Monday, 13 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Daniel Castro

‘A Record negocia com a produtora RGB (a mesma de ‘Popstars’) uma parceria para a exibição, no segundo semestre, de uma novela que mostra, de forma cômica, como se faz um ‘reality show’. A decisão de co-produzir ou não a novela será tomada nesta semana pela cúpula da emissora.

Segundo a pré-sinopse da trama, o mocinho, para conseguir entrar em um ‘reality show’, irá se passar por homossexual, o que irá causar transtornos à sua família.

Para dar mais confusão ainda à história, a apresentadora do ‘reality show’ se apaixona pelo falso gay _que acaba descobrindo que seu pai tem vida dupla e é bissexual.

Fada A top model Fernanda Tavares já gravou os quatro primeiros ‘Missão MTV’, que apresentará na MTV a partir do dia 5, às 22h. O programa ‘transforma’ pessoas. Em um deles, ela ajuda um rapaz de uma banda de rock a se vestir como um roqueiro. No outro, dá um banho de loja numa moça ‘largada’.

Bagunça

A turma do ‘Casseta & Planeta’ promete aprontar na Fashion Rio, que acontece nesta semana. Luana Piovani será a modelo Aymê Thida.

Agenda

A HBO marcou para 15 de agosto a estréia de ‘Epitáfios’, sua primeira co-produção na América Latina. Realizada na Argentina, a série trata de um serial killer que deixa como pistas na cena do crime os epitáfios das vítimas.’

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‘Record cresce, mas ainda está longe do SBT’, copyright Folha de S. Paulo, 26/06/04

‘A Record, que discursava que neste ano iria ultrapassar o SBT na vice-liderança no Ibope, registrou um crescimento de 5% entre janeiro e junho, mas ainda está muito longe de alcançar o principal concorrente _que caiu 12%.

A rede do bispo Edir Macedo teve entre 1º de janeiro e 14 de junho uma média diária de 4,2 pontos (dois décimos a mais do que no mesmo período do ano passado). O SBT marcou quase o dobro, 8 pontos (contra 9,1 em 2003).

A Globo deve fechar o primeiro semestre com média diária superior a 22,6 pontos (20,2 pontos em 2003), um crescimento de 12%. Band e Rede TV! perderam audiência. Do total de TVs ligadas, 52% sintonizaram a Globo (na média diária), 18,4% o SBT e 9,5%, a Record.

A Record, apesar do pequeno crescimento no Ibope, teve um considerável resultado comercial. O faturamento aumentou 38% em relação ao primeiro semestre de 2003, totalizando R$ 210 milhões. A meta, de fechar o ano com R$ 468 milhões, deve ser superada. O crescimento comercial do SBT foi de cerca de 10%.

O principal trunfo da Record foi o futebol, que lhe rendeu mais de R$ 100 milhões. Nesta semana, foi vendida para a Petrobras a quinta cota do pacote de futebol de 2004. E a Eurocopa, que anteontem emplacou o maior pico de audiência da Record em 2004 (21 pontos), atraiu dois patrocinadores extras: Coca-Cola e Perdigão.

OUTRO CANAL

Apelo 1 Vice-presidente da Globo, Roberto Irineu Marinho pisou na semana passada em solo do SBT, onde se reuniu com Silvio Santos. Oficialmente, a conversa foi sobre os rumos da televisão, pelo qual passa, para a Globo, o Pró-Mídia, plano de socorro do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) à mídia.

Apelo 2 Marinho teria pedido o apoio do SBT ao Pró-Mídia. Especula-se que Silvio Santos teria negado. E ainda teria reclamado que a Globo, em 2001, não respeitou seu pedido para que a imprensa não noticiasse o seqüestro de sua filha, Patrícia Abravanel. A Globo também ouviu um não do SBT ao convite de voltar à Abert.

Jornalismo 1 Paulo Henrique Amorim deixa na semana que vem o telejornal ‘Edição de Notícias’ (Record, 0h). Será substituído por Fernanda Fernandes ou por Rodolpho Gamberini.

Jornalismo 2 Amorim passará a ancorar, no final de julho ou começo de agosto, um novo programa jornalístico, das 7h às 9h, no lugar do ‘Fala Brasil’. Será uma revista eletrônica diária, em que Amorim poderá finalmente desencantar seu projeto de ‘talk show’. O jornalista dividirá a bancada com Janine Borba.

