de supremacia de um dos atores sobre o outro ou sobre os outros. Nesses casos, o grau de eticidade fica limitado às chamadas regras do jogo, quando existem, e, mesmo quando existem, nem sempre bem explícitas e nem sempre sob o controle total da arbitragem, quando há arbitragem.

No futebol, por exemplo, desde que o juiz e seus auxiliares não percebam, não há oficialmente falta, ainda com toda a torcida do time prejudicado por testemunha e em protesto. No futebol, se o juiz não viu a transgressão à regra, vale o que ele apitou. Ou, se estava mal intencionado ou arbitrando mediante uma conduta venal, prevalecerá a fé pública que se deposita nos árbitros, mesmo quando são comprados. Alguns de nossos ídolos do futebol até se vangloriaram de ter feito gol com a mão, de terem ‘cavado’ pênaltis; de terem levado algum tipo de vantagem (‘Lei de Gerson’). São situações que se prestam à distinção entre regra e ética, ou quando a falta de ética atentou contra a regra, sem prejuízo desta.

A verdadeira comunicação não combina, portanto, com jogo, esperteza, trapaça, confronto, luta, coerção, guerra ou com artimanhas de manipulação e sedução. Comunicação não combina com opacidade, intenções não explícitas, indução, dominação, em síntese, não combina com o êxito estratégico, ou seja, de um sobre o outro. Num contexto comunicativo não há perdedores nem ganhadores, a menos que as regras – conhecidas claramente – assim o pré-determinem. O êxito comunicativo é o êxito com o outro e não o êxito sobre o outro, êxito estratégico. Naturalmente, que estamos fazendo uma apropriação dos conceitos de agir comunicativo e agir estratégico, de Habermas, mas também se valendo da sua imaginação filosófica quando pressupõe a possibilidade de um reengate, de uma conciliação entre mundo sistêmico e mundo da vida e, consequentemente, entre técnica e ética, entre ação e norma, entre consciência e justiça. A esta conciliação é que estamos denominando de comunicação (autêntica), uma saída para a clássica antinomia tecnologia versus humanismo, de forma a projetar um cenário de possibilidade: a utopia da tecnologia a serviço do humanismo. E é sobre essa tópica que também projetamos a nossa ousadia, a de que há indícios suficientes para concluirmos que já surgem no horizonte os primeiros sinais de uma sociedade global comunicativa.

Estratégia e comunicação

O estrategista se instrumentalizará o melhor possível de um conjunto de dados e estabelecerá entre eles os nexos mais lógicos com relação à sua estratégia, ou seja, um modo estruturado de atingir um objetivo, obter um êxito, lograr vantagem sobre o(s) competidor(es). O nível perfeito de informação do estrategista não corresponderá, portanto, a um nível perfeito de interlocução, pois nesta última ele dirá tão somente o que, a seu juízo, lhe favorecer e ocultará todos os dados que julgue não lhe seja favorável transmitir a outrem. Trata-se, portanto, de um nível teleológico de ação, quando esta é estruturada não para a partilha de resultados, mas para o resultado comparativo entre os competidores.

Num contexto instrumental-funcional-teleológico, predominará um nível particular e primário de comunicação centrado no eu e, consequentemente, tendo como centro o ego – egocentro; um pouco mais descentrada será a ação se ela estiver centrada no ego corporativo, ou seja, no nós, mas ainda visando a ‘vantagem’ do grupo ou da corporação. Nesses casos, o indivíduo identificará o seu interesse (do seu corpo individual ou de sua concepção individual do mundo) com o interesse de um corpo plural – corporação (identidade resultante de interesse corporativo) ou de uma sociedade (no sentido de integração de sócios), implicando um outro centramento da ação, o sóciocentro.

