Sunday, 12 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Qualquer semelhança é mera coincidência

Sou jornalista, meu negócio é escrever, mas há alguns dias atrás me vi no papel de atriz – aliás, eu e mais umas dezenas ou talvez centenas de pessoas. Está certo que não era nenhum papel tão grandioso; era apenas uma ponta, éramos figurantes, mas de uma novela de grande audiência e relevância.

A cena era a seguinte: uma convenção de um partido político e seus aliados para oficializarem os seus candidatos a prefeito e vereadores da cidade, algo muito comum nessa época. Fazer o quê? Mas vamos ao que interessa.

Durante a cena, tive que ouvir vários candidatos se apresentarem, abraçarem as pessoas, sorrirem para o povo, pousarem para fotos e para a TV, saudarem com muito carinho aqueles políticos de certa forma mais ‘consolidados’ no ramo, ou seja, os chamados caciques, ah! e não posso esquecer dos gritos – nossa!, sem os gritos não existe convenção, aliás, não entendemos quase nada que eles falam porque eles gritam lá de cima umas poucas palavras e lá em baixo o povo, geralmente levado pelos candidatos, responde gritando êêêêêêêê, acompanhado de vários instrumentos barulhentos. De quebra eles falam das promessas, caso sejam eleitos.

Todos maus, perversos, vilões

O pior disso tudo é que infelizmente eu não estava atuando na nova novela da Rede Globo, tão bem retratada por João Emanuel Carneiro, eu era personagem, sim, mas da vida real. Só que da cena que eu vivi na pele, não como atriz, mas como observadora, espectadora e formadora de opinião só faltava mesmo o personagem mais interessante, o que calasse a boca de alguns daqueles Romildo Rosa da vida com um ovo na cara muito bem correspondido.

É impressionante como o que está sendo colocado na ficção condiz exatamente com a realidade. Não que as novelas não mostrem muitas vezes a realidade de um país, mas sentindo na pele, é espantoso, é triste e vergonhoso, é humilhante toda aquela demagogia colocada em prática com bem mais intensidade do que nos showmícios, os quais, diga-se de passagem, já são uma prévia do grande espetáculo artístico, digo, social.

Mas tem uma descoberta interessante nessa novela da vida real. Afinal de contas, o que relato aqui não é nenhuma novidade. Assim como na ficção, existe uma solução para os problemas, uma luz no fim do túnel, um final feliz, o bem vencendo o mal, o menos favorecido se destacando.

Descobri que no meio daquilo tudo também existe gente séria. Falo de gente de verdade, de pessoas – uma minoria, está certo, mas que busca uma chance de trabalhar para construir uma realidade e não um faz-de-conta e que se indigna com a farsa, com a demagogia da maioria. Já é de costume no nosso país as coisas serem mal resolvidas, empurradas com a barriga, associadas à corrupção e interesses próprios. Com esse cenário, fica difícil não generalizarmos e colocarmos todos no núcleo dos maus, dos perversos, dos vilões.

Responsabilidade social

Então, o que está faltando para termos o tão sonhado final feliz? Falta apenas uma ação simples. Observar, enxergar com os olhos da realidade, sair da posição de mocinho, de sofredor. Falta apenas não nos deixarmos influenciar por pequenos favores, por pão e circo, por poderosos que já tiveram a sua chance e não souberam aproveitá-la, falta apenas ouvirmos as propostas de quem ainda não teve essa mesma chance de mostrar o seu trabalho, falta apenas, caro leitor, darmos audiência a quem talvez tenha algo a acrescentar, sabe por quê? Porque tudo está em nossas mãos, assim como o controle remoto da nossa televisão – e para mudarmos de cenário, basta um clique e pronto. Sabemos disso tudo, tenho certeza, só basta praticarmos e aumentar o ibope de quem realmente merece a nossa atenção, o nosso tempo, nosso respeito e a nossa credibilidade.

Refletir sobre o futuro é uma preocupação diária e intransferível e no período eleitoral essa reflexão exige mais urgência, atenção e atitude. Já que estamos passando por ele, não permitamos que as pessoas que traíram nossa confiança continuem exercendo plenos poderes sobre cada um de nós. Isso é responsabilidade social e essa responsabilidade não pode ser atribuída somente a fulano ou sicrano, mas sim, a mim a você, a todos os brasileiros, sem exceção.

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Jornalista, Teresina, PI