Em cena Luiz Gonzaga Mineiro, que há uma semana deixou a direção de jornalismo da Record, esteve anteontem no SBT.’



HUMOR NA TV
Bia Abramo

‘Humor bagaceiro recupera alegria anárquica’, copyright Folha de S. Paulo, 27/06/04

‘A combinação de produção precária com cinismo às vezes resulta em bons momentos da TV. Um degrau acima da precariedade que se leva a sério na produção capenga de ficção e humor de emissoras B -e vários metros à esquerda do aparato pomposo do dinheiro sem imaginação da emissora A-, programas do tipo ‘Pânico na TV’, da Rede TV!, e o ‘Rock Gol’, da MTV, recuperam uma espécie de alegria anárquica de fazer televisão -e um descompromisso divertido de assisti-la.

Apesar de uma certa diferença nos moldes -’Pânico na TV’ é um programa de auditório, por assim dizer; o ‘Rock Gol’ é um programa de humor que satiriza os programas esportivos-, ambos bebem na mesma matriz, os diversos programas apresentados pelo Chacrinha e o ‘Perdidos na Noite’ à época de Fausto Silva na Bandeirantes. Ainda não estava generalizada a gíria, mas aquilo que ambos faziam lá atrás era o que se chama hoje de humor bagaceiro, com um pé no mau gosto e o outro na sofisticada capacidade de rir de si mesmo -e não apenas dos outros.

O ‘Pânico’ veio de uma experiência já bem-sucedida do rádio e tem conseguido se destacar como programa televisivo justamente pelo ar de bagunça e de improviso. Com humoristas experientes, idéias absurdas e uma enorme cara-de-pau, eles conseguem criar uma alternativa ao humor já meio engomadinho e por vezes um tanto engessado do ‘Casseta & Planeta’. O principal objeto de caricatura é mesmo a própria televisão -a imitação de Silvio Santos é quase brilhante- e seus personagens e situações.

O ‘Rock Gol’ seria -e era- só uma tentativa de combinar futebol e música, mas, desde que Paulo Bonfá e Marco Bianchi passaram a narrar e comentar as peladas, a coisa mudou de figura. Não fossem os jogos em si já engraçados, a dupla transformou o ‘Rock Gol’ em um dos poucos momentos que a TV ultrapassa os limites do nonsense.

Bonfá, como narrador, dá um show de ironia, ao mesmo tempo satirizando o linguajar dos locutores esportivos e as pretensões futebolísticas do povo do pop (com exceção de um ou outro com mais habilidade, os músicos e roadies das bandas brasileiras não passam de pernas-de-pau). E Bianchi, o comentarista, é um sujeito com uma enorme capacidade de falar sem dizer nada.

A marca tanto da equipe do ‘Pânico’ como da dupla Bonfá-Bianchi é não subestimar a inteligência do espectador -e nisso eles se distanciam de 80% dos programas de humor. Pelo contrário, a graça de ambos programas é urdida numa espécie de cumplicidade com o espectador e, na verdade, depende e muito de sua capacidade crítica. A produção que admite as falhas e o espaço para o improviso tornam aquele que assiste ainda mais propenso a rir -daquilo que ele está vendo no momento, mas também daquilo que lhe enfiam goela abaixo todo santo dia.’



SENHORA DO DESTINO
Laura Mattos

‘Novela vai criticar políticos da Baixada’, copyright Folha de S. Paulo, 27/06/04

‘Autor da novela ‘Senhora do Destino’ -que estréia amanhã na Globo-, Aguinaldo Silva não segura comentários irônicos em relação ao ex-governador e atual secretário de Segurança do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho.

Conhecido por rechear suas histórias com críticas políticas, Silva mais uma vez cria um personagem para dar vazão a analogias com poderosos da vida real.

Em entrevista à Folha, criticou espontaneamente Garotinho (‘se ele virar presidente, que Deus nos livre e guarde…’). Apesar disso, diz que Naldo (Eduardo Moscovis), um dos protagonistas de ‘Senhora do Destino’, será um político ‘menor’ que o ex-governador. ‘O que quero mesmo é, através dele, mostrar a praga do político clientelista, aquele que prolifera nas áreas menos favorecidas, principalmente no cinturão em torno de grandes metrópoles.’

Mas afirma que, assim como Garotinho, Naldo, ‘em seus momentos de megalomania’, também sonha com a possibilidade de chegar ao Planalto Central.

