Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Com a palavra, o editor

Assim como o departamento de Pesquisas, os Cadernos de Jornalismo do Jornal do Brasil foram obra de Alberto Dines, um grande e inquieto editor que voltara de uma temporada nos Estados Unidos. Naquela época, meados dos anos 1960, ainda não era possível pressentir a revolução digital que traria um imenso impacto ao jornalismo, mas a intenção de Dines era melhorar a qualidade da informação e, simultaneamente, responder ao crescimento do jornalismo televisivo, especialmente o da Globo.

Costumo dizer que o Departamento de Pesquisas era um Google, avant la lettre. Era feito de papel, pastas e mais pastas com recortes de jornais, revistas, artigos não publicados. Enfim, tudo que era possível recolher sobre um determinado tema. A diferença era que, além de disponibilizar o material, o setor tinha redatores treinados para mergulhar naquelas pastas e sair com um texto sintético sobre o que de melhor havia nelas.

Durante algum tempo, tive a sorte de estar à frente do Departamento de Pesquisas e editar os Cadernos de Jornalismo. Não tínhamos metas precisas para cumprir. A tendência dos artigos era teórica. De um lado, autores influenciados pelos franceses que discutiam o papel social da imprensa, do filósofo Louis Althusser a estudiosos específicos do tema, como o sociólogo belga radicado na França Armand Mattelart. De outro, uma tendência mais influenciada pelos Estados Unidos, que tentava, por exemplo, com a ajuda da matemática, definir o índice de nebulosidade de um texto. Havia também uma abertura para profissionais brilhantes. Um dos convidados por Dines foi o repórter esportivo Oldemário Touguinhó.

Olhando para trás, não posso deixar de mencionar que poderíamos ter tratado melhor alguns temas. Um deles é o fotojornalismo e as múltiplas possibilidades de articulação entre o texto e a imagem. Nós admirávamos os grandes fotógrafos do Jornal do Brasil, o realismo que imprimiram às histórias com a opção pela luz ambiente e suas composições mais arrojadas.

Se pudéssemos começar de novo, talvez não tivéssemos nos concentrado tanto na filosofia da comunicação e na primazia absoluta do texto. Pensávamos que nossos textos seriam esquecidos, assim como as imagens cotidianas. Mas não foi o que aconteceu com o fotojornalismo do período.

Quanto à televisão, Dines não poderia imaginar outra tática além de qualificar-se para competir com a informação mais rápida e com as imagens em movimento.

Hoje, na internet, as mesmas pessoas que fazem os jornais podem fazer também seus vídeos. Textos, fotos e vídeos convivem num mesmo site. Estamos próximos de experiências de vídeos com múltiplas câmeras que transmitem a sensação de imersão no acontecimento filmado. Como reger essa orquestra e tirar dela os melhores resultados? Como, agora, com instrumentos mais poderosos, melhorar a qualidade da informação?

No fim dos anos 50, estudei a forma de contar histórias em Fraser Bond, no livro pioneiro Introdução ao Jornalismo (Agir, 1962). Ele nos ensinava a fazer o lead com seus cinco componentes: quem?, o quê?, onde?, como? e por quê? Com o tempo, foi necessário rever essa camisa de força. E, logo depois, o chamado novo jornalismo surgiu nos Estados Unidos com fórmulas mais audaciosas e próximas da novela.

No mundo digital, relatar histórias a bordo da nave multimídia é um desafio que está no ar, à espera de visionários do jornalismo do calibre de Dines. Hoje, todos podem usar esses instrumentos para contar uma história. Mas, por enquanto, só as empresas de comunicação reúnem os meios para apurar e checar os fatos. Daí sua importância. Ainda assim, a pergunta fica no ar: qual o horizonte profissional num mundo em que todos escrevem histórias, fotografam e gravam seus vídeos? O que fazer para alcançar mais qualidade?

O que era para ser a memória dos Cadernos de Jornalismo do JB, acabou sendo uma das pautas de reflexão sobre os rumos da atividade. Não importa. Era esse o espírito da coisa.

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Fernando Gabeira é escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro.