Tuesday, 03 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Organizações criticam proposta para gestão

Importantes entidades da sociedade civil, entre movimentos sociais, centrais sindicais e organizações não-governamentais que lutam pela democratização da comunicação, divulgaram na sexta-feira (24/8) manifesto com fortes críticas à proposta para o modelo de gestão da nova rede pública de televisão, batizada de TV Brasil.

As organizações reivindicam o cumprimento dos princípios da Carta de Brasília – documento final do I Fórum de TVs Públicas – que estabeleceu as diretrizes para a criação da nova emissora. A principal crítica se refere à proposta do ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação Social (Secom), de que tanto o conselho gestor quanto a diretoria-executiva da TV Brasil sejam indicados pelo presidente da República.

Ocorrido em maio deste ano, o I Fórum de TVs Públicas reuniu governo federal, emissoras públicas, comunitárias, educativas, legislativas e universitárias e entidades e organizações da sociedade civil em torno da iniciativa de fortalecimento das TVs não-comerciais e da proposta de criação de uma rede pública nacional de rádio e televisão. O resultado foi a Carta de Brasília, documento produzido a partir do consenso entre todos os participantes do evento e que estabelecia as diretrizes para a formação da rede. No que se refere à gestão da emissora, além de afirmar que o conselho não deve ter maioria de membros do governo, há a recomendação explícita de que o conselho gestor seja composto por representantes da sociedade.

Segundo o texto do manifesto, ‘com um conselho indicado pelo presidente, a TV pode, ao nascer, perder sua autonomia e independência, objetivo maior de uma emissora que se pretende pública. Não é a mera existência de um órgão gestor que confere à emissora este caráter. É preciso que ele seja plural e representativo, preservando a independência em relação a governos e ao mercado, funcionando com base na gestão democrática e participativa’. De acordo com as organizações, apesar das declarações do ministro Franklin Martins e do presidente Lula garantirem retoricamente que a TV ‘não será chapa-branca’, a decisão, em vias de ser tomada, de formar um conselho de ‘personalidades representativas da sociedade’ escolhido pelo presidente, coloca seu caráter público irremediavelmente em risco.

Espaços de participação

O receio do governo federal de que seria impossível determinar uma real representatividade na sociedade, para além dos ‘interesses corporativos’ não tem, segundo o manifesto, justificativa, pois apenas assegurando a pluralidade é que se pode diminuir a possibilidade de contaminação por interesses particulares. ‘O conselho deve ter compromisso com a sociedade e responder a seus interesses, refletindo as diversidades regional, de gênero e étnico-racial brasileiras. Também é legítimo e positivo que a sociedade tenha interesses diversos; o desafio é tê-los todos contemplados num espaço representativo. Não há dúvida de que quanto mais diversos forem os grupos representados, mais diluídos ficam os possíveis interesses particulares’.

O manifesto também aponta possibilidades e alternativas ao modelo de gestão proposto pelo governo. Segundo o texto, o governo deve buscar em outras estruturas do Estado exemplos para a composição do conselho. Modelos como os Conselhos Nacionais de Saúde e de Cidades, escolhidos através de eleições diretas ou em Conferências, podem servir de base para a resolução da polêmica da representação. ‘Os exemplos brasileiros de espaços de participação da sociedade mostram que tais estruturas devem ser compostas de forma ampla e plural a partir da divisão por segmentos da sociedade e processos democráticos de escolha, seja por Conferência ou por eleição direta. Isso já acontece em outras estruturas que também enfrentaram o desafio de buscar mecanismos de escolha de representantes do conjunto da sociedade’, afirmam as organizações que aderiram ao manifesto.

A seguir, a íntegra do manifesto e as entidades que o subscrevem.

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Pela gestão democrática da nova TV pública

Em 2006, o governo federal deu início a um importante processo de fortalecimento do campo público de televisão, iniciativa apoiada pelas emissoras educativas, universitárias, legislativas e comunitárias, pelas organizações da sociedade civil defensoras da democratização das comunicações, pelos trabalhadores em comunicação e pelos produtores audiovisuais independentes. Tal processo culminou no I Fórum Nacional de TVs Públicas, realizado em maio deste ano, e com a conseqüente assinatura da Carta de Brasília. O documento final do encontro apontou os princípios para a constituição de uma efetiva rede pública de rádio e televisão, assim como para o fortalecimento das emissoras não-comerciais brasileiras. 

Desde a realização do Fórum, a implementação das diretrizes da Carta de Brasília concentrou-se na Secretaria de Comunicação Social (Secom), coordenada pelo Ministro Franklin Martins, que foi incumbido pelo presidente Lula de liderar o processo de criação da TV Brasil, nome provisório da nova instituição. Na continuidade deste processo, à intenção já anunciada de fusão das estruturas da TVE e da Radiobrás, somam-se questões fundamentais ainda em discussão, como as formas de financiamento e o modelo de gestão da nova emissora. 

As organizações abaixo assinadas julgam positiva a continuidade do processo de implementação da TV Brasil, instituição necessária para um país que almeja desenvolver sua democracia e garantir a prevalência do interesse público nas comunicações, assim como apóiam a intenção de fortalecer a produção audiovisual independente e regional. Da mesma forma, assistem com simpatia ao intuito de estabelecer uma estrutura horizontal de rede e de incentivar um processo de desvinculação governamental das emissoras educativas estaduais, dotando-as tanto de financiamento livre de contingenciamento quanto de mecanismos democráticos de gestão. 

