Tuesday, 14 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Além da classe média

As mulheres de classe média liberadas para o mercado de trabalho estão enfrentando dificuldades em encontrar domésticas ou babás para tomar conta de seus filhos. A segunda liberação feminina é o tema de uma matéria publicada na UOL (14/7/2011), reproduzindo texto da BBC News. É interessante notar que esse tipo de assunto encontra espaço em outras mídias, e não na imprensa escrita. De acordo com o texto, a mão de obra sem especialização, que antes estava disponível para trabalhar na casa dos outros, agora está indo para a indústria e para o comércio.

Informa a matéria:

“‘As classes média e média alta se organizaram em função do trabalhador doméstico, que estrutura suas vidas e possibilita suas jornadas de trabalho’, diz Luana Pinheiro, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). De acordo com a pesquisadora, a migração de mulheres jovens para outros setores do mercado de trabalho formal tende a reduzir a oferta de trabalhadoras domésticas, mas a demanda continua alta. ‘Essa não-reposição (de profissionais na categoria) pode ter impactos muito profundos na sociedade. Se a oferta se tornar muito pequena, as famílias podem ter que se reorganizar e redistribuir as tarefas domésticas’, diz a socióloga. Famílias acostumadas à ajuda doméstica terão que encontrar novas maneiras de dar conta de cuidados com filhos, limpeza e alimentação, diz Pinheiro, e adotar uma divisão de tarefas mais equilibrada entre homens e mulheres.”

“Mais difícil”

Considerando estudos anteriores, que mostram que no Brasil a mulher ainda faz dupla jornada e raros são os homens que ajudam em casa, falar em segunda liberação da mulher ainda é prematuro. A menos que por liberação se leve em conta a melhoria de condições das mulheres que eram obrigadas a trabalhar como domésticas ou diaristas para ter alguma renda. Essas sim, na verdade, é que estão começando a se liberar, pelo menos do ponto de vista econômico. Só que, se valer o mesmo que para a classe média, elas continuarão a ter dupla jornada, piorada pelo fato de que em geral são sacrificadas com duas a três horas no trânsito, para ir e voltar de casa ao trabalho nas grandes metrópoles.

Para o economista Leandro de Moura, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), a queda no total de trabalhadores no setor de empregados domésticos – observada desde setembro nas seis principais metrópoles brasileiras – pode fazer com que o Brasil caminhe para uma realidade próxima à de países desenvolvidos: “A gente pode estar caminhando para uma tendência de grandes centros como Estados Unidos e Europa, de o serviço doméstico se tornar um serviço de luxo, mais caro”.

A matéria informa ainda que, segundo o DataPopular, instituto de pesquisa e consultoria em São Paulo, a renda de trabalhadoras domésticas teve crescimento acima da média nacional de 2002 para cá. Enquanto a renda do brasileiro médio aumentou 25%, a das domésticas subiu 43,5%. “Hoje, quem tem pouca educação está ganhando mais, e quem tem muita educação está ganhando menos”, diz Marcelo Neri. “Está mais difícil arcar com os custos de uma empregada doméstica, uma coisa pretensamente de classe média.”

Boa pauta

A esses fatores somam-se os direitos trabalhistas das empregadas domésticas. Em junho passado, uma resolução da Organização Internacional do Trabalho (OIT), integrada por 183 países, determinou que empregados domésticos devem ter os mesmos direitos básicos que trabalhadores de outros setores. Para os brasileiros mal-acostumados a pagar o mínimo que conseguem para as domésticas, será um choque ter que arcar com fundo de garantia, descanso remunerado de um dia por semana e pagamento de horas extras.

Resta ver como vai ficar a família diante da falta da “secretária doméstica” que permitiu, até agora, a saída das mulheres de classe média para o mercado de trabalho.

Está aí um bom tema para discussão na imprensa escrita, especialmente os suplementos e revistas feministas. Porque, sem empregada, suas leitoras terão muito menos tempo e disponibilidade para cuidar do cabelo, maquilagem, decoração, roupas da moda.

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[Ligia Martins de Almeida é jornalista]