Tuesday, 14 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

O sigilo na imprensa

O sigilo da fonte de informação é considerado fundamental para que a imprensa obtenha informações completas e precisas sobre questões de interesse público, que em alguns casos seriam mantidas parcial ou totalmente ocultas para proteger interesses ilegítimos. Há hipóteses em que, ao contrário disso, o sigilo dá proteção a quem fornece as informações – e assim colabora com o interesse público –, e que não se disporia a fazer as revelações sem essa espécie de proteção.


Sob esse ângulo, pode-se considerar justificável o sigilo da fonte, desde que não implique a colaboração para acobertar um autor da prática de ilegalidades. Entretanto, há outra espécie de sigilo que é altamente questionável e que, no entanto, é comum na imprensa brasileira: é o sigilo quanto à identidade do autor de uma informação ou opinião sobre matéria de interesse público, mantendo-se o sigilo porque a fonte é inadequada e a revelação de sua identidade revelaria a quebra de princípios éticos ou jurídicos.


Vedação legal


O caso mais chocante de sigilo inconveniente, ou até mesmo contrário ao interesse público, é a publicação de opiniões, ocultando a identidade dos autores mas informando sua qualidade de juízes ou ministros de tribunais superiores, sobre problemas já submetidos ao julgamento de uma instância judiciária, ou que, por sua natureza e amplitude, apresentem grande probabilidade de questionamento perante o Judiciário. Desse modo, membros do Judiciário, imprudentemente, adiantam sua opinião sobre questões que poderão ser objeto de futuras decisões judiciais, inclusive questões que eles próprios poderão ser chamados a decidir, criando assim uma expectativa de decisão que poderá não ser confirmada – contribuindo, desse modo, para avaliações negativas do Judiciário.


Uma das inovações ocorridas ultimamente na imprensa brasileira é a ampliação do espaço dedicado a questões jurídicas, incluindo polêmicas travadas no Judiciário. Pode-se dizer que essas questões são de interesse público e por isso é importante que o público seja bem informado. Entretanto, a publicidade, nesses casos, pode apresentar um aspecto negativo muito grave, que precisa ser ressaltado como advertência: o risco da tentação da publicidade e do exibicionismo dos juízes, da exposição excessiva, inadequada à natureza e às implicações das questões judiciais


Exemplo bem expressivo da impropriedade da publicação de opiniões, resguardando o sigilo, ocorreu recentemente, com relação às acusações de corrupção feitas contra o governador do Distrito Federal. A publicidade em torno desses fatos correspondia ao interesse público, mas talvez pelo fato de se tratar do Distrito Federal, onde está sediado o Supremo Tribunal Federal, alguns órgãos da imprensa divulgaram opiniões de ‘ministros do Supremo Tribunal’ sobre aspectos jurídicos e políticos ligados ao assunto.


O fato de se dar publicidade a opiniões atribuídas a ministros da Suprema Corte, sem revelar a identidade dos opinantes, contém aspectos negativos graves. Em primeiro lugar, tendo em conta as intensas implicações políticas da matéria, pode-se questionar a autenticidade das informações e indagar sobre a intenção dessa publicidade, pois não é normal que magistrados opinem sobre questões que, com grande probabilidade, poderão ser futuramente submetidas ao seu julgamento.


Os ministros que opinaram estavam antecipando o seu voto, já definindo uma posição, sem terem todos os elementos que deverão ser coligidos num processo judiciário formal, no qual deverão decidir. O prejulgamento teria como conseqüência afastá-los do julgamento, por terem opinião preconcebida, mas o sigilo quanto à sua identidade contribui para que eles desrespeitem essa vedação legal e participem futuramente do julgamento, que não será imparcial, pois já tinham a conclusão antes de conhecer os elementos do processo.


Atributos indispensáveis


Cabe lembrar aqui um dos ‘Conselhos aos Juízes’ dados por Levi Carneiro (1882-1971), uma das grande figuras da magistratura brasileira:




‘Nunca comunique antecipadamente, a ninguém, nem mesmo a outros juízes, o seu voto; que ninguém possa contar com ele previamente, a não ser por confiar no seu direito’.


Assim, pois, em respeito aos princípios fundamentais que regem o desempenho do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito, a imprensa não deve buscar, por antecipação, a opinião de juízes sobre questões que poderão ser submetidas formalmente à apreciação do Judiciário. E se procurados os juízes não deverão manifestar sua opinião, mantendo a reserva que é necessária para sua imagem de imparcialidade e independência, atributos indispensáveis para preservação da autoridade do Poder Judiciário.

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Jurista, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo