Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Como não há diálogo, falta democracia

No Brasil, o termômetro do relacionamento do governo Lula com a imprensa subiu com o escândalo do mensalão. Do lado do Planalto, não faltou quem visse na enxurrada de denúncias o dedo conspirador da mídia para desestabilizar a administração petista. Não raro, o presidente defendeu-se do ‘complô’ vociferando em público contra os ‘maus jornalistas’.


Nesse imbróglio, o Brasil não está sozinho na América Latina. Nunca esteve. No continente, imprensa e poder sempre mantiveram relações perigosas. Abaixo do Rio Grande, a democracia é um valor recente, e ainda claudica para se afirmar. Em países como a Colômbia, é extremamente expressivo o índice de crimes contra a liberdade de imprensa. Desse clube da mordaça fazem parte ainda Cuba, México e Venezuela. Segundo a opinião de Gonzalo Marroquín, diretor do jornal Prensa Libre, da Guatemala, são esses três países que reúnem as piores condições para a atuação jornalística. Marroquín é também diretor da Sociedad Interamericana de Prensa (SIP). Foi nessa condição que ele participou, na Venezuela, de uma comissão que foi verificar in loco a situação da liberdade de expressão no país. Em Caracas, ele falou ao jornal El Universal (23/7).


Mau uso da publicidade


Ao partir para a visita, Marroquín afirmou que levava a sensação de que o governo Chávez não era intolerante. Mas, diante do que presenciou, foi taxativo: na Venezuela ‘não há qualquer espaço para o diálogo, apesar de sinais e diretrizes firmes nesse sentido. Essa é uma demonstração de que falta democracia’. Na ausência de diálogo de ambos os lados, toda a discussão se resume a ataques, o que leva a uma grande polarização na sociedade. A comissão que visitou a Venezuela concluiu que o acesso à informação oficial é ‘bastante restringido para meios ou jornalistas que não tinham posição pró-governamental’, e que o Estado utiliza a publicidade de seus organismos e seus recursos para premiar ou castigar os meios de comunicação, já tinha afirmado Marroquín ao jornal no dia 18.


Há, disse Marroquín, um ‘aumento da perseguição à mídia’, mas cuidando-se para que uma ‘fachada democrática formal’ seja mantida. Dessa forma, seriam mais afetadas as emissoras de rádio não-simpatizantes ao discurso chavista, por estarem as concessões nas mãos do governo. Atingir os veículos impressos seria mais difícil, pois pertencem à iniciativa privada.


Várias denúncias recaem sobre a política de Chávez. Há informações de mau uso da publicidade estatal, por exemplo, para pressionar os meios de comunicação a adotar a linha do governo bolivariano. Jornais de cidades do interior, como o Correo del Caroní, teriam mais dificuldades em resistir às pressões, por travarem uma luta de vida ou morte pelas verbas da publicidade oficial. Mas Marroquín exorta esses veículos a manterem suas linhas editorais, antes de capitularem. Contudo, ele não acredita que Chávez busque a eliminação absoluta de liberdade de expressão. O objetivo do governo venezuelano, segundo Marroquín, é ‘reduzir os espaços para manter a fachada de sua pseudo-democracia’.


Oposição lícita


A mídia venezuelana foi acusada de golpista por Chávez por perturbar a ordem estabelecida. Mas Marroquín rechaça esse argumento: ‘É o mesmo discurso de que têm se utilizado os governantes autoritários que pretendem se perpetuar no poder’, disse a El Universal. Para ele, o que há é uma tentativa de deter o fluxo de informação que mantém a opinião pública consciente dos seus direitos.


Nas últimas duas décadas, a América Latina registrou oito casos de deposição de presidentes, sendo um deles na Venezuela, no governo de Carlos Andrés Pérez, que esteve à frente do país nos períodos 1974-1979 e 1989-1993. Em todos esses casos, a estratégia de perseguição à imprensa, com o objetivo de neutralizá-la ou eliminá-la para ocultar delitos praticados pelas autoridades, foi uma constante.


Mas, apesar do cenário de guerra entre imprensa e poder, para Marroquín, a convivência de uma mídia independente com um governo como o de Chávez é viável, desde que os veículos adotem uma linha editorial clara. ‘Diante de um governo restritivo como o de Hugo Chávez, é lícito que a imprensa faça oposição’, afirmou.

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Jornalista, editor do Balaio de Notícias