A assessoria de imprensa do ex-governador disse à Folha que ele não iria comentar as declarações de Silva. Segundo a assessoria, ‘Garotinho é totalmente a favor da liberdade de expressão e respeita a ficção’. Na visão do ex-governador, de acordo com sua assessoria, as críticas do autor são fruto da democracia, e ‘a população se encarrega de julgar’.

Aguinaldo Silva afirmou que seu ‘problema’ com Garotinho ‘é porque ele tem um deus pessoal, que cismou de fazê-lo presidente da República’. ‘Esse deus dele, que chamo de Deus Cobiça, não tem nada a ver com o Deus dos outros brasileiros. Mas reconheço que é um direito pessoal do deus de Garotinho querer elegê-lo. É para que esse milagre não se realize que todos devemos rezar.’

O personagem Naldo, segundo Silva, é daquele tipo ‘que distribui benesses (pagas com o dinheiro dos outros, é claro) para posar de benfeitor do povo’. ‘Na Baixada Fluminense, onde o núcleo central da trama está situado, existe um desses em cada esquina.’

Em pleno ano de eleições municipais, Silva usará a novela para apontar técnicas eleitoreiras dos candidatos. ‘De repente, todos passaram a colocar outdoors nas ruas parabenizando mães no Dia das Mães, pais no Dia dos Pais. Claro que a troca das mensagens custa caro. Até que um deles mandou encher a Baixada de outdoors em que se lê: ‘Se hoje é o seu dia, receba os parabéns do seu amigo Fulano de Tal’. Não é gênio?’

Com um roteiro que pretende ‘resgatar valores morais’, ‘Senhora do Destino’ reserva várias lições ao político do mal. ‘Ele vai levar muitas traulitadas [pauladas] por causa disso’, diz Silva.’



Keila Jimenez

‘Migração, repressão e rapto de bebê compõem ‘Senhora’’, copyright O Estado de S. Paulo, 27/06/04

‘Quem espera conhecer novas Lauras, Renatos & companhia a partir de amanhã, na novela das 9 da Globo, vai se decepcionar. Senhora do Destino, que estréia no lugar de Celebridade, é centrada no drama da nordestina Maria do Carmo (Suzana Vieira), mãe de cinco filhos, que foi parar na Baixada Fluminense em busca de vida melhor. Enfrentou a fome, o preconceito e até a prisão, no contexto do Brasil de 1968. A retirante chega ao Rio quando o Estado está tomado pelos conflitos nas ruas por causa da repressão e vai presa, sem entender por quê.

É uma novela com ingredientes autobiográficos: pernambucano como sua protagonista, o autor da trama, Aguinaldo Silva, também chegou ao Rio durante o cenário da repressão e foi igualmente preso. Aguinaldo volta a escrever novelas após um jejum de quase três anos – Porto dos Milagres (2001) foi seu último folhetim.

Mas o conflito que guia a novela não faz parte da vida real do autor. É a batalha da protagonista para reencontrar a filha, seqüestrada com poucos meses de vida. Para tanto, a novela será dividida em duas fases: a primeira, ambientada em 1968, terá quatro capítulos e mostrará a chegada de Maria do Carmo ao Rio, sua prisão e o sumiço da filha. A segunda transfere a história para os dias de hoje.

Homenagens – Até uma cadela Baleia, como em Vidas Secas, faz parte da viagem de Maria do Carmo (vivida por Carolina Dieckmann nessa primeira fase) ao Rio. Diretor responsável pela novela, Wolf Maya admite que houve, sim, a intenção de homenagear Graciliano nessa etapa. São imagens dignas de minissérie, como indicam as chamadas que estão no ar, com cuidado de fotografia e tempo extra de produção, que marcam a viagem da retirante ao Rio. E ela vem num caminhão do tipo pau-de-arara, exatamente como aconteceu com o presidente Lula, o que também não é mera coincidência…

Maria do Carmo segue para o Rio com cinco filhos a bordo. O marido, que viera antes, nunca mais lhe mandou notícias – lá adiante, ele ressurgirá, na pele de José de Abreu. Quando Do Carmo chega ao Rio, ela se desencontra de seu irmão, que trabalha na cidade para a poderosa dona do Correio da Manhã, Josefa (Marília Gabriela).

Perdida no meio de um conflito entre policiais e manifestantes, a pernambucana pede a uma estranha, vestida de enfermeira, para segurar sua filha por alguns instantes. A psicótica Nazaré acaba raptando a menina.

Presa em meio ao tumulto, Do Carmo conhece na prisão aquele que será, na segunda fase, o grande amor de sua vida, Dirceu de Castro (Gabriel Braga Nunes/José Mayer).

‘Vou viver um grande amor com o José Mayer, mas o José Wilker vai chegar mais adiante para atrapalhar. Vai ser um triângulo’, adianta Suzana Vieira. A atriz se diverte ao contar que ‘pela primeira vez na TV o José Mayer vai ser fiel’. ‘Isso vai mudar o conceito que o público tem dele, essa fama de galã, de que pega todas. Eu é quem vou trair o Mayer (risos) com o Wilker, estou orgulhosa disso, é um marco na TV brasileira.’

Desfeito o mal-entendido da prisão, Maria do Carmo é solta, reencontra o irmão, os quatro filhos, mas não a caçula. Com o irmão, a retirante abre uma pequena tenda de materiais de construção na Vila de São Miguel, Baixada Fluminense, o que, anos depois, vira uma grande cadeia de lojas.

Macumba – ‘Queria desde o começo ter a Suzana, ou como Maria do Carmo ou como Nazaré, pois ela é uma dessas poucas atrizes que fazem bem a vilã ou a mocinha’, diz Aguinaldo Silva. ‘Mas quando comecei a escrever para a Do Carmo, só vinha a Suzana na minha cabeça, tinha de ser essa mulher guerreira’, continua. ‘É sinal que minha macumba deu certo’, brinca a atriz.

Com visual repaginado, resultado de uma plástica que lhe custou R$ 50 mil e rendeu 10 quilos de desconto da balança – é ela quem conta – Suzana, só para usar as palavras da própria, vale a macumba. É atriz para toda obra e sabe até subverter os clichês. Usa, por exemplo, aquela manjada frase que os atores costumam dizer a autores e diretores – ‘esse papel é um presente’ -, não para bajular o escritor, mas sim para brindar à sorte de contracenar com homens tão cobiçados – seus quatro filhos na segunda fase serão Du Moscovis, Marcello Anthony, Dado Dolabella e Leonardo Vieira.

‘É uma delícia trabalhar com homens bonitos, meu Deus (Suzana se abana), mas eu gosto mesmo é de trabalhar com atores bons. Abriu a boca e não tem encanto, dança. Pode vir até pelado que não tem graça. Sou acostumada com atores de verdade, sou da época de Tarcísio Meira, já fui mãe, mulher e namorada dos maiores galãs da TV brasileira nas novelas’, diz Suzana.

‘As melhores cenas que terei, creio que serão com Du Moscovis. Vamos brigar muito na novela e ele é um ótimo ator. É o meu filho preferido (risos). Brincadeira.’

Preocupação mesmo ela teve em adotar o sotaque nordestino sem fazer graça. Por isso, está tomando aulas com uma professora especializada em sotaque nordestino. ‘Fiquei com medo de parecer humor’, explica. ‘É como fazer gay na TV, parece que todo gay que está no inconsciente das pessoas é cômico. A Maria do Carmo é uma nordestina dramática, séria, não é aquela coisa arretada, divertida. Estou me empenhando muito nesse sotaque, tomara que dê certo.’

Da época da ditadura – abordada com fervor nas primeiras cenas da novela -, Suzana diz que evita se lembrar das coisas ruins. Afirma ser uma sobrevivente. ‘Na época eu trabalhava na Tupi. Tive muitos amigos presos, mas eram presos com orgulho, tinha uma filosofia por trás disso’, fala.’

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‘‘Na minha novela não tem malandro’’, copyright O Estado de S. Paulo, 27/06/04

‘Esqueça os seres paranormais, o misticismo e todo o realismo fantástico que alimentou as novelas de Aguinaldo Silva por anos. Em Senhora do Destino o autor promete se despir de todos os seus vícios, como se fosse, na realidade, outro autor. Em entrevista ao Estado, Aguinaldo, retirante pernambucano como sua protagonista, fala desse enredo, que muito tem de autobiográfico, e lembra que Lula não foi o único retirante bem-sucedido.

Do pacote de novidades, o autor aposta ainda num cenário inédito para telenovela na Globo: sua história é ambientada na Baixada Fluminense. Sem caricaturas, ele avisa.

Estado – Há muito em comum entre a história da Maria do Carmo e a história de sua vida?

Aguinaldo Silva – Muita. Em primeiro lugar, Maria do Carmo é o nome da minha mãe. Sebastião, que é o personagem irmão de Maria do Carmo, é o nome do meu tio (risos). Sou pernambucano como a personagem e, como ela, vim para o Rio de Janeiro cedo – com 16 anos. Também tive de batalhar muito para sobreviver, ganhar a vida e chegar onde cheguei. Acho que a novela é autobiográfica, mas é uma trama que também fala dos brasileiros que venceram na vida através do esforço e do trabalho. Na minha novela não tem malandro, não tem gente que se dá bem através de golpes e maracutaias, tem pessoas que trabalham, que saem de casa 5 horas para trabalhar, que enfrentam a vida dura e difícil e que triunfam.

Estado – Como a protagonista, você também foi preso na ditadura?

Aguinaldo – Também. Aliás, a história da prisão dela é exatamente a história da minha prisão. Fui preso desse jeito, no meio do tumulto, sem saber direito o que estava acontecendo, fiquei 70 dias preso. Era um retirante perdido na cidade. Não era engajado em nenhuma facção.Tem inclusive falas da Maria do Carmo e de pessoas que a interrogam que eu tirei exatamente dessa minha fase na prisão, é um filme que passa em minha cabeça.

Uma das primeiras coisas que ela ouve na prisão é: ‘Companheira, de onde você?’, isso aconteceu comigo. É engraçado que tem até um diretor da Globo que quando viu os primeiros capítulos me disse que a impressão que teve é que eu estava em uma janela vendo tudo isso acontecer. Eu realmente estava em uma janela vendo tudo isso acontecer, esse é que é o problema.

Estado – Mas a vontade de escrever sobre esse período vem só de sua experiência na época?

Aguinaldo – Não é só isso. Esse ano também fez 40 anos do golpe militar. É uma data emblemática e eu quis falar dessa época de uma forma diferente, quis mostrar esse período conturbado da vida brasileira do ponto de vista das pessoas comuns, porque tem muitos livros sobre isso, mas escrito por ativistas políticos, jornalistas e militares. Eu queria mostrar as pessoas comuns que estavam tentando desesperadamente viver a própria vida enquanto todo esse tumulto acontecia.

Outra coisa: o que me fez abordar a saga de um retirante foi o fato de as pessoas estarem enganadas sobre essas pessoas. A figura do Lula parece representar esse pensamento, parece que ele foi o único retirante que deu certo. Na verdade existem milhares de retirantes que deram certo.

Estado – Essa história do sumiço da filha de Maria do Carmo tem alguma coisa a ver com histórias reais de crianças desaparecidas, como o caso do Pedrinho em Goiás?

Aguinaldo – Fui jornalista durante 18 anos e todas as minhas novelas partem sempre de notícias que vejo nos jornais. O personagem da dona Josefa, a dona do jornal (Marília Gabriela), era algo que eu queria fazer há 30 anos, finalmente consegui fazer agora. Eu chego a arquivar notícias. O sumiço da filha de Maria do Carmo tem a ver com a história do menino Carlinhos (desaparecido na década de 70). Eu era editor no Globo na época, acompanhei o caso com todos os detalhes, me inspirei nisso.

Estado – O realismo fantástico, marca sua, não terá espaço nessa novela?

Aguinaldo – Não. A realidade chegou a um ponto de exacerbação nos dias de hoje que o realismo fantástico virou uma coisa ingênua. Antigamente a gente fazia as pessoas voarem na novela e era incrível. Hoje, o que está acontecendo nas ruas é muito mais incrível que alguém voando (risos).

Estado – O público pode esperar comédia também?

Aguinaldo – Claro. As cenas da primeira fase são de alta dramaticidade porque estão acontecendo no calor daquela época. Já no presente, as cenas têm muito humor. Não é uma comédia, mas os personagens têm uma maneira engraçada de ver a vida. Acho que o núcleo mais cômico vai ficar concentrando no bicheiro, personagem do José Wilker. Tem também o núcleo do barão falido, o Raul Cortez, que eu acho delicioso. É um núcleo de pessoas maduras, mas que não são os pobres velhinhos. Eles levam uma vida plena, gastam tudo o que têm e depois pedem emprestado. São felizes, engraçados.

Estado – Você disse que a novela não tem grandes vilões. De quem o público terá raiva na trama?

Aguinaldo – Eu acho que o público vai morrer de raiva da Nazaré, Renata Sorrah, que seqüestrou a filha da Maria do Carmo. Tem também o Naldo (Du Moscovis), que é um político demagogo da Baixada Fluminense, filho da Maria do Carmo. Ele é um mau-caráter, que alimenta um sonho de ser governador e, quem sabe, um dia, presidente da República. É um tipo de político que a gente sabe que existe muito hoje em dia, principalmente no Rio.

Estado – E por que você pensou na Baixada Fluminense para ambientar a novela?

Aguinaldo – Porque era um tabu na TV. Por alguma razão misteriosa, a Baixada era uma região proibida. Todo mundo me falava: ‘ah, Baixada não’. Aí eu pensei: ‘Baixada, sim’. Já falei sobre ela em livros. Me incomodava muito que sempre que se falava em subúrbio na TV, era um lugar idealizado, caricato, o lugar das gracinhas. Quando você queria fazer humor na novela usava os personagens do subúrbio. Eu queria um subúrbio sério. Agora o subúrbio é onde está o núcleo principal da minha novela.

Estado – Como surgiu a idéia de escalar a Marília Gabriela?

Aguinaldo – Quando resolvi fazer a dona Josefa, pensei que deveria ser uma jornalista e teria de ser uma jornalista-atriz. A Marília é ideal. É um ícone do jornalismo e tem uma presença forte.

Estado – Há planos de trazer a Marília de volta em outra fase da novela?

Aguinaldo – Eu não estou podendo falar sobre isso (risos). Mas posso te garantir que seria maravilhoso se ela voltasse na novela de alguma maneira, mais adiante. Prefiro guardar segredo ainda.

Estado – Você chegou a pensar em parar de fazer novelas?

Aguinaldo – Pensei, sim. Minha última novela foi Porto dos Milagres e eu achava que havia uma certa tendência nos autores em se repetir. A gente acabava fazendo novelas parecidas umas com as outras. Pensei então que só voltaria a fazer novela se conseguisse fazer algo diferente do que eu já tinha feito. Uma das minhas fantasias era assinar com pseudônimo, seria um outro autor (risos). Cheguei a propor isso, mas a Globo não quis (risos).

Estado – Mas tem tanta coisa diferente assim nessa trama?

Aguinaldo – Tudo o que lembre Aguinaldo Silva eu estou tentando deixar de lado. Esqueci o realismo-fantástico, esqueci as minha muletas… Na verdade os autores têm certas muletas em que eles se amparam durante a trama, são vícios que temos. Até nos diálogos, determinadas maneiras de encaminhar as falas, pontuações, eu tentei eliminar.

Estado – Está dando muito trabalho?

Aguinaldo – Não (risos), agora não. Agora eu já sou outro autor. Não penso mais como Aguinaldo (risos).’



Beatriz Coelho Silva

‘‘É uma novela sobre ética’, diz diretor’, copyright O Estado de S. Paulo, 27/06/04

‘Wolf Maya considera Senhora do Destino duas novelas. A primeira tem quatro capítulos e se passa em 1968, em meio aos conflitos que desembocaram no Ato Institucional nº 5, e a segunda, nos dias atuais. ‘São produções e elencos estanques que me tomam entre 12 e 15 horas por dia, mas vou estrear com 14 capítulos de frente, uma enorme folga na produção’, conta ele. ‘E estou completamente feliz. Trabalhar com Aguinaldo Silva é melhor do que eu sonhei.’

Depois de dirigir comédias amalucadas (as últimas foram Kubanakan e Quintos dos Infernos), Maya está feliz em mudar de estilo. ‘Kubanakan me desencantou porque eu queria fazer uma crônica da América Latina e a novela concentrou-se no protagonista, o Esteban’, lembra ele. ‘Senhora do Destino é uma novela sobre a ética, sobre a importância de ter bom caráter. Seus vilões se dão mal de uma forma que normalmente não acontece na vida real, infelizmente.’

Maia voltou-se para o drama, gênero que não burilava desde 1998, com Hilda Furacão, mas lembra que Agnaldo Silva se caracteriza por dar leveza às histórias mais complicadas. ‘Ele cria núcleos que fazem a trama respirar’, conclui. ‘Em Senhora do Destino, o núcleo do barão de Bonsucesso (vivido por Raul Cortez, que contracena com Glória Menezes, o próprio diretor, Ângela Vieira, Débora Falabella e Mário Frias) cumpre esse papel.’’