Tuesday, 14 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Quem dá bola para a reforma tributária?

Quantos milhões de empregos poderiam ser criados no Brasil, nos próximos cinco anos, se os brasileiros, de um dia para outro, deixassem de pagar impostos para investir na produção e para exportar? Investimento, produção, competição internacional e criação de empregos: são estes os grandes temas que dão sentido ao debate sobre a reforma tributária, um assunto raramente apresentado aos leitores de forma clara e na sua real dimensão. A culpa, dirão alguns, não é da imprensa. Os jornais cobrem os debates do mundo real, e o debate real, na política brasileira, é essa coisa aí.

Essa coisa aí, em todo o esplendor de sua mixuruquice, tem sido mostrada no dia-a-dia da cobertura. O Estado de S.Paulo dedicou, na primeira semana de março, duas matérias ao relator do projeto de reforma tributária na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ). Uma reportagem publicada no dia 5, uma quarta-feira, mostrou o deputado fluminense defendendo a guerra fiscal como ‘parte do jogo’ num regime federativo. Na edição de sexta (7/3), ele apareceu propondo um novo esquema de tributação do petróleo, para reforçar a receita de seu estado, o Rio de Janeiro.

Eliminar a guerra fiscal, uma das principais distorções do sistema brasileiro, é um dos grandes objetivos da reforma tributária. Não é uma idéia nova. Aparece há mais de dez anos em todas as propostas mais amplas de renovação do regime tributário. Nenhum especialista de renome havia defendido a guerra dos incentivos como componente essencial do regime federativo e da ‘autonomia’ dos estados.

Terreno árido

O relator do projeto na CCJ introduziu essa novidade no debate e anunciou sua disposição de combater a unificação do ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, se a mudança afetar aquela ‘autonomia’. Essa unificação é importante por mais de uma razão. Hoje, o Brasil tem 27 legislações diferentes para o principal imposto estadual e essa mixórdia complica estupidamente a atividade empresarial (enquanto o esforço nos países mais dinâmicos e mais competitivos é para simplificar a produção e os negócios).

Os governos de vários estados, já se sabe, defenderão a permanência da guerra fiscal, mas o farão principalmente para forçar a adoção de novos mecanismos de desenvolvimento regional. Esse jogo é compreensível e justificável, mas o que se espera – ou se deveria esperar – do relator de um projeto de tanta importância é uma atuação em nível mais alto.

Da mesma forma, alguns governadores, como o de São Paulo, devem batalhar para que os estados de origem fiquem com mais de 2% do ICMS nas operações interestaduais. Pelo projeto do Ministério da Fazenda, todo o imposto, menos esses 2%, passará a ser cobrado no destino. Essa parcela é considerada muito pequena pelos governos dos estados ‘exportadores’, isto é, dos que mais vendem do que compram. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo informou a Folha de S.Paulo no sábado (8/3), está disposto a levar em conta a pretensão desses governadores.

Todos esses detalhes têm algum peso e serão discutidos e negociados durante a tramitação do projeto, inevitavelmente, com ou sem interferência do relator na CCJ. Mas são, até certo ponto, questões marginais – muito menos importantes que a adoção de esquemas para desoneração das compras de máquinas e equipamentos, dos gastos em construções de fábricas e da eliminação, para valer, dos impostos sobre a exportação. O debate envolverá pormenores chatos e quase ininteligíveis para a maioria das pessoas, como a definição de esquemas para apropriação de créditos fiscais.

Pontos a esclarecer

É parte da tarefa do jornalista, na cobertura de um tema tão complexo, não perder a noção da importância relativa dos detalhes. O repórter e seu editor devem ser capazes de acompanhar e de entender as minúcias, mas sempre tendo em vista o grande cenário. Só assim poderão transmitir ao leitor uma boa descrição do andamento do jogo.

Neste caso, o jogo ainda está nos primeiros movimentos. A cobertura tem mostrado os detalhes iniciais, como a movimentação dos governadores, os contatos do governo com empresários e políticos e as primeiras manifestações do relator do projeto na CCJ da Câmara. O Estado de S.Paulo reforçou a matéria da quarta-feira (5) com alguns detalhes preciosos. Picciani recebeu a relatoria do presidente da comissão, deputado Eduardo Cunha, também do PMDB fluminense. No ano passado, Picciani era o presidente e Cunha foi por ele indicado para relatar o projeto de renovação da CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Cunha só entregou seu parecer depois de o presidente Lula concordar com a nomeação de Luiz Paulo Conde, ex-prefeito do Rio, para a presidência de Furnas.

Esses detalhes são importantes e valem pontos para a cobertura. Mas por que não ir um pouco mais longe e mostrar, por exemplo, como se comportaram os demais partidos diante desse jogo de nomeações? Os parlamentares mais velhos, mais experientes e mais familiarizados com as grandes questões econômicas aceitaram sem desconforto a indicação de um jovem de 28 anos e em primeiro mandato para a relatoria do projeto de reforma tributária? Conheciam suas idéias e seus compromissos a respeito do assunto? Ou nem deram bola para o critério de preenchimento do cargo?

Afinal – e esta é uma pergunta que tem muito sentido, nesta altura –, quantos parlamentares estão de fato interessados numa boa discussão e num bom encaminhamento de um projeto de importância tão grande quanto o da reforma tributária? Esclarecer esse ponto poderia ser uma boa maneira de esquentar a cobertura neste início de jogo.

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Jornalista