Friday, 10 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

No Mínimo


COLUNISTA vs. COLUNISMO
Ricardo Kotscho


Abaixo o colunismo, 10/3/06


‘Pode parecer estranho o próprio colunista colocar um título desses em seu
texto. É que acabo de chegar de uma reunião na qual foram definidos os
finalistas do Premio Ayrton Senna, que contempla os melhores trabalhos
jornalísticos sobre temas relacionados ao desenvolvimento humano. Saí de lá
muito animado com o que vi e ouvi.


Explico: ao contrário do que muitos colegas pensam e outros até dizem, o
Brasil continua produzindo exemplos de bom jornalismo em todas as mídias e
regiões do país. Fiquei bastante impressionado não só com as reportagens e
fotografias apresentadas, mostrando os dramas do Brasil na vida real, mas com as
coisas boas que também estão acontecendo país afora.


Os temas dos problemas diagnosticados são em sua maioria recorrentes –
trabalho infantil, prostituição, abandono, violência, mortes, doenças, falta de
moradia, o de sempre. A novidade para mim é que apareceu uma grande quantidade
de trabalhos revelando como a sociedade está se mobilizando para buscar soluções
– às vezes, em parceria com o poder público em seus diferentes níveis; noutras,
utilizando apenas seus próprios recursos. Gostaria muito, mas não posso dar
exemplos, porque me pediram sigilo (os vencedores somente serão anunciados em
maio).


O fato é que, apesar de tudo, a reportagem sobrevive. O que os finalistas,
entre os mais de 1.500 trabalhos inscritos, demonstraram é que em cada redação
ainda há profissionais motivados a sair à rua para descobrir histórias que não
estão na internet e não podem ser produzidas por telefone, independentemente dos
recursos oferecidos pelo veículo em que trabalham.


Produz-se muita coisa boa fora do eixo São Paulo-Rio-Brasília. Essa foi a
principal constatação feita pelos dez jurados, entre profissionais e acadêmicos,
no longo debate que se travou, ao final do encontro, sobre o atual momento da
mídia brasileira e as oportunidades abertas pelas novas tecnologias, agora com a
chegada da TV digital.


No caminho de volta para casa, me dei conta de que tinha mais uma vez mudado
de lado no balcão da vida, quer dizer, em lugar de estar concorrendo ao prêmio,
pela primeira vez estava julgando os outros. Nem tinha como participar: há mais
de quatro anos não escrevo uma reportagem. Pelas circunstâncias da vida, virei
mais um colunista, justo eu que vivia praguejando contra este modismo doentio da
imprensa brasileira.


No caminho de volta para casa, me dei conta de que não estava sozinho. Boa
parte dos profissionais da minha geração mudou de ramo, largou a reportagem. A
maioria virou chefe, assessor, publicitário ou colunista. Sem repórteres com
paixão pelo ofício, fica mais difícil fazer reportagens.


Talvez por isso há quem diga que a imprensa brasileira tem mais colunas do
que as antigas Roma e Atenas. Qualquer zémané hoje quer ser dono de uma coluna.
São cada vez mais raros os que, como José Hamilton Ribeiro e Clóvis Rossi, ainda
vão atrás dos fatos em vez de só ficar em casa navegando e comentando notícias
de segunda mão.


Chegam a ser comoventes os esforços de alguns colunistas para ajudar a
resolver o impasse tucano na escolha do seu candidato à presidência, tudo bem,
mas talvez o distinto público esteja mais interessado em saber de outros
assuntos, lugares e personagens.


Se os espaços e os recursos materiais e humanos investidos nas colunas fossem
revertidos para a reportagem em todos os veículos, certamente a gente teria mais
trabalho no julgamento do Prêmio Ayrton Senna já que aumentaria a concorrência e
o número de inscrições.


Em compensação, os leitores, ouvintes e telespectadores seriam mais bem
servidos de boas histórias. Teríamos mais Brasil real e menos Brasília oficial,
maior diversidade de assuntos e menor índice de especulação por centímetro de
coluna, mais novidades para contar e menos futricas de bastidores. Dá mais
trabalho, eu sei, mas senti uma saudade danada do tempo em que saía para
garimpar uma história e não tinha a menor idéia do que iria encontrar.