É com grande preocupação, entretanto, que acompanhamos a intenção da Secretaria de Comunicação Social de estabelecer mecanismos de gestão vinculados exclusivamente ao Executivo federal. Segundo a proposta da Secom, tanto o conselho gestor da TV Brasil (responsável por zelar pelo cumprimento das finalidades públicas da instituição) quanto a presidência da nova emissora seriam indicados diretamente pelo Presidente da República, sem qualquer necessidade de aprovação por órgão independente.

Consideramos que um modelo de gestão baseado em um conselho composto por ‘personalidades’ indicadas pelo Presidente da República – ainda que os representantes do governo sejam nele minoria e independentemente dos membros escolhidos – é diametralmente oposto ao acúmulo histórico sobre formas de representação da sociedade em espaços onde há a busca pela desvinculação de interesses exclusivos de governos. 

Com um conselho indicado pelo Presidente, a TV pode já nascer sem autonomia e independência, objetivo maior de uma emissora que se pretende pública. Não é a mera existência de um órgão gestor que confere à emissora este caráter. É preciso que ele seja plural e representativo, preservando a independência em relação a governos e ao mercado, funcionando com base na gestão democrática e participativa. 

Acreditamos que a ousadia e coragem que o governo teve ao propor a TV pública devem permanecer na escolha de seus mecanismos de gestão. O conselho deve ter compromisso com a sociedade e responder a seus interesses, refletindo as diversidades regional, de gênero e étnico-racial brasileiras. Também é legítimo e positivo que a sociedade tenha interesses diversos; o desafio é tê-los todos contemplados num espaço representativo. Não há dúvida de que quanto mais diversos forem os grupos representados, mais diluídos ficam os possíveis interesses particulares.

Há modelos consolidados em outras áreas do Estado que devem servir como referência na construção da proposta para a gestão da TV Brasil. Os exemplos brasileiros de espaços de participação da sociedade mostram que tais estruturas devem ser compostas de forma ampla e plural a partir da divisão por segmentos da sociedade e processos democráticos de escolha, seja por Conferência ou por eleição direta. Isso já acontece em outras estruturas que também enfrentaram o desafio de buscar mecanismos de escolha de representantes do conjunto da sociedade. Da mesma forma, deve haver mecanismos de controle social para que os cidadãos e cidadãs possam dialogar e demandar de seus representantes.

Mais do que propor o exato modelo de gestão da nova instituição de comunicação pública, as organizações abaixo-assinadas reivindicam o respeito aos princípios estabelecidos na Carta de Brasília e entendem que qualquer proposta que dê ao Executivo federal a prerrogativa de indicar a totalidade dos membros do Conselho Gestor da nova TV Brasil comprometerá seu objetivo primeiro de consolidação de uma efetiva rede pública no país. [Brasil, 24 de agosto de 2007]

Assinam, até o momento: 

Entidades de atuação nacional

1. ABONG – Associação Brasileira de ONGs
2. Abraço – Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária
3. Amarc Brasil – Associação Mundial de Rádios Comunitárias
4. AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras
5. ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância
6. Apoinme – Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e EspíritoSanto
7. Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras
8. Campanha pela Ética na TV – ´Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania´
9. CEERT – Centro de Estudos das Relações do Trabalho e da Desigualdade
10. CENARAB – Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira
11. Cendhec – Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social
12. CCLF – Centro de Cultura Luis Freire
13. Cimi – Conselho Indigenista Missionário
14. CMP – Central de Movimentos Populares
15. Coiab – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia
16. presidência da CONAM – Confederação Nacional das Associações de Moradores
17. Conlutas – Coordenação Nacional de Lutas
18. Conselho de Iyálórisás
19. CUT – Central Única dos Trabalhadores
20. Enecos – Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social
21. Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas
22. Fitert – Federação Interestadual dos Trabalhadores em Radiodifusão e Televisão
23. Fittel – Federação dos Trabalhadores em Telecomunicações
24. FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
25. FENDH – Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos
26. Geledés – Instituto da Mulher Negra
27. Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
28. INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos
29. Instituto Patrícia Galvão – Comunicação e Mídia
30. Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
31. ISA – Instituto Socioambiental
32. Iser Assessoria
33. Marcha Mundial das Mulheres
34. MMC – Movimento de Mulheres Camponesas
35. MNDH – Movimento Nacional de Direitos Humanos
36. Movimento Consulta Popular
37. MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
38. Observatório da Mulher
39. Rede Mulher de Educação
40. Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
41. RITS – Rede de Informações para o Terceiro Setor
42. SOF – Sempreviva Organização Feminista

Entidades de atuação regional

1. APCEF-RS – Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal do Rio Grande do Sul
2. Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de SP
3. Condepe – Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo
4. CONRAD – Conselho Regional de Radiodifusão Comunitária
5. Fórum Cearense de Mulheres
6. Fórum de Nacional de Mulheres Negras e Oriashé/SP
7. Grupo Tortura Nunca Mais – SP
8. Loucas de Pedra Lilás – Recife – PE
9. MMC – Movimento de Moradia do Centro (SP)
10. Núcleo dos Jornalistas Afro-brasileiros do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul
11. Rede Feminista de Saúde – Regional PE
12. Sindcine – Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica do estado de São Paulo
13. Sindicato dos Professores de Nova Friburgo e Região – RJ
14. TV Comunitária do Rio de Janeiro
15. TV J – Comunitário de Feira de Santana-BA, do Instituto Jera

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Este manifesto continua aberto a assinaturas de entidades e movimentos sociais pelo e-mail intervozes@intervozes.org.br Este endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email ou pelo telefone (11) 3877-0824