Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornal ‘La Hora’ se rebela contra o controle do governo

Um dia depois de ter se declarado em resistência ao decidir não pagar a multa de 3.540 dólares (10.600 reais) imposta pelo órgão de controle dos meios de comunicação do Equador por não difundir a prestação de contas do prefeito de Loja (cidade ao sul do país), a Redação do jornal La Hora fez uma pausa e seus jornalistas contaram na mesa de reuniões o que escutaram nas ruas. “Dizem que o Governo quer nos quebrar… nos felicitam por nossa coragem… há muito apoio”. O editor-geral, Luis Vivanco, declara sobre a rebeldia: “Se não tivéssemos nos declarado em resistência, teríamos aceitado que o poder político imponha os conteúdos e isso seria nefasto para todos que fazem jornalismo”.

A multa que a Superintendência de Comunicação impôs ao La Hora na quarta-feira (13/5) se apoia na Lei de Comunicação, que castiga a “omissão deliberada e recorrente da difusão de temas de interesse público”. O jornal, no entanto, entregou um expediente com 79 matérias jornalísticas sobre a gestão do prefeito de Lojas que tinham sido publicadas dois meses antes do ato político que não foi coberto.

O caso teve um antecedente em 2014, quando o presidente Rafael Correa mostrou que El Comercio, El Universo e La Hora publicaram notas muito breves sobre sua visita ao Chile em maio. Em seu programa semanal, La Sabatina, disse: “Organizem-se, denunciem, estão nos roubando o direito de informação… Eles (a imprensa) prestam um serviço público de informar… é algo que ninguém pode tirar de nós. Devemos reagir, povo equatoriano!”. Em seguida, o Observatório Cidadão da Comunicação, próximo ao Governo, fez a denúncia, mas o caso não avançou.

O debate agora está concentrado no que deve ser considerada informação de interesse público. O Tribunal Constitucional pediu ao Conselho de Regulamentação da Comunicação (CORDICOM) que adote uma definição. Algo que não aconteceu até o momento. “Juntamos observações, propostas, para fazer nossa normativa. Não nos reunimos entre quatro paredes para decidir”, comenta o presidente do Conselho, Patricio Barriga.

O advogado do La Hora, Santiago Guarderas, questiona a multa sem que o CORDICOM tenha mostrado os parâmetros do que é informação de interesse público. “O conceito é indeterminado, amplo e dinâmico, e para evitar a arbitrariedade das autoridades, deveria estar normatizado. Sem isso, há uma violação da segurança jurídica”, afirma.

O jornal La Hora e suas filiais receberam mais de dez denúncias. Pagaram à Superintendência de Comunicação cerca de 14.000 dólares (42.000 dólares) pela divulgação antecipada de critérios judiciais em dois casos policiais. Vivanco conta que em uma matéria chamaram de “narcotraficante confesso” um policial que admitiu seu crime para reduzir sua pena. Em outra chamaram de “arma homicida” a faca com a qual um delinquente assassinou um taxista sendo que existia um vídeo vazado pela Polícia que não deixava dúvidas. “Somos multados pelo que publicamos e agora pelo que não publicamos. Isso é incrível”, fala Vivanco.

La Hora já havia se declarado em resistência em março passado, quando se negou a pagar uma multa de 1.770 dólares (5.300 reais) por não ter identificado como publicidade a carta aberta escrita por um representante do Conselho de Participação Cidadã a Rafael Correa. Desde então a situação do jornal não tem sido fácil. Os jornalistas têm cada vez mais dificuldade para trabalhar. “É um ambiente de pressão, você se cuida muito mais, no momento de escrever precisa se cuidar porque não sabe em que ponto podem atacar”, conta Andrea Grijalva, que cobre saúde e educação. “É bonito defender o jornalismo, mas quando as regras do jogo não são claras, pensamos duas vezes antes de escrever algo ou de fazer certas perguntas”.

As fontes oficiais estão fechadas para os jornalistas do La Hora. O editor nacional do jornal, Alexis Serrano, conta que “uma fonte do Estado é sempre hostil”. Adriana Bucheli, que cobre economia, conta algo mais específico: “O Ministério da Agricultura demorou 23 dias para me dar uma informação, eu só pedia o volume de frutas e os hectares plantados em Tungurahua (província agrária do centro do país), mas me jogaram de um lado para o outro. Depois pediram que eu mandasse um e-mail para um dos assessores do ministro. Ele me respondeu com outro e-mail no qual, ironicamente, dizia: ‘como todo bom jornalista, deveria procurar a fonte’”.

O órgão de controle da mídia, em seu relatório de 2014, afirmou que havia emitido 113 sanções contra os meios de comunicação. A maioria tinha sido advertências escritas e pedidos de desculpas públicas e retificações. Mas também há multas por não publicar as retificações, por não publicar a tiragem, por não entregar cópias dos programas, por não etiquetar o tipo de conteúdo jornalístico (informação, opinião, entretenimento ou publicidade), por tomar postura institucional e por publicar conteúdos discriminatórios ou restritos como os relacionados a menores de idade.

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Soraya Constante, do El País, em Quito