Saturday, 04 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Informação salva vidas e obriga governos a agirem

Erro médico pode vir até a matar. Assim alegam muitos jornalistas – que não possuem as responsabilidades pelas quais os médicos devem ser cobrados, pois não são responsáveis da mesma maneira pela morte das pessoas. Ledo engano, pois a ignorância mata no Brasil e no mundo muito mais, mas muito mais mesmo, do que os pretensos erros médicos. A mortalidade infantil por diarréia pode ser minorada enormemente apenas com os hábitos de higiene e saber que se pode ferver a água e os alimentos. Ou que ‘uma pitada de sal, uma colher de sopa de açúcar e um litro de água fervida’ vira um soro caseiro. Alguém duvida que isto salva milhões de vidas ao redor do mundo aonde nem mesmo médicos chegam? Apenas a informação faz isto.

Neste sentido, saiu na semana retrasada, no bbc brasil.com, o artigo de Cláudia Varejão Wallin, de Estocolmo, mostrando que ‘maior instrução amplia chances de sobreviver a câncer, diz estudo’. Pessoas com níveis de instrução mais altos têm maiores chances de sobreviver a diferentes tipos de câncer, segundo estudo divulgado por cientistas suecos. Apesar de que o tema seja sobre educação, não resta dúvida que a imprensa faça parte desta formação.

Mas existem grupos glamourosos na mídia que enchem os noticiários e a pressão contra o governo por medidas efetivas. Vejamos duas. O desastre aéreo faz parecer que a perda de brasileiros ocorre apenas para quem viaja de avião e qualquer quantia de recursos deve ser dirigida para aí. A segunda é a campanha do nosso ministro da Saúde, pautando a mídia, dando como alta a morte de mulheres por prática criminosa de aborto como um ‘problema de saúde pública’ para as mulheres. Ao pensarmos que pretendia melhorar a qualidade precária da assistência, o mesmo surpreende e visa apenas a ‘encampar’ o trabalho dos aborteiros, realizando a ‘solução final’ dentro das unidades de saúde. Pode? E a mídia repercute sem maiores questionamentos, inclusive aqui no OI, aceitando a versão e a pauta.

Assassinatos e suicídios

Mas vejamos os dados do DATA SUS: Óbitos p/ocorrências segundo Região Grupo CID10: Gravidez que termina em aborto; morte gravidez/puerpério; óbitos maternos durante a gravidez, parto ou aborto. Período: 2005: 85 mortes. (Entre espontâneos e provocados.) No entanto, informa o IBGE, nossas famílias possuem um número médio de pessoas por domicílio que caiu de 3,9% em 2000, quando foi realizado o último censo, para 3,5% dos moradores em 2007. No meio rural, a diminuição no tamanho das famílias foi mais acentuada. Ali se observa uma redução na população infantil. Ou seja, estamos em vias de estagnar a população e faltarem brasileiros no futuro para manter o país funcionando e sustentando a população de idosos daqui alguns anos. E se propõe, por uma agenda de pseudo-modernidade, a encampação estatal da eliminação dos futuros cidadãos que necessitaremos.

A partir de 2001, observou-se uma reversão da tendência de queda da mortalidade por acidentes de transporte terrestre. A mortalidade voltou a subir. Parece que o impacto do código de trânsito, que não foi muito grande, está passando. Foram 33.437 óbitos por acidente de transporte em 2003 e 35.460 em 2004. No entanto, morrem brasileiros no trânsito todos os anos, e não somente 350 em dez meses. Óbitos p/acidentes transporte, segundo Unidade da Federação. Período: 2004: 35.674, sendo 6.609 femininos.

Neste ano, 3.831 mulheres foram assassinadas e 1.706 suicidas obtiveram êxito. Óbitos p/AIDS segundo a Unidade da Federação. Sexo: Feminino. Período: 2004: 3.562 mulheres. Casos confirmados, segundo Unidade da Federação, de hepatite C. Período: 2005: 5.231 mulheres em 13.261 óbitos.

Aumento insignificante

Casos confirmados, segundo Unidade da Federação, de hepatite B. Período: 2005: 14.681. Portanto, no ritmo de (13.261 + 14.681) 27.942 descobertos por ano, quantos séculos levará o Ministério da Saúde para identificar todos os portadores de hepatite, para orientá-los, acompanhá-los e tratá-los a tempo para prevenir os danos terríveis ao fígado (cirrose e câncer)? Casos novos de AIDS, segundo Unidade da Federação. Período: 2005: 27.712, sendo 11.418 mulheres. Assim morrem anualmente pacientes hepáticos por cirrose e câncer tratáveis, que não preocupam a mídia e nem cobram do nosso ministro ações da qual o Ministério se omite totalmente. Vejam-se as campanhas tímidas pelas mortes no trânsito, pela conservação das estradas e as inexistentes atitudes médicas para as vítimas anuais de hepatite. Estradas também devem ter conservação e aderência de pista para salvar vidas de quem por elas circula.

Existem no Brasil 600.000 infectados com o HIV. O número de infectados com as hepatites B e C é dez vezes superior, chegando aos seis milhões. Um em cada trinta brasileiros está infectado com uma das duas hepatites, segundo a OMS.

Em 2006, 180.000 pacientes HIV positivos estavam recebendo tratamento para AIDS, representando aproximadamente um em tratamento entre cada três infectados com HIV/AIDS. Em 2006, o SUS ofereceu tratamento para as hepatites B e C a aproximadamente 12.000 pacientes, o que representa que somente 1 em cada 500 infectados recebeu tratamento para hepatite crônica.

Em 2007, segundo a coordenadora do Programa Nacional de Hepatites, em depoimento na Câmara de Deputados no dia 15/05/2007, o SUS somente poderá oferecer 11.000 tratamentos para hepatite C e menos de 2.000 para hepatite B. Um aumento insignificante.

Medidas mais responsáveis

Em 2006, o governo gastou 1.1 bilhão de reais em medicamento para tratamento de AIDS e mais de 200 milhões em campanhas. Em relação às hepatites, foram gastos 200 milhões em medicamentos e absolutamente nada foi destinado a campanhas para as hepatites.

O orçamento do Programa de AIDS para 2007 é de 1,2 bilhão. O orçamento para o Programa de Hepatites é de 9 milhões de reais (ambos não incluem os medicamentos).

Podemos resumir a situação falando que a epidemia das hepatites B e C é dez vezes superior à de AIDS, mas recebe recursos infinitamente menores do governo.

Enquanto 1 de cada 3 infectados com HIV/AIDS recebe tratamento, somente 1 de cada 1.000 infectados com a hepatite B, ou 1 de cada 400 infectados com a hepatite C recebem tratamento pelo governo. Fica evidente que existe desconsideração para com os infectados com as hepatites B ou C.

A hepatite C atinge, segundo a Organização Mundial da Saúde, até 4,5 milhões de brasileiros, mas, pela omissão dos governos e dos responsáveis pelas políticas de saúde, somente 150 mil sabem que estão doentes. Por culpa desta omissão, mais de quatro milhões de brasileiros estão caminhando para a perda de seu fígado e, entre estes, um milhão vai morrer nos próximos 10 anos por cirrose ou câncer no fígado. Saber que se pode ter a doença, saber onde ir e que direitos se tem para exigir a sua cobrança é um papel da mídia, que salva vidas tanto quanto a prevenção e o tratamento medicamentoso. Sem a pressão da mídia, a saúde vai melhorar ou precisaremos de um desastre como o de Congonhas na saúde para despertá-la e fazer os governantes tomarem medidas mais responsáveis do que discursos midiáticos apenas?

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Médico, Porto Alegre, RS