Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Operação militar de desesquerdização no Brasil

Foto: Isac Nóbrega/PR

Na semana passada, me perguntava se havia mesmo risco de golpe e guerra civil este ano, no Brasil, torcendo para não passar de simples especulação.

Ora, apenas alguns dias depois desse mau agouro, Bolsonaro deu mais informações sobre seu plano de tumultuar a democracia brasileira. Vai ser, como diria seu amigo Putin, “uma operação militar de desesquerdização”.

Desta vez, foi no Rio Grande do Sul, onde voltou a criticar o voto eletrônico e, depois de criticar denúncias de corrupção no seu governo, voltou ao seu tema falado no Nordeste, afirmando contar com um exército de civis armados. “Nós facilitamos a compra de armas de fogo por parte do povo brasileiro” [todos se lembram do gesto da arminha e de quando dizia ser mais importante comprar uma arma do que comprar feijão!]. “Nos últimos anos temos dobrado a venda de armas de fogo no Brasil. Eu sempre digo a vocês: povo armado jamais será escravizado”.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública existem mais de dois milhões de armas particulares, num aumento de 200 mil por ano.

Bolsonaro acentuou também serem mais de 600 mil os participantes de clubes de armas espalhados pelo Brasil, que podem ter diversos tipos de armamentos: “É o nosso maior exército”, acrescentou. Com essas novas declarações, Bolsonaro parece ter dado a senha aos seus seguidores para se prepararem, no caso de sua derrota eleitoral, nesta altura muito provável.

Fica naturalmente uma preocupação; a esquerda está levando isso a sério ou considera conversa mole de um presidente desmoralizado pelo aumento do custo de vida e pela divulgação de uma onda de corrupção ainda ligada ao Ministério da Educação? Para contrabalançar, Bolsonaro anuncia uma onda de favores eleitorais.

E no caso de Bolsonaro provocar uma guerra civil, qual seria a reação dos evangélicos, onde está a maioria de seus seguidores?

Exceto o pastor Cláudio Duarte, que anunciava prematuramente uma guerra civil no 7 de setembro, qual seria a atitude dos seus fiéis seguidores evangélicos?  A Bíblia proíbe matar, mas a atual leitura feita pelos evangélicos é mais centrada no Deus guerreiro do Velho Testamento e menos no Jesus amor do Novo Testamento. Incitado pelos vaqueiros pastores, o chamado gado bolsonarista poderá criar um caos no país.

A época é de total confusão

Uma avaliação política brasileira torna-se complicada se fizermos algumas comparações com o quadro internacional da invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin.

Embora a ONU, a União Europeia, a Comissão de Direitos Humanos e outras tantas organizações tenham condenado a invasão da Ucrânia, tanto a posição do governo Bolsonaro como da esquerda brasileira são ambíguas.

Depois de ter ido a Moscou, onde Bolsonaro reafirmou sua confiança em Putin (poucos dias antes da invasão da Ucrânia), o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, garantiu o apoio para o ingresso do Brasil como membro permanente no Conselho de Segurança da ONU. Bolsonaro agradeceu a Putin seu apoio à soberania nacional na questão da Amazônia, “quando alguns países questionaram a Amazônia como patrimônio da humanidade”.

Em retribuição, o Brasil, em Genebra, se declarou neutro na questão da invasão da Ucrânia pela Rússia.

A maioria da mídia brasileira e figuras conhecidas do PT, apesar das más companhias no Brasil, não escondem seu apoio ao também homofóbico Putin, no que continuam a chamar de “operação militar especial”, ignorando ou fazendo de conta não ser a Rússia um exemplo para a esquerda internacional. E muito menos Putin um líder de esquerda, já que partilha do conservadorismo hipócrita de Bolsonaro e conta também com a benção de religiosos, no caso do patriarca da Igreja Ortodoxa Russa.

Seguem algumas mostras bem evidentes dessas contradições envolvendo atualidades internacionais e a mídia de esquerda brasileira:

– Marine Le Pen, que disputará o segundo turno nas eleições presidenciais francesas, líder do partido de extrema-direita União Nacional, não escondia sua proximidade com o presidente russo Vladimir Putin. Seu adversário nas eleições francesas, Eric Zemmour, também da extrema-direita francesa, se queimou por ter demorado a assumir uma posição contra Putin. logo depois da invasão da Ucrânia;

– O canal 247, considerado de esquerda, é pela “operação militar especial”, desfechada pela Rússia contra a Ucrânia, e coloca em dúvida todas as atrocidades atribuídas aos soldados russos; sua fonte de informação é geralmente a agência Sputnik;

– A agência de informação Sputnik e o informativo Russian Today são considerados informativos estatais russos pela União Européia e foram proibidos nos países a ela pertencentes. Essa dúvida quanto à independência dessas duas agências noticiosas não é de hoje. Emmanuel Macron sentiu-se visado pela Sputnik na primeira campanha presidencial que, segundo ele, é “um órgão de influência”. Num relato feito pelo jornal Libération, Sputnik e Russian Today (hoje RT) foram citadas por difundirem falsas informações, nas eleições de 2017, favorecendo a candidata Marine Le Pen, depois de terem também agido em favor de Trump nos EUA.

– No Brasil, os evangélicos, com seus líderes Silas Malafaia, Edir Macedo, Marco Feliciano e Cláudio Duarte entre outros, apoiam a política de extrema-direita aplicada pelo presidente Bolsonaro, assim como os religiosos ortodoxos russos apoiam nas suas orações o presidente Putin.

– O jornalista Milton Blay foi demitido do Canal 247, por ter criticado afirmações antissemitas do editor de “O Mundo como ele é”, José Reinaldo de Carvalho, e, por tabela, condenar a invasão da Ucrânia por Putin.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.