Thursday, 16 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

A contagem de corpos de jornalistas

No dia 16 de fevereiro, diante de enviados do Comitê de Proteção de Jornalistas (CPJ) de Nova York e da Fundação para a Liberdade de Imprensa da Colômbia, o presidente Alvaro Uribe disse que seu governo é o único que conseguiu reduzir a quase nada o número de jornalistas assassinados por ano e deduziu que isso o converte em um dos maiores defensores da liberdade de imprensa na história nacional. A premissa é menos discutível do que a conclusão. No ano passado, ‘só’ foi assassinado José Everardo Aguilar por exercer seu ofício, e em 2002, primeiro ano do governo de Uribe, seis colegas tiveram a mesma sorte de Aguilar.

Os enterros de jornalistas, por mais dramáticos que sejam, não são um bom termômetro para a liberdade de imprensa. Como disse o editorialista Juan González, do Daily News, o número de zero mortes pode ser o sintoma de que os inimigos do interesse público já não precisam matar jornalistas.

A crítica para superar os erros

A tranquilidade para exercer o jornalismo sem medo de ser assassinado é um bom ponto de partida. Os colombianos olham com inveja o exemplo argentino. Em 1997, quando um personagem da máfia sentiu que sua influência na Casa Rosada permitiria que ele assassinasse um jornalista e passasse desapercebido, os jornalistas começaram a usar botton com o rosto do fotógrafo imolado (José Luís Cabezas) e a palavra ‘justiça’ em todos os eventos públicos e privados. Um ano e quatro meses depois do crime, após receber a primeira citação judicial para responder pelo crime, Alfredo Yabrán se autoimpôs a ‘pena capital’ com sua escopeta. A Argentina, que passou décadas de repressão militar, é um país onde hoje a sociedade civil e os jornalistas dialogam sobre o substancial da liberdade de imprensa: o livre acesso à informação de interesse público, a distribuição democrática da publicidade oficial, as garantias para sua independência etc.

Na Colômbia, esses são temas secundários. O México começa a disputar com este país a anti-honra de ser o país mais perigoso para os jornalistas e entram outros latino-americanos na lista, com violência similar. Ao contrário de outras nações, a Colômbia não está na lista global pela conjuntura de uma invasão russa ou norte-americana, uma ditadura ou pelo roubo de uma eleição (Geórgia, Ruanda, Nigéria, Iraque, Afeganistão, Argélia…). É, pode-se dizer, uma violência que nasce das atividades dos traficantes do ilícito e, como na Argentina, de suas relações com o poder nas esferas públicas.

Os dois principais jornais de Bogotá informaram, entre 1978 e 2001, o assassinato de 164 jornalistas. Este número eleva a média com que o CPJ começou a contabilizar a partir de 1992, de 72 mortos. A pergunta é se esses mais de 200 mortos são suficientes para criar a situação que González descreve, ou se a Colômbia é um país capaz de reclamar um ambiente de paz para exercer o bom jornalismo; sem os mortos (obviamente) e com um Estado que estimule a crítica e entenda que esta é uma ferramenta para superar os eventuais erros de suas políticas.

‘Pessoal de manejo e confiança’

Na Colômbia foram feitas ‘operações Cabezas’. Todos os jornais do país publicaram seu espaço editorial em branco, a propósito da morte do jornalista Guillermo Cano em 1986 e a Unesco batizou com seu nome o Prêmio Mundial de Liberdade de Imprensa. Em outra ocasião, mais de três milhões de pessoas foram às ruas homenagear Jaime Garzón, em 1999, em Bogotá. Mas o autor intelectual do assassinato deste jornalista nunca foi condenado.

O governo explica seu êxito com um programa de proteção, que fornece escoltas, colete à prova de bala, carros blindados, equipamentos de comunicação etc., a jornalistas em risco, que neste momento são 81 em todo o país. Este programa é uma herança do governo de Andrés Pastrana (1998-2002), ligada a desejos expressos dos doadores da cooperação internacional, que Uribe recebeu mais do que nenhum outro na história colombiana.

Ao terminar 2002, primeiro ano do governo Uribe, o Ministério do Trabalho havia autorizado a liquidação de 560 membros do ‘pessoal de manejo e confiança’ de meios de comunicação em Bogotá. Eram jornalistas de alto perfil em meios que fecharam ou diminuíram em conseqüência da crise econômica e da atual crise da imprensa.

Entrevistas na companhia de guarda-costas

Já falando de liberdade de imprensa, antes que por novos meios de comunicação, o vazio da crise de 2003 foi preenchido por serviços de televisão presidenciais que permitem ao governo fazer sua própria imagem, sem interferência da mídia, ao estilo que hoje é norma no neopopulismo latino-americano.

As organizações de liberdade de imprensa visitavam o presidente para expor sua maior preocupação: vários membros de seu gabinete (seus três chefes de inteligência e seu secretário-geral) estão sob investigação por possível relação com uma rede de agentes do governo que espionava jornalistas (e outros atores da política). Ao menos em um caso (o da investigadora da morte de Jaime Garzón), essa informação foi usada para aterrorizá-la (descrevendo a morte de sua filha) e parte da informação foi fornecida pelo guarda-costas que o governo dava a ela.

Os 81 protegidos estão felizes por entrarem nesta contabilidade como ‘jornalistas não assassinados’, mas não se sentem mais livres agora do que quando podiam ir ao trabalho em transporte público e fazer suas entrevistas na rua sem a companhia de guarda-costas.

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Presidente da Fundação para a Liberdade de Imprensa da Colômbia, recebeu o Prêmio Mundial de Liberdade de Imprensa do Comitê de Proteção de Jornalistas em 2002 e outros reconhecimentos por seus trabalhos de investigação e de defesa da liberdade de imprensa