Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Dano moral e responsabilidade objetiva

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por sua 8ª Câmara Cível, firmou um precedente reconhecendo a responsabilidade objetiva da imprensa e aplicando o art. 927 do Código Civil.

Trata-se da Apelação Cível 442493-3, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba – 6ª Vara Cível, em que foi relator o desembargador Jorge de Oliveira Vargas, conforme ementa que segue:

‘I. – Ação De Indenização Por Danos Morais.

II. – Notícia jornalística sobre morte de assaltante, com exibição de fotografia. Documentos do autor que foram furtados e encontrados no bolso do assaltante. Equívoco. Exposição indevida do nome e da imagem do autor.

III. – Atividade de risco. Ausência de qualquer diligência a respeito da real identidade do assaltante. Aplicação do art. 927, parágrafo único do CC. Enunciado 38 do CEJ. Responsabilidade objetiva.

IV. – O art. 49, caput, da Lei 5.250/67 não é impedimento para a aplicação do disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil quando se tratar de atividade de risco, dada a especificidade desta regra.

V. – Proteção da dignidade da pessoa humana. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Imposição de observância que alcança também os entes privados, principalmente quando entre eles há uma significativa diferença econômica, social e de influência.

VI. – Aplicação dos arts. 14 e 19 do Código de Defesa do Consumidor. Consumidor por equiparação.

VII. – Dano moral caracterizado. Pedido procedente. Valor da indenização: R$ 20.000,00.

VIII. – Recurso provido.’

Configura dano moral a publicação em jornal do nome e fotografia de pessoa, como assaltante, que teve seus documentos furtados, os quais foram encontrados no bolso daquele, sem que houvesse qualquer diligência no sentido de conferir a identificação, segundo o acórdão.

Insurge-se o autor/apelante do comando de sentença que, sob o fundamento de que a ré/apelada valeu-se única e exclusivamente da prerrogativa que lhe é assegurada pelo art. 220 da Constituição Federal, julgou improcedente seu pedido inicial de indenização de dano moral por exposição indevida de sua imagem em reportagem jornalística.

Sustenta, em síntese, que foi lesado em sua honra ao ver o seu rosto estampado em página policial, como se fosse um assaltante.

Extrai-se dos autos que o autor teve seus documentos furtados, os quais, dias após, foram encontrados no bolso de um assaltante que acabou sendo morto numa troca de tiros com policiais militares.

Direito de informar

Segundo o relator, na notícia jornalística intitulada ‘Assaltantes levam chumbo!’, destacado em negrito consta: ‘Luciano (detalhe), um dos mortos na tentativa de roubo’.

No corpo da reportagem, onde está estampada a fotografia do autor, se lê: ‘No bolso de um dos assaltantes foi encontrada a carteira de identidade em nome de Luciano Nórcio, 28 anos’. O autor sustenta que a sua imagem foi maculada em tal reportagem, fato que lhe causou danos morais.

Por outro lado, a ré/apelada sustenta que levou ao conhecimento dos leitores o relato de fato verídico, qual seja, a morte de dois assaltantes quando em confronto com a Polícia Militar, após tentativa de roubo de casa lotérica e que o documento de identidade do autor/apelante efetivamente estava na posse de um dos assaltantes mortos, conforme informação prestada pela autoridade policial.

Deste modo, resta evidente que não agiu com animus injuriandi ou caluniandi, apenas atendeu ao animus narrandi, essencial à atividade jornalística e excludente da responsabilidade indenizatória; que não constitui abuso no exercício do direito de informar, quando a notícia jornalística se limita a reproduzir fatos divulgados por autoridade policial; e que o apelante sequer procurou a apelada para retificar a notícia.

O recurso foi provido pelo relator e demais membros da Câmara; uma, porque na reportagem se afirma que Luciano era um dos mortos na tentativa de roubo, o que dá a entender que Luciano era um dos assaltantes; e duas, porque com tal reportagem, que inclusive estampa a foto do autor, este teve expostos, de maneira indevida, seu nome e imagem em jornal de grande circulação como assaltante, quando, na verdade, nenhuma ligação teve com o fato criminoso; três, porque a atividade jornalística, principalmente a de cunho policial, é uma atividade que por sua natureza coloca em risco os direitos de outrem, principalmente sua imagem, devendo, portanto, no caso, aplicar-se o contido no parágrafo único do art. 927 do Código Civil, que é um avanço em matéria de responsabilidade civil e que diz: ‘Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, (…) quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem’ e, a teor do enunciado 38 do CEJ: ‘A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade’ [Código Civil e legislação civil em vigor, por Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa, 26ª ed. atual. até 16 de janeiro de 2007. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 254, art. 927: 6.]; quatro, porque o art. 49 da Lei nº 5250/1967 não é impedimento para a aplicação do disposto no antes citado dispositivo legal, quando se tratar de atividade de risco, dada a especificidade daquela regra [Nesse sentido o Enunciado 377 do CEJ, quando se refere a indenização por acidente de trabalho, incorrendo dolo ou culpa do empregador, prevista no art. 7º, XXVIII da Constituição Federal: ‘O art. 7º, inc. XXVIII, da Constituição Federal não é impedimento para a aplicação do disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil quando se tratar de atividade de risco’. In Código Civil e legislação civil em vigor, citado, p. 254, art. 927 6, segundo Enunciado];

Precedente reclama reflexão

Cinco, porque também se impõe a aplicação da responsabilidade objetiva em razão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, no caso, a proteção da dignidade da pessoa humana, que coloca na posição de sujeito passivo os entes privados, principalmente quando entre os sujeitos há uma significativa diferença tanto econômica, como social e de influência, como no caso em mesa; seis, pelos limites impostos à liberdade de informação jornalística contidos no § 1º do art. 220 da Constituição Federal e a ponderação dos valores entre a liberdade de imprensa, visando ao lucro, e o direito de proteção a imagem, honra e vida privada do autor, cidadão comum e de bom conceito, devendo, por óbvio, aquela pesar em favor deste; sete, porque também são aplicáveis ao caso os arts. 14 e 29 do Código de Defesa do Consumidor, sendo o autor um consumidor por equiparação; oito, porque não demonstrou a apelada que estava impedida de um mínimo de diligência para constatar a veracidade do que ia noticiar a respeito do nome e imagem do autor; e nove, porque o dano moral, no caso, se presume, não se constituindo causa excludente o fato não ter procurado a redação para a retificação da notícia, principalmente tratando-se o autor de uma pessoa humilde, como relatado na inicial.

O precedente reclama uma reflexão!

Tivemos a honra de participar do julgamento e acompanhar o voto.

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Juiz de Direito em segundo grau do TJPR, mestre em Direito pela PUCSP, doutor em Direito pela UFPR