Sunday, 12 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Os desafios do ensino no futuro

Primeiro, é necessário constatar a extraordinária velocidade das transformações por que passam em todos os segmentos sociais nos últimos tempos. São exemplo disto a comunicação digital ubíqua e a superação das barreiras temporais, os múltiplos formatos e a definitiva eliminação do horizonte comercial, no que ficou conhecido como a planificação do mundo. Em seguida, e fruto disto, é essencial observar as enormes transformações por que vêm passando a academia e o ensino com um todo nas últimas décadas. Isto posto, configura-se com um exercício interessante deslocar-se mentalmente para o passado recente (10 anos, por exemplo) e olhar atentamente para o futuro.

Quem poderia imaginar o que aconteceu neste tempo nas academias? Naquela época, a melhor pedagogia era o uso do giz e do discurso docente e restrita aos livros e cadernos e o acesso ao conhecimento ‘maior’ era difícil e, sobretudo, muitas vezes, inexistente. Naquele mundo analógico, mesmo nas capitais, quando o conhecimento consolidado estava restrito às raras bibliotecas que disponibilizavam hermeticamente seu precioso acervo, o conhecimento só era alcançado a partir da presença física do pesquisador, requerendo tempo expressivo deste para as colheitas desejadas.

Cerca de 15 anos atrás, a chegada do mundo digital e em tempo real rompeu com esta imobilidade e escancarou, a todos os interessados, as fontes do conhecimento em todas suas formas e sistemas. Esta transformação foi radical e primeiramente atingiu em cheio as universidades do primeiro mundo, mas está chegando rapidamente ao terceiro, segundo e primeiro níveis de muitas partes do globo.

Mecanismos de procura do conhecimento

Na sociedade moderna, justamente aquela cunhada como sendo a do conhecimento, o ensino vem sendo submetido a grandes choques e, por isto, todas as formas de escola devem estar atentas à inovação, uma vez que novos paradigmas estão definindo e delineando os modelos pedagógico-estruturais e, por tabela, da formação em toda parte, sobretudo aquela em nível superior. Neste cenário altamente desafiante, a evolução tecnológica, que disponibiliza um infindável leque de possibilidades de comunicação online – agora, substancialmente móvel – (no princípio do anytime, anywhere, anyhow), se viabiliza através dos dinâmicos, plurais e interativos recursos da comunicação digital que denotam uma realidade humana individual irrecusável e, consequentemente, acenam para a necessidade de uma diferenciada reformatação dos modelos e práticas para o ensino superior.

A avassaladora adesão social aos pressupostos do mundo digital indica que a sobrevivência futura das instituições de ensino dependerá destas aceitar isto na sua totalidade e investir corajosamente na direção de novas práticas educacionais. Um exemplo robusto é o do MIT (Massachusetts Institute of Technology), que desde setembro de 2003 disponibiliza abertamente os conteúdos de todas suas disciplinas através do MIT OCW (MIT OpenCourseWare). Estão ali acessíveis os programas, os textos, animações, vídeos, áudios, incluindo todas as conferências feitas por seus pesquisadores (ver também aqui). O princípio é o da pedagogia colaborativa, no melhor modelo das práticas descritas no livro Wikinomics, de Don Tapscott.

O cenário atual indica que, para sobreviver no futuro, é necessário rever o conceito de estruturação dos componentes programáticos e gerenciais das instituições, pois o ensino e conhecimento responsável devem se tornar multidisciplinares e multiculturais, como diz Mark C. Taylor (O Estado de S. Paulo, 03.05.2009, p. A27). No mundo digital, os mecanismos de oferta de caminhos sobre todo tipo de informação sofisticaram-se a partir da consolidação dos aplicativos digitais como os mecanismos de procura do conhecimento.

Qual é o papel da escola ‘tradicional’?

Nos últimos tempos, o Google tornou-se o buscador temático dos estudantes em praticamente todos os assuntos. Mas, além deste, indica-se a chegada de um mecanismo singular e que integra os conceitos de busca ‘inteligente’, num modelo referencial diferenciado. Trata-se do WolfranAlpha, mecanismo de procura que introduz o conceito de rede semântica, alicerçando-se na oferta de informações relevantes para o domínio teórico-conceitual e o aprendizado qualificado. Nestas, e nas vindouras conformações digitais, seguramente estarão residentes as novas formas de acesso e estruturação do conhecimento, desafiando sobremaneira a hegemonia das universidades na oferta de conteúdos. Afirma-se que, no futuro, todos aprenderão tudo, em todo lugar, com todos, sem tempo preciso (sentido real de life-long learning). É preciso refletir sobre isto.