***


Ainda bem que, como as medalhas e as notícias por telefone, tudo tem o outro
lado. Ao começar a escrever aqui em NoMínimo, já faz um ano, descobri na prática
o que quer dizer interatividade. Nunca poderia imaginar, quando trabalhava nas
antigas mídias e, de vez em quando, recebia cartas de um leitor ou
telespectador, que a internet produzisse um retorno tão imediato e generoso.
Cresceu em progressão geométrica o número de emissores e receptores,
democratizando as informações num nível nunca visto antes.


Até o momento em que comecei a escrever esta coluna, 138 leitores do site
tinham enviado comentários à mensagem do estudante André Sobreiro, personagem
até então anônimo da coluna da semana passada (‘Susto na volta à escola’). Logo
cedo Sobreiro me escreveu para dizer que era ele um dos alunos citados na cena
que me chamou a atenção. Em seguida, começou um intenso debate na seção ‘Fala
leitor’, que ainda não terminou, sobre a questão da liberdade de opção sexual.


Sem entrar no mérito da discussão, já que numa tribuna livre tem de tudo, da
pior baixaria a sofridos depoimentos sobre a própria vida, uma coisa é certa.
Daqui para frente, quando se falar de formadores de opinião ou do poder da
mídia, há que se levar em conta que a internet já provocou uma verdadeira
revolução nas relações entre quem produz e quem consome informações.


Certos veículos e seus colunistas amestrados logo vão se dar conta de que já
não têm o poder de colocar nem derrubar ninguém da cadeira. Até porque, os
eleitores e contribuintes estão cada vez mais interessadas em saber o que,
afinal, está acontecendo. Querem eles próprios dizer o que pensam sobre o
assunto e não o que eu ou qualquer outro jornalista estamos achando ou querendo.


Prova disso é que no debate provocado pela carta de Sobreiro quase ninguém
fez referência à coluna ou ao seu autor – os leitores discutiram entre eles. O
que, convenhamos, é muito mais democrático do que o desfile de donos da verdade
exibido pelo colunismo que assola a nossa imprensa.’


JORNALISMO & CINEMA
Zuenir Ventura


Um jogo de sedução, 07/03/06


‘Como faço todo ano, vi a festa de Hollywood, desta vez até com maior
interesse porque tinha assistido a grande parte dos filmes premiados ou
indicados. Quem quiser informação tecnicamente abalizada, faça como eu e leia o
Ricardo Calil. Comigo vocês só terão os comentários de quem gosta, mas não
entende de cinema. A vantagem é que, como aquele que vai pela primeira vez às
corridas de cavalo e acerta apostando no vencedor, eu adivinhei o azarão.


Ou melhor, quase adivinhei. Há meses vi ‘Crash’ em Paris e voltei com a
sensação de que era um dos melhores filmes da safra. À medida que fui vendo os
outros concorrentes, essa opinião só se confirmou (agora quero rever com legenda
em português). O único que abalou minhas convicções foi ‘Capote’, e menos pelo
filme e mais pela genial interpretação de Philip Seymour Hoffman. Falei em
interpretação, mas o termo mais preciso talvez seja mimetização. De fato, o
espírito de Truman ‘baixou’ em Philip. Como é que ele conseguiu incorporar, já
não digo os trejeitos, mas aquela voz fininha e efeminada que não tem nada a ver
com a sua?


É claro que gostei também por deformação profissional. O Truman Capote de ‘A
sangue frio’, e é do autor e do livro que trata o filme, foi fundamental para
todos nós jornalistas e escritores ou jornalistas-escritores. Ele abriu um
caminho que até hoje é trilhado no mundo todo. É imensa a nossa dívida para com
o clássico que ele escreveu, inventando um gênero. De minha parte, em 1988, fiz
questão de registrar isso nos ‘agradecimentos’ de ‘1968 – O ano que não
terminou’.


Mas o que há de novo, pelo menos para o grande público, são as revelações
sobre o caráter de Capote – seu narcisismo, sua egolatria, seu cinismo, sua
mitomania – e seu comportamento ambíguo com os personagens da história que
narra, dois assassinos. Seu envolvimento afetivo com um deles (o filme não deixa
claro se foram a vias de fato, mas acho que vontade não faltou), suas mentiras e
manipulações são um caso extremo, uma situação-limite de uma questão ética que
persegue e atormenta todo jornalista: que distância (psicológica, emocional)
manter de seus personagens?


