Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A “explosão da solidariedade”

Entender o que acontece no país tornou-se primordial: interna e externamente. A dificuldade reside, sobretudo, no fato de estarmos desestabilizando uma série de estereótipos ligados aos brasileiros.

O primeiro deles: o do “homem cordial”, descrito pelo sociólogo Sérgio Buarque de Holanda em 1936. A violência de alguns manifestantes e a combatividade frente aos policiais é uma “novidade”.Há de se pensá-la, mesmo que de forma isolada, como sintoma de um mal-estar social que se manifesta também verbalmente nas redes, como uma eclosão de um ressentimento prolongado.

Um segundo estereótipo em crise é – especialmente para os estrangeiros – o país do futebol indisposto com a Copa do Mundo. Por mais insólito que pareça, o maior adversário da Copa tornou-se a Educação e a Saúde. Os cartazes fazem o paralelo crítico: Futebol 5 x 0 Educação ou Transporte. Uma comparação que reclama por prioridades para o país.

O terceiro deles: o desinteresse pela política. A jornalista Miriam Leitão, em seu blog, confessou estar surpresa com a pergunta de sua empregada doméstica: o que é a PEC 37? Os brasileiros querem saber também o que é um Plebiscito, Constituinte, Projeto de Lei de Iniciativa Popular. Perceberam que, sob signos obscuros, escondem-se o destino de sua qualidade de vida e a impunidade dos mal feitos.

Potentes e imprevistos

Quase por fim, o estereótipo da forma dos movimentos sociais, conhecidos até então por sua organização partidária. Parece difícil entender as suas ligações espontâneas e desinteressadas. Tanto que os teóricos da conspiração de plantão não estão conseguindo encaixar, com sucesso, suas teorias e encontrar facilmente os “bandidos” desse filme. Mas por que é preciso ter um alvo para desqualificar? Deve ser porque sua ausência coloca em risco o próprio estereótipo do intelectual combativo e crítico.

Difícil assumir a “explosão da solidariedade” entre pessoas de classes distintas e orientações diversas que passam a apoiar, empaticamente, a demanda dos demais em uma corrente social contínua e com efeitos potentes e imprevistos.

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Isabelle Anchieta é professora universitária, mestre em Comunicação Social e doutoranda em Sociologia pela USP