Neste cenário, o surgimento das redes sociais inseriu nas relações humanas novas formas de relacionamento, entretenimento e produtividade e as dinâmicas que daí emergem revelam que novas formas de diálogo e aprendizagem aninham-se nestes mecanismos digitais de interação e trocas. Isso pode dizer muita coisa para as universidades, mesmo que estas se comportem conservadoramente muitas vezes. Para o economista austríaco Joseph Schumpeter, a inovação assusta, preconizando que a ‘substituição das formas antigas por formas novas de produzir e consumir’ requer uma ‘destruição criativa’ dos modelos anteriores, evitando o que ele definiu como sistemas que garantem a estabilidade do status atual dos trabalhadores, que recusam a inovação. Isto se aplica perfeitamente aqui, uma vez que as instituições de ensino são lugares sólidos para a manutenção dos territórios conquistados e do império dos ‘grupos de poder’.

Em outra direção, a atual estrutura das mídias sociais indica que a coletividade prefere e assina formas particulares de contato, onde trocas de imagens, de informação e de impressões tornam-se possíveis, amigáveis e dinamizadas. Neste cenário digital de alta frequência aninha-se o novo estudante, aquele ser que, em poucos anos, assumirá os postos disponibilizados pelo mercado e que ocupará os espaços de liderança nas empresas e os cargos de docência e de pesquisa. Definitivamente, este é um novo homem, tratando-se de um profissional que deve ser credenciado de outra forma. E aqui, uma constatação irrecusável: se o conhecimento está fácil e sedutoramente disponível a todos, em volume aterrador, nas pontas dos dedos, qual é mesmo o papel da escola ‘tradicional’, justamente aquela que requer a rendição dos discentes a quatro anos de frequência – e pagamento – de cursos em salas presenciais (com altos investimentos em deslocamento, reserva de horas, trânsito, custos outros etc.) em classes compostas por várias dezenas de estudantes?

Os cenários digitais da comunicação

Será que isto vai se manter no novo paradigma de acesso ao conhecimento e interações de toda ordem? Ou será que às escolas, como as conhecemos hoje, restará majoritariamente a tarefa de realizar exames ‘de ordem’ para a comprovação de domínio do conhecimento de alunos oriundos de amplo leque de formação (também oferecido por ela), a partir do acompanhamento dos programas online abertos a todos? A esta instituição restará unicamente a função de aplicar exames específicos e conferir os diplomas que certamente continuarão a ser exigidos? Esta é uma questão que afeta a todos hoje e merece muita atenção, pois a tecnologia já permite a simulação de experimentos (em plataformas digitais) sem que seja necessária a presença física do aluno, unindo, em tempo real, pesquisadores de várias nações, sem que estes tenham que sair dos seus laboratórios, no melhor desafio das ciências cognitivas. O EAD já é uma realidade e sinaliza um caminho irrecusável. Mas, os agrupamentos sócio-temáticos agora se dão de outra forma: o site de relacionamentos Facebook tem inscritos mais de 350 milhões de usuários, que postam 55 milhões de atualizações por dia e compartilham mais de 3,5 bilhões de arquivos entre si a cada semana. Por que não uma forma de ensino alimentada por uma universidade (afinal, elas não são redes sociais)?

Realço as infindáveis possibilidades da interação inter-humanos no processo ensino-aprendizagem em que sedimento esta reflexão (plataformas digitais), fato só permitido pelas tecnologias da comunicação mediadas pelos inebriantes artefatos do mundo atual. Na educação, a almejada troca docente-discente nunca se materializou plenamente no mundo analógico, na educação tradicional. E, do seu lado, a interatividade é plenamente viável no mundo digital, dada a extraordinária evolução dos recursos digitais e dos knowbots, que praticamente introduzem a web cognitiva via interpretação dos desejos humanos a partir dos seus comportamentos na rede. Quer dizer, em algum momento próximo, a educação vai ter que migrar pesadamente para os cenários digitais da comunicação como hoje se estruturam as redes tecno-sociais que fazem muito sucesso e são tão familiares a tantos. Quem sair na frente terá lugar garantido.

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Doutor em Comunicação pela ECA-USP, coordenador do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo