Monday, 13 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Esses perigosos teletubbies

Há alguns dias, o Google apresentou uma ferramenta advertindo seus usuários na China sobre as centenas de palavras e frases sensíveis que podem gerar mensagens de erro ou mesmo congelar o site [ver, neste Observatório, “Google cria ferramenta de alerta contra censura”]. O portal de notícias China Digital Times (CDT) compilou uma lista dos mais surpreendentes termos de busca. Eles dão um vislumbre da ampla variedade de coisas que os fiscais de internet no país não querem que os cidadãos leiam ou falem a respeito. Todos os termos destacados abaixo são considerados sensíveis.

Por que as autoridades chinesas estão preocupadas com palavras como “verdade”, “benevolência” e “tolerância”? Porque elas estão associadas ao movimento espiritualista proibido Falun Gong. Tenha cuidado com o termo “leão da neve”: é uma referência à bandeira do Tibete. E, claro, buscas por “conversações políticas sobre Taiwan”, “Xinjiang+independência”, ou “governo tibetano no exílio” produzem reações similares. Referências a dissidentes como Chen Guangcheng e Ai Weiwei podem tirar você da rede. O mesmo no caso de palavras como “Liu Xiaobo” ou o prêmio “Nobel da Paz” que ele recebem em 2010. Na verdade é bom evitar o termo “dissidente”.

Os censores chineses também não querem que os cidadãos pensem sobre “povo chinês comedor de criancinhas” ou “sopa de bebês”. Isso vale em dobro para “pornografia”, “Playboy” e “seios”. Outras palavras e frases também são perigosamente sugestivas por diferentes razões. A expressão “Blood House”, que se refere a despejos forçados na China, é um problema. Talvez porque poderia estimular a curiosidade sobre “reuniões”, “greves estudantis” e “movimentos populares”. Como esses eventos podem adquirir vida própria, isso pode levar os jovens a explorar as chamadas “três fugas” – do partido, da Liga Juvenil e dos Jovens Pioneiros –, o equivalente chinês no século 21 a “se ligue, sintonize e desencane”. E também pode levar os estudantes para a “praça pública”, provocar uma “rebelião”, um “golpe de Estado” ou até uma “revolução”. Esse tipo de coisa pode resultar numa “lei marcial”.

A “equipe de web censores”

Isso ocorreu, embora você não vá saber muito buscando por “Tiananmen” ou “homem do tanque”, nem entrando com “movimento estudantes+89”, ou “o que ocorreu em Pequim”. Afinal, esse tipo de insurreição espontânea pipocou em lugares como “Egito” e “Tunísia”, e isso despertou temores em Pequim de termos como “Jasmim+revolução”, uma “primavera na China”.

Insurreições à parte, meros constrangimentos políticos também soam o alarme. Buscas por “governador Bo Xilai” ou “Chongqing”, província que ele governou antes do escândalo que o derrubou, entram na lista, bem como Heywood, nome de família do empresário britânico que a mulher de Bo Xilai é suspeita de ter assassinado.

Depois temos Twitter e Facebook. Espere problemas se tentar uma busca por WikiLeaks+China. A CDT tem uma lista de tradicionais agitadores estrangeiros, como Voz da América e Rádio Livre Ásia. Aguarde mensagens de erro se investigar a “grande muralha eletrônica” do país, a “equipe de web censores” que ajuda a mantê-la funcionando, e Freegate, Dynapass ou Ultrasurf, ferramentas para aqueles que desejam “saltar a muralha eletrônica”.

Lista de palavras só aumenta

Entrar simplesmente com “Partido Comunista Chinês” pode criar dificuldades, sem falar em apelidos menos elogiosos como “Partido Inválido Comum”, ou “Partido da Tragédia Comum”, ou outros “vilões vermelhos” mais pitorescos.

É claro que as autoridades chinesas não desejam que seus cidadãos leiam Mein Kampf. Mas não dá para entender por que fecham a cara para um filme como Queime antes de Ler, dos irmãos Cohen. É mais fácil compreender o aspecto sensível de uma expressão como “melhor ator” quando se sabe que esse é um apelido jocoso para o premiê Wen Jiabao. Mas não devemos ficar muito curiosos sobre outra alcunha popular dele: teletubbie.

No conjunto, essas e centenas de outras palavras e frases mostram como é difícil “administrar” as comunicações num país de 1,4 bilhão de pessoas, mais da metade já online. Infelizmente para todos os interessados, essa lista de palavras e frases só vem aumentando.

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[Willis Sparks é analista do Eurasia Group, escreveu este texto para a revista Foreign Policy]