Do social para o universal, ter-se-á um nível mais elevado ainda de descentramento da ação, a ação voltada para o benefício de todos e visando os partícipes desse todo como formando um corpo universal e uno. Todos são um e um é parte de um todo. Nesse contexto, cada ser humano verá o outro em condição simétrica e o esperado é que as ações estejam voltadas para um antropocentro, o centro que privilegia o ser humano como o fim em si (princípio de humanidade). Haveria possibilidade de um descentramento ainda mais elevado, um nível quase santificado de identificação, em que todos fazem parte de um mesmo destino. A essa teleologia em que o universal não se restringe ao universo humano denominaremos de holocentro, a convergência de todos para um único centro e um centro para o qual todos convergem.

Útil para a tese que estamos defendendo (sem ética não há comunicação) são os modelos oriundos da linguística (Austin) [AUSTIN, J. L., How to do things with words, Oxford UP, 1986], construídos em torno da orientação dos atos de fala; o perlocucionário, que se destina à enunciação agônica de sentido, portanto, num contexto de sobrevivência condicionada à disputa; e o ilocucionário, contexto em que os interlocutores buscam cooperativamente construir sentido partilhado – a fusão de horizontes de Gadamer ou interação social por meio da comunicação linguística, para Habermas, na sua construção da idéia de agir comunicativo.

Enunciação, informação e comunicação

Para o modelo estadial (por estágios) que estamos inferindo para a comunicação é forçoso distinguir entre a simples enunciação (expressão) de um sentido ou conteúdo que se pretende externar e que uma vez exteriorizado transforma-se emenunciado e a serviço de níveis mais complexos de locução e interlocução. Num segundo patamar, os interlocutores tratam a informação mediante interesses particularizados, no qual é possível também fazer uma distinção entre expressão e argumentação. Mas enquanto no primeiro limiar a expressão visa tão somente materializar um conteúdo não polêmico; no segundo pode haver divergência em torno do que se expressa. Num terceiro patamar, propriamente o da comunicação, os interlocutores teriam como finalidade o consenso, tanto em termos de sentido partilhado quanto em torno da melhor ação conjunta a se por em prática.

Em ocasiões anteriores [AAVV. ‘Comunicação, mobilização e mudança social’. Em: MONTORO, T. S. Comunicação, cultura, cidadania e mobilização social (org.). UnB-UFBA-CECUP-UNICEF. Brasília/Salvador, 1977, pp.28-31. AAVV. . ‘Imprensa, discurso e interatividade’. Em: MOUILLAUD, M. e PORTO, S. D. (orgs.). O jornal, da forma ao sentido. Brasília, DF, 2007, Paralelo 15, p. 253-272], tivemos a igualmente a oportunidade de situar a comunicação em três níveis, quais sejam: a comunicação imperfeita; a comunicação perfeita; e a comunicação mais que perfeita. Estávamos, no entanto, tratando da comunicação num contexto midiático e da passagem deste para o plano da práxis (no sentido de ação transformadora da realidade). Na primeira etapa, as ‘informações’ circulam como meros eventos isolados e sem a organicidade (seleção e hierarquização) que lhes é dada pelos aparelhos midiáticos, que proporcionam difusão e dramaticidade. Nesse segundo patamar, a comunicação se dará de forma ‘perfeita’ se houver eficiência em matéria de transmissão e de codificação traduzida por todos (com a menor perda possível de sentido = busca da univocidade). A comunicação mais que perfeita, no entanto, seria aquela capaz de ser socializada em termos de propósito coletivo, um télos de natureza utópica, fusão de horizontes com vista a um horizonte ético.

Globalização e universalização

De acordo com a nossa hipótese de trabalho – de que sem ética não há comunicação – a comunicação mais que perfeita seria aquela capaz de ultrapassar o nível meramente instrumental-funcional-teleológico em favor de partilhas descentralizadas de sentido e ação. Para tanto, haveria transformações qualitativas nessas passagens, bem como a passagem de níveis primários de informação e intenção para níveis copartícipes e corresponsáveis de sentido e ação e, portanto, de comunicação ética ou comunicação propriamente dita. Em outros termos, estamos concordando com os autores que fazem uma distinção entre esfera informacional e esfera comunicacional, com um adendo: não estamos limitando essa esfera comunicacional à simples partilha natural do sentido cultural das coisas, mas agregando a possibilidade de que os interlocutores sejam intersubjetivos também em matéria de transformação do mundo (práxis), mas uma transformação do mundo para todos, não excludente, o que até implica a necessidade de criação de uma nova cultura, uma espécie de metacultura, a cultura fruto de um novo cultivo, e não do adensamento do etos já estabelecido.

Até o momento, são raras as proposituras universalmente inclusivas no que se refere ao resultado das transformações. Em geral, busca-se a universalização dos valores pregados, mas a hierarquização dos merecedores dos resultados, atitude ainda bem peculiar às revoluções baseadas na vitória de uma das partes do conflito em detrimento das outras. São credos religiosos, ideológicos ou nacionalistas, geralmente universalistas na retórica, mas particularistas e patrimonialistas no usufruto dos botins (conquistados à força). Não raro, conquistas à base do êxito sobre os outros e também não raro excludente do(s) outro(s) esmeram-se em propagar todo um corolário de legitimação universalista, mas à custa de exclusões – no passado, até mesmo genocídios foram justificados com propósitos milenaristas e fundadores de totalidades discursivas (grande blocos ideológicos).

Um dos fatores de limitação e até de esgotamento do potencial humano para a universalização de direitos e conquistas tem sido o paradigma de Estado-nação, bem como a dificuldade de estabelecimento de um paradigma capaz de transcendê-lo. O Estado-nação, especialmente a partir da difusão universalista dos valores da Revolução Francesa, representou uma força universalizante em matéria de concepção de um homem universal, mas, paradoxalmente, fragmentou na realidade os seres humanos, em franceses, ingleses, alemães etc.

As três éticas do mundo

Estariam esgotadas as possibilidades simbólicas e materiais de uma res publica universal?

Interpretando uma trilogia concebida por Karl Apel [Revista de Comunicação e Linguagens, do Centro de Estudos da Comunicação e Linguagens (CECL), da Universidade Nova de Lisboa, n°. 15/16, julho de 1992, pp. 11-26], estaríamos no meio do caminho, ou seja, já experimentamos o etos menos complexo da microética (do clã, da aldeia); avançamos bastante no paradigma da mesoética (dos estados-nação); e estaríamos presenciando os primeiros raios da aurora de uma macroética universal e planetária, correspondente ao paradigma já concebido por Edgar Morin, quando preconiza a possibilidade de uma antropoética, isto é, uma ética para o gênero humano e para a cidadania planetária, por sua vez, ancorada em três elementos: indivíduo, sociedade e espécie. Na verdade, tais etapas não se revelam excludentes, pois em vários cantos do Planeta ainda encontramos ‘civilizações’ inteiramente circunscritas ao contexto de nação tribal; outras, ainda inteiramente marcadas por regimes e autocracias de estados-nação bastante fechados; ao passo que já encontramos não somente estados-nação bastante cosmopolitas e em certa medida ‘globais’, mas também estados comunitários, integrados, com moeda única, parlamentos, fronteiras e instituições multinacionais. Estamos nos referindo especificamente ao caso da União Européia, mas já projetando situações parecidas, como é o caso da América Latina (Mercosul e Unasul) e, possivelmente, de países asiáticos.

Por analogia, podemos inferir que, em matéria de informação, numerosos países já ultrapassaram os contextos locais e nacionais e estão plenamente integrados a uma sociedade da informação, o que não implica, por consequência, já se encontrarem num patamar de antropoética. Lamentavelmente, o fato de numerosos países estarem na vanguarda mundial em termos de desenvolvimento, incluindo os mais elevados Índices de Desenvolvimento Humano, não significa que os seus níveis de desenvolvimento resultem em reflexos de democratização de suas condições para com o restante da comunidade internacional. Lamentavelmente, embora não existam mais, declaradamente, políticas xenófobas do tipo ‘a América para os americanos’, na prática os controles de entrada de estrangeiros, tanto nos EUA, quanto na Europa, são tão radicais que o efeito tem sido um espessamento de fronteiras jamais visto.

É possível, no entanto, que o reforço nos ‘muros’ nacionais e supranacionais se devam mais a ameaças representadas pelas chamadas ‘patologias da modernidade’ (principalmente o terrorismo) do que propriamente a rejeição da presença de estrangeiros. Nem todos os estrangeiros estão interessados em se infiltrar em outros territórios nacionais. O importante, no entanto, é que as prerrogativas humanas se universalizem, de modos que os direitos e deveres humanos não excluam os não-nacionais, ainda que de passagem.

É preciso contemporizar que os mesmos fatores de estancamento rumo a uma antropoética universal podem ser encarados como fatores de avanço, tal o favorecimento representado pelas novas tecnologias, no que elas proporcionam em termos de interconectividade e de globalização das comunicações, especialmente no que se refere ao noticiário jornalístico. Em nenhuma época houve tanta partilha simultânea do que acontece a todo momento no mundo, e não somente no que envolve os fatos trágicos (tsunamis, aquecimento global, pandemias…), mas sobretudo no que diz respeito às conquistas que maravilham todos os povos: entreajuda; advocacias humanas e sociais; compaixão para com os povos em momentos de penúria e todo um internacionalismo do terceiro setor, a exemplo dos médicos sem-fronteiras. E se a política e a religião não deixaram de ser fatores de diferença, rejeição e exclusão, as mesas condições tecnológicas proporcionam contextos jamais vistos em matéria de intersubjetividade e, consequentemente, de diálogo político e interreligioso.

É tentadora a inferência no sentido de que a globalização seria um estágio intermediário a caminho da universalização. Economia e tecnologia são dois campos eloquentes quando se quer demonstrar o quanto o mundo está globalizado. A simples veiculação de uma possível insolvência de uma grande corporação do emirado de Dubai é capaz de provocar quedas nas cotações das bolsas de valores do mundo inteiro, da mesma forma como diariamente as oscilações nos mais variados indicadores da economia norte-americana são lidos no mundo inteiro como que sinais de semáforo (verde, amarelo e vermelho) no trânsito internacional das mercadorias e moedas. Por sua vez, o campo tecnológico opera também como um sinalizador de atualizações que devem ser feitas, cada vez mais próximas uma da outra, como se a espiral dos avanços tecnológicos tivesse chegado à velocidade da vertigem. As atualizações passaram a ser oferecidas on line aos usuários de computadores em rede.

Entretanto, a despeito da livre circulação das mercadorias e do capital financeiro e a despeito de não haver fronteiras para a ‘comunicação’ via rede entre pessoas de todos os países, a transposição de fronteiras geográficas continuam dependendo de autorizações e certificações consulares, jurídicas e, por vezes, financeiras. Ou seja, para a circulação física das pessoas permanecem barreiras ainda típicas dos estados-nação. É forçoso reconhecer, no entanto, que em algum nível já adentramos o paradigma da macroética universal e planetária (Apel) e já vislumbramos algum vestígio da cidadania planetária e da antropoética concebidas por Edgar Morin. Da mesma forma que a todo momento somos motivados por algum fato no mundo e convidados a tomar assento em algum auditório virtual. Somos a todo momento também convidados a interagir em termos de identidade e subjetividade e não apenas como consumidores ou clientes de alguma coisa. Estaríamos, portanto, não apenas batendo às portas de um novo paradigma comunicacional, já à soleira, encontrando a porta aberta, embora uma porta virtual. Mas os avanços são assim, primeiramente, no plano simbólico e retórico-discursivo para depois tornar-se concretos.

O mundo tornou-se menor, mas longe ainda de ser uno. A globalização é um fato. A universalização do ser humano e dos seus direitos, prerrogativas e deveres já é um ‘fato’ virtual, quem sabe, mais além do que o simples plano declaratório, pois quando sujeitos estão em contato, em confronto ou em cooperação, podemos admitir que ingressamos no paradigma da intersubjetividade e, portanto, da argumentação. Não apenas no plano da argumentação agonística, mas, sobretudo na possibilidade da fruição de falas não sistematicamente dominadas e, portanto, comunicativas.

A conclusão é breve e simples. Sem ética não há comunicação, pois a comunicação é um pressuposto ético e a ética é um pressuposto da comunicação. E sem ética tampouco haverá Humanidade, mas tão somente um planeta hospedeiro de disputas de uma grande espécie predatória. Somente numa situação éticocomunicativa ou, virando pelo avesso e constatando que o outro lado é igual, isto é, uma situação comunicoética, podemos ser moralmente simétricos. A prevalecer assimetrias, regredimos a estágios telelógico-estratégicos-perlocucionários e, consequentemente, da busca do êxito centrado no ego (egocentro) ou no nós-corporativo (corpocentro). A condição humana, no entanto, jamais esteve tão dilatada na sua compreensão. Poderá haver, sim, um mundo em que o outro não será o bárbaro. Possivelmente, porque o próprio mundo em que nos separamos em línguas e estados tornou-se ao mesmo tempo pequeno (em termos de conectividade) e vulnerável. Na pior das hipóteses, estaremos literalmente no mesmo barco, na mesma oikos.

Conclusão

A exponenciação de processos mercadológicos, tecnológicos e informacionais a que se tem chamado de globalização enseja a severa indagação acerca do futuro. E, como sempre, o futuro oferece o maniqueísmo: a leitura do futuro como um apocalipse, um futuro escatológico, portanto, ou o futuro utópico, literalmente u-topos, ou seja, ainda sem lugar (topos) no presente. Evidentemente, o horizonte dos progressos – e entre os progressos morais – é evanescente. Podemos constatar, no entanto, o estado a que chegamos. E que poderá também ser lido de duas formas, antitéticas. Chegamos perto do fim. Ou, chegamos perto do futuro. Tecnologicamente, pode até ser que já tenhamos ultrapassado todas as expectativas. Meio século atrás, futurólogos nem profetas foram capazes de imaginar os cenários atuais de ‘comunicações’ em tempo real. Pode-se dizer que os produtos dessa espiral tecnológica chegaram com maior perfeição do que o mais ousado dos delírios fosse capaz. Arthur Clark foi capaz de sonhar – no sentido mesmo de encenar na imaginação –, o satélite. E McLuhan foi capaz de vislumbrar uma aldeia global, mas ambos não foram capazes de dimensionar o que veio a ser a internet, literalmente, o mundo ao alcance de um toque. Estamos, agora, diante de novas profecias, de novos profetas, destes como Apel e Morin, que projetam na cena do sonho a visão de uma Humanidade autêntica, marcada pela maioridade moral e, portanto, comunicativa. A comunicação como a partilha das produções e das responsabilidades. Ou, nos termos de Apel, o primado da macroética de corresponsabilidade da humanidade e para a humanidade. E o sentido real de uma sociogênese, conceito elaborado por Habermas a partir da psicogênese piagetiana, mas vislumbrando a possibilidade de as sociedades aprenderem – endogenamente e com as outras. De nossa parte, o sonho a ser encenado – e do qual já vemos no horizonte os primeiros sinais, é o sonho de uma sociedade, uma sociedade una e mais do que global, universal na partilha justa das maravilhas que o ser humano foi capaz de produzir.

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Jornalista, professor da Universidade de Brasília