Sunday, 12 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Terra Magazine

APAGÃO
Claudio Leal

Depois do apagão, jornalistas viram especialistas em energia

‘E a mídia fez a luz. Crise iniciada, pencas de jornalistas brasileiros opinam, com fumos de quem retornou de um mestrado de verão, sobre o tema que comove, atiça e revolta os brasileiros: o blecaute que afetou 18 Estados a partir das 22h10 da terça-feira, 10 de novembro.

No conjunto de pitacos, há um brado descendente daquele zombado pelo cronista Rubem Braga: ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil. Troque saúva por apagão nas análises dos repentinos especialistas em energia elétrica, física, Itaipu, mudanças climáticas e ataques indígenas. As tendas estão armadas no bazar midiático.

O físico e ex-presidente da Eletrobras, Luiz Pinguelli Rosa, é o entrevistado do ‘Bom Dia Brasil’, na Rede Globo, na manhã de 11 de novembro. Opiniões técnicas:

– Discordo do ministro (Edison Lobão). O sistema do Brasil é interligado há muito tempo. Ele reforçou sua interligação… Não tivemos um problema de energia, mas um problema elétrico – afirma Pinguelli.

Na bancada de jornalistas, o apresentador Renato Machado pede licença para uma pergunta de Alexandre Garcia, direto de Brasília.

De início, o comentarista avisa que conversou com alguém bem-informado, mas isso você já sabe desde o governo Figueiredo. Às palavras:

– Professor Pinguelli, na sexta-feira eu passei quase a tarde toda conversando com o presidente da Itaipu binacional, o Jorge Samek, e ele me explicava a tranquilidade dele quanto ao nível de água de Itaipu, que recebe afluentes, a bacia recebe afluentes de diversos regimes de chuvas. E aí restava então a transmissão, uma certa não fragilidade, mas uma incerteza sobre o que pode acontecer com a transmissão…

Garcia prossegue com índios e MST:

-… E aí professor a gente tem visto ameaças de índios, de MST a hidrelétricas, a torres de transmissão… O que é preciso fazer pra que a gente tenha segurança absoluta ou segurança absoluta não existe?

Confrontado com a ameaça indígena, Pinguelli responde:

– Não existe. Não existe. A segurança absoluta, na engenharia, não existe. Não se pode garantir 100% de nada.

Miriam Leitão expõe sobre as implicações das mudanças climáticas

‘Os climatologistas’

No vídeo ‘Apagão e mudança climática’, postado em seu blog, a colunista de economia Miriam Leitão faz um alerta:

– A mudança climática vai colocar uma pressão muito maior sobre o sistema energético brasileiro. Então o Brasil tem que ter no seu horizonte, no horizonte do seu planejamento energético, tudo o que pode vir a acontecer com a mudança climática.

Miriam explica o que vem a ser o ‘estresse hídrico’:

– Os climatologistas estão nos dizendo o seguinte: os eventos climáticos extremos, ou seja, uma grande tempestade com raios, trovões e tal, ou uma seca, eles vão ficar mais frequentes… Agora, a gente vai ter mais o que os climatologistas chamam de ‘estresse hídrico’, ou seja, falta de água…

‘Fica até chato’

O apagão se desdobra num velho confronto televisivo. A repórter Venina Nunes, da Record, ao vivo no programa ‘Hoje em dia’, invade a tenda da Globo para entrevistar o secretário de Minas e Energia, Márcio Zimmerman. Barrada pela assessoria de imprensa do ministério, Venina protesta contra a ociosidade do entrevistado, que aguarda a Globo por longos minutos.

– O secretário ainda está esperando… Ele disse que não pode falar com a gente por enquanto… Vamos esperar um pouquinho. E a gente continua aqui ao vivo, direto de Brasília…

– A gente sabe como é isso, é muito complicado… Nessas horas são vários jornalistas tentando ouvir – atenua o apresentador do ‘Hoje em Dia’, Celso Zucatelli.

Mas logo ele se incomoda com o desprezo:

– A gente tá vendo o secretário ali esperando pra dar a entrevista, enquanto o telespectador está esperando… O Brasil precisa dessa informação!

Peleja da repórter da Record faz sucesso no YouTube

Zucatelli pede à repórter para insistir. Ela ultrapassa a linha global:

– Fica até chato, né? Porque é falta de ética tentar atrapalhar o trabalho dos outros, mas eles estão aqui impedindo… A repórter não deixa a gente passar… Secretário! O senhor já está esperando há um bom tempo… Com licença…

Quem é você? Era o assessor do ministério, irritado:

– Está tudo agendado, pra ele falar com a Globo antes e depois falar com vocês. Você saiu de seu link, veio até aqui, invadiu o link da Globo…

Venina revida, enquanto observa um plácido Zimmerman.

– A área é pública, o secretário está aqui desocupado…

A persistência da Record dá em nada. Zucatelli, