Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Se é uma droga, onde está o traficante?

O autor do texto ‘A droga da internet‘ deu um panorama detalhado e interessante sobre o potencial destrutivo da internet. Abordou temas relativos ao vício e aos viciados, mas silenciou em relação aos traficantes.

Onde há viciados, há também quem se aproveita economicamente do vício. Os jogadores sustentam donos dos bingos, dos cassinos ilegais e das máquinas de bingos. Os drogodependentes fazem a alegria dos donos de bocas-de-fumo. Quem lucra com os viciados em internet? Os portais, os programadores, os jornalistas ou os industriais de informática?

O problema do vício já havia chamado minha atenção. Ao resenhar A estrada do futuro (Bill Gates) afirmei que:

‘O desenvolvimento da estrada da informação poderia ter uma conseqüência possível que o autor não previu. À medida que a realidade seja substituída pela virtualidade os problemas sociais não deixarão de existir. Apenas serão esquecidos. Afinal as pessoas passarão a considerar que a única realidade real é a virtual e assim as desigualdades concretas não terão mais importância ao preço de uma conexão com a rede. De forma que, embriagadas, muitas pessoas poderão passar a vida toda alienadas. Alienadas, não por falta, mas paradoxalmente por excesso de informação. Como os marxistas explicarão este novo conceito de alienação?

O próprio autor adverte que a `RV será, sem dúvida, mais envolvente que os vídeo games, e viciará mais´. E por falar em vício, ao rememorar seu contato com os computadores na infância, Gates desabafa `Eu estava viciado´. Mais adiante admite que `Meu pai viciou quando usou um computador para preparar seu Imposto de Renda.´ A frase que melhor sintetiza esta questão – `Se você lhes der uma chance, é quase certo que será fisgado´ – não poderia ser comparada à mensagem subliminar que um traficante envia quando tenta seduzir alguém com as maravilhas proporcionadas pelas drogas?’ (ver aqui)

Dos fragmentos citados, podemos concluir que Bill Gates admitiu expressamente no livro A estrada do futuro que tinha consciência do potencial nocivo da realidade que ajudou a produzir mediante lucro. O vício como forma de alienação era para mim apenas uma cogitação intelectual. Mas agora, que Ivan Lessa afirma categoricamente que o vício em internet é uma realidade médica, as coisas mudam um pouco.

A responsabilidade dos exploradores dos outros vícios é criminal: traficar drogas e bancar jogo ilegal é crime. Os danos materiais e morais que eles produzem às suas vítimas pode ser uma decorrência das condenações criminais.

A resposta para uma questão singela

A exploração de atividades econômicas ligadas à produção do mundo virtual (fabricação de componentes, de placas de circuito integrado, de monitores, de processadores etc.; bem como a criação de softwares que possibilitam a navegação on-line, jogos, aplicativos, portais de internet etc.) são atividades lícitas, portanto não acarretam sanções penais. Mas isto não quer dizer que os produtores do mundo virtual sejam absolutamente irresponsáveis. A responsabilidade daqueles que obtêm lucro para criar o ambiente propício ao vício é uma decorrência da aplicação do Código Civil (e eventualmente do Código de Defesa do Consumidor).

A CF/88 confere a todos os cidadãos o direito de provocar uma decisão judicial. Os viciados brasileiros e seus advogados podem e devem recorrer ao Poder Judiciário. Aos juízes caberá dar uma resposta para esta singela questão: quem vai indenizar o dano produzido aos viciados e qual será o valor da indenização?

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Advogado, Osasco, SP