No livro ‘O jornalista e o assassino’, publicado aqui em 1990 pela Cia. das
Letras, a americana Janet Malcolm arrasa com a sua e a nossa profissão,
classificando-a de ‘moralmente indefensável’. Para ela, o jornalista ‘é uma
espécie de confidente, que se nutre da vaidade, da ignorância ou da solidão das
pessoas’. Ao fazer a crítica do livro, Paulo Francis não concordou e disse que
nesse ‘duelo de malandragem’ nem sempre o repórter ganha: ‘Com políticos e
outros profissionais experimentados em mídia, o jornalista perde’. Ele tinha
razão. Não consigo me lembrar, por exemplo, de uma entrevista em que Maluf
‘perdeu’.


Acho que mais até do que um ‘duelo’, as relações entre o jornalista e seus
personagens, entre o entrevistador e o entrevistado são de preferência um sutil
jogo de sedução em que em geral não há inocentes: cada parte tenta manipular a
outra.’


HQ
Bruno Soares e Vinícius Silva


O Carlos Zéfiro ianque, 10/03/06


‘Esqueça Barbarella ou até mesmo os catecismos do famoso Carlos Zéfiro. Por
quase três décadas, de 1930 até o começo dos anos de 1950, o que realmente
chocou quase os Estados Unidos inteiros foram gibis impressos em pequeno
formato, criados por desenhistas anônimos que satirizavam famosos personagens
das tiras de jornais da época. Pato Donald, Mickey, Hitler, Mussolini e até a
nossa Carmem Miranda não escaparam ao humor e foram retratados como pervertidos,
tarados e insaciáveis. Sem cores.


As tirinhas foram reunidas agora em quatro livros de bolso por Gonçalo Júnior
na coleção ‘Quadrinhos Sujos – Tijuana Bibles’ (da Comix Book Shop, cada
exemplar, com 96 páginas, custa R$ 39,00). O organizador dos quatro livrinhos
afirma que a idéia surgiu da afinidade com os quadrinhos undergrounds. ‘As
Tijuana-Bibles são as pioneiras, em todo o mundo, de uma ousada irreverência que
destoa bastante de uma sociedade tão conservadora e moralista como é a
americana. Ainda mais nas décadas de 1930 e 40, quando se cristalizou a paranóia
anticomunista que levaria à Guerra Fria’.


Nos Estados Unidos, diferentemente do Brasil, a polícia não tinha nenhuma
tolerância com os autores dos quadrinhos. O livro ‘A Mulher do Próximo’, de Gary
Talese, conta que muitos autores pornográficos passavam longas temporadas na
prisão. Os locais mais comuns de venda, segundo os historiadores, eram as
estações de trem, barbearias, zonas portuárias e áreas próximas às escolas.


Orgias cinematográficas


A edição brasileira foi pensada, num primeiro momento, como um único volume a
partir de uma coletânea lançada nos Estados Unidos. Com ajuda da internet, o
projeto cresceu. Gonçalo conseguiu comprar 250 livrinhos de um colecionador
americano.


E o sucesso já rendeu uma continuação. ‘A editora pediu mais e acabei de
entregar quatro livrinhos que estão sendo traduzidos e montados. Trarão somente
sátiras ao cinema. Por isso, serão denominados ‘Orgias em Hollywood’. No
primeiro, sátiras aos atores; no segundo, sátiras às atrizes; no terceiro,
sátiras aos desenhos animados e às comédias; no quarto, sátira ao show business
e aos seus bastidores.’


O lançamento da coleção reacende a discussão sobre liberdade de expressão:
você acha que a Disney autorizaria mostrar o Pato Donald transando com Mickey em
quadrinhos que circulavam principalmente nos locais de maior concentração de
pessoas? Alguns personagens dessas histórias:


Popeye – O personagem criado por Elzie Crisler Segar aparece em três
histórias (numa delas, como coadjuvante). O marinheiro é um superdotado,
insaciável, que acaba tendo de satisfazer também o amigo Dum-Dum (aquele
gordinho apaixonado por hamburguer), além de Olívia Palito e outras mulheres.


Hitler – Junto com Popeye, o ditador aparece em duas histórias. É retratado
com bissexual e, em uma das histórias, participa de um ménage à trois.


Mahatma Gandhi – O líder pacifista entra numa história em que não consegue
uma ereção.


Pato Donald – O personagem de Walt Disney também não escapou do humor ácido
dos desenhistas e, sem encontrar sua Margarida, acaba aliviando o tesão com um
amigo. Numa segunda história, atrapalha a relação entre Mickey e Minie.


Pafúncio – O personagem de George McManus cai na lábia de uma menina de vida
fácil.


Betty Boop – Criada por Max Fleischer e Dave Fleischer, Betty é retratada
como uma mulher que faz de tudo, de tudo mesmo, para conseguir um papel no
cinema.


Bíblia lá, catecismo aqui


Os historiadores divergem sobre o i nício da produção desses quadrinhos
pornográficos. Enquanto uns apontam como 1920, outros afirmam que as tirinhas
começaram a circular em 1930, mas o período mais intenso de sua produção foi
entre 1935 e 1945, principalmente durante a Segunda Guerra.


O termo Tijuana-Bibles surgiu em 1947, mas a condição de delírio coletivo e
de caça aos comunistas vinha desde a década de 1920. Havia a idéia de que os
comunistas usavam a pornografia para destruir a família e tornar as mentes mais
vulneráveis às idéias de Moscou. Na União Soviética, era difundida idéia
semelhante contra a sociedade de consumo dos imperialistas americanos. ‘Existem
várias versões sobre a origem do nome. A versão mais comum diz que, como nenhuma
gráfica queria imprimí-los, com medo da polícia, os originais eram levados para
a cidade mexicana de Tijuana.’ O primeiro contato de Gonçalo com esse tipo de
quadrinhos foi em 1987, quando a editora Marco Zero lançou uma pequena
coletânea.


Os autores das bíblias, em sua maioria, não eram identificados,
principalmente por causa da perseguição sofrida na época. Quando os trabalhos
eram assinados, os autores usavam pseudônimos. Apesar de tratarem de sexo puro e
simplesmente, não há semelhanças com os catecismos produzidos por Carlos Zéfiro
no Brasil nem mesmo com os mangás eróticos japoneses, o Hentai. ‘A única
semelhança com outros quadrinhos é o fato de serem pornográficos e terem o
formato bem parecido, além da impressão rudimentar’, diz Gonçalo.


Ele lamenta: ‘É um absurdo a quantidade de besteiras que especialistas em
Zéfiro escrevem por aí. Dizer que as Tijuanas-Bibles serviram de inspiração para
ele é absurdo. Não há evidências de ele que tenha tido contato com esse material
americano. Minha tese é que Zéfiro satirizava romances em quadrinhos produzidos
no México e publicados no Brasil pela Editormex – editora mexicana com filial no
país.’ O único exemplo semelhante apareceu em 1980, na Espanha, numa coleção de
quadrinhos pornográficos chamada ‘Dirties Comics’, publicada em uma revista.


Antigamente, a sátira era uma forma de contestação, de provocação, de desafio
à censura. Na década de 1980, por exemplo, artistas como Fernando Bonini e
Watson Portela satirizavam muito os personagens dos próprios quadrinhos,
ampliando o aspecto da pornografia, do humor sacana. Hoje, no Brasil, os
quadrinhos são meramente pornográficos, por questões diversas. Há um grande
temor dos editores quanto à onda de processos por danos morais em vários
segmentos. Isso, muitas vezes, está privando a opinião pública de ter uma
produção cultural mais reveladora e mais contestadora.


A sátira dos quadrinhos sujos deve ser interpretada em seu papel histórico de
levar à reflexão pelo riso, pelo ridículo das coisas. ‘Quem teria coragem de
fazer sátiras no Brasil à vida sexual dos políticos?’ – pergunta Gonçalo. ‘Nos
Estados Unidos, temos o famoso processo vencido pelo editor da Hustler, Larry
Flint, (retratado no filme ‘O Povo Contra Larry Flint’, de Milos Forman). Se
eles ocupam a mídia e torram nosso saco com um mundo de futilidades e
mediocridades, por que não sacaneá-los também?’


Vai passar algum tempo antes que o autor da coletânea de trabalhos americanos
possa pensar em algo semelhante no Brasil.’


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