Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A pauta que passou batida

Há um cadáver sobre a mesa da governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), mas a chamada grande imprensa não consegue enxergar. O morto atendia pelo nome de Marcelo Cavalcante, foi assessor da governadora no tempo em que ela era deputada federal e era chefe da representação do Rio Grande do Sul em Brasília. Apareceu boiando no Lago Paranoá, e a versão oficial é de que teria se suicidado, atirando-se da ponte Juscelino Kubitschek.


A imprensa gaúcha de maior visibilidade aceitou sem qualquer reserva a tese do suicídio, embora o personagem merecesse uma atenção maior.


Marcelo Cavalcante era uma das testemunhas cruciais no processo resultante da chamada ‘Operação Rodin’, que investigou fraudes e um amplo esquema de arrecadação ilegal de fundos no Detran gaúcho. Ele estava convocado para prestar depoimento ao Ministério Público Federal após o carnaval.


Seu cadáver foi encontrado no dia 17 de fevereiro, a terça-feira anterior ao carnaval. O enterro foi realizado rapidamente. Talvez com pressa demais para as circunstâncias que envolveram sua morte.


Falta de apetite


O governo gaúcho e a imprensa local anunciaram em uníssono que Marcelo Cavalcante foi induzido ao suicídio por conta de perseguições políticas.


O discurso é tão canhestro que não escapa até ao observador mais distraído a tentativa de jogar o cadáver no colo dos deputados do PSOL, que tentam estimular os jornalistas a prestarem mais atenção ao que pode ser um grande escândalo na administração Yeda Crusius.


O caso guarda algumas semelhanças com o assassinato do ex-prefeito Celso Daniel, de Santo André, região metropolitana de São Paulo.


Pouco antes de morrer, Cavalcante teria manifestado interesse em entrar para o programa de proteção de testemunhas do Ministério da Justiça. Mas nem de longe isso mereceu da imprensa qualquer menção. A não ser a Folha de S.Paulo, que dedicou alguma atenção ao acontecimento, o assunto parece incapaz de mexer com a curiosidade natural dos jornalistas.


Apenas alguns blogs acompanham o caso. Ninguém foi checar a autópsia, ninguém se interessou em saber se as câmeras da Ponte Juscelino Kubitschek gravaram o suposto suicídio, ninguém tratou de reconstituir os últimos passos do morto.


Estranho. Muito estranho.