Sunday, 12 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Paranóia ou mistificação?

Parabéns à Fenaj por ter promovido, em 1º de junho, manifestação nacional contra os censores da liberdade de expressão – sejam os advogados postulantes da censura prévia nas redações (tecnicamente, na fúria legiferante, chamada medida cautelar), sejam os juízes do Centro Oeste que calaram, em vetustas sessões, os jornalistas Fernando Morais e Jorge Kajuru.

Meus pêsames à Fenaj por ter excluído do escopo de suas vindicações libertárias o nome do jornalista Leonardo Attuch, da revista IstoÉ Dinheiro – que por duas vezes, covardemente, foi metralhado publicamente pela revista Veja, sob insinuações de que faria parte da trupe de Daniel Dantas. Veja não se deu ao trabalho de ouvir Attuch: expôs publicamente, ao sabor público, a carne de um bode expiatório acusado e condenado pela própria Veja.

Em meio à maior guerra de negócios já travada no Brasil – a da Brasil Telecom –, em que os protagonistas trocam de aliados de mês em mês, um jornalista foi alvejado.

Para enfraquecer o inimigo, uma seção do governo, que também faz parte da disputa empresarial, criou uma ‘Operação Gutenberg’, alegadamente planejada para rastrear venalidades da imprensa. Gutenberg é o nome dado pelo general Milton Tavares de Souza, o Caveirinha, para a operação que fechou as pontes da cidade de São Paulo, para que não se franqueasse acesso à missa de sétimo dia de Vlado Herzog, na Catedral da Sé (1975).

Logo se imaginou que o governo decidira enfrentar grandes conglomerados financeiros que aportam generosos recursos em empresas jornalísticas em troca de uma visão cor-de-rosa de seus negócios. Bancos que cobrem a folha de pagamentos de redes de comunicação. Ou mesmo os portentosos empréstimos que o governo federal faz para socorrer veículos de comunicação em troca de juras de amor e eterna amizade.

Quem já produziu listas telefônicas ou forneceu livros didáticos para o governo deve ter-se preocupado. Ou os devedores de tributos e contribuições não recolhidos que, diferentemente de outros tipos de empresas, contam com a complacência do poder público.

Mas não foi nada disso que aconteceu. A ira sagrada do pedaço de governo que mobilizou a Polícia Federal voltou-se contra uma única pessoa, cujas reportagens, ao que tudo indica, desagradaram alguém.

Quadrilhas litigantes

Para piorar as coisas, esse jornalista, como o marisco entre a rocha e o mar bravio, foi engolfado por uma briga entre duas grandes editoras. Essa nova briga empresarial vitimou o profissional, que teve seu nome e acusações – rejeitadas pelo Judiciário – expostos à opinião pública, numa execração desmedida e cruel.

As entidades de classe que se movimentaram para defender o livro de Fernando de Morais e o colecionador de processos Kajuru nem tocaram no nome desse colega. A mesma Fenaj que já deu o nome de Mário Eugênio (um repórter policial que na década de 1970 achacava senhoras desprevenidas e integrou uma quadrilha de Brasília) ao seu prêmio nacional de jornalismo, ignorou a atrocidade. Mas baseada em quê? Em que fato? Onde estão as provas?

A base, ao que tudo indica, foi a gravação de uma conversa estranha entre um espião, que mudou de lado, com a mãe. Na bravata gravada, o espião disse ter sido autor de uma reportagem assinada pelo jornalista. Mas, e se o espião dissesse que foi ele e não Mark Felt o Deep Throat? Isso passaria a ser verdade? Poderia dizer também que foi ele quem matou Kennedy ou Martin Luther King. O ônus da prova, neste contexto, passou a ser do acusado, e não de quem acusa. Este é definitivamente o país dos bundas-moles desbundados.

Este observador tem em seu poder, desde setembro passado, a Operação Gutenberg, na íntegra. Alguma parte do material, tornada pública em 2 de junho pelos advogados de Leonardo Attuch, pode ser lida aqui.

O juiz Pacheco Chaves, da Justiça Federal de São Paulo, disse ‘não’ por três vezes ao Ministério Público Federal, que bateu o pé pela quebra dos sigilos de Attuch. E nossa Fenaj deve abrir o olho para o extrato que se segue, a epigrafar a Operação Gutenberg, escrito pelo mesmo delegado que investigou a chamada Operação Anaconda:

‘Durante análise dos meios de prova obtidos nesta investigação, identificou-se uma nova vertente da atuação da criminalidade organizada contemporânea: a utilização dos meios de comunicação em proveito da quadrilha.

‘Percebe-se o interesse, por parte das organizações criminosas detentoras de poder econômico, de ter a mídia ao seu lado. Notícias veiculadas pelos meios de comunicação são formadoras da opinião pública, não sendo por outro motivo que a mídia, hoje, é tida como o ‘quarto poder’.

‘A organização criminosa tratada no IPL no 12-004/04-PCD no 2004.61.81001452, com o objetivo de informar e contra-informar, lançou mão de contatos que possuía com profissionais dos meios de comunicação, usando a difusão de notícias no interesse – e em proveito – de seus integrantes.

‘Da mesma forma que se dá a ingerência no poder do Estado, também a ORCRIM agia em sua relação com os meios de comunicação, mais especificamente a imprensa.

‘De um lado, a imprensa é utilizada para divulgar matérias contendo dados investigados pela ORCRIM, realizando o que se acordou chamar de ‘lavar a fonte’, ou seja, os ‘investigadores’ repassam os dados ao profissional da imprensa, que utiliza o material para elaborar uma matéria. Em seguida, essa matéria jornalística é usada como um fato pelos próprios fornecedores dos dados, os quais não precisam divulgar as fontes.

‘A outra forma de atuação se dá com a publicação tendenciosa de matérias sobre pessoas, instituições ou fatos que tenham algum interesse para a organização criminosa. Os integrantes da ORCRIM passam, então, a deter o poder da informação – e logicamente da desinformação – sempre trabalhando a favor dos interesses da quadrilha.’

Face o exposto pelo delegado, fica uma pergunta no ar: ao se condenar ao opróbrio um jornalista, acusá-lo publicamente, sem dar-lhe direito de explicação, está-se trabalhando para que parte das quadrilhas litigantes pelo bolo das teles brazucas?

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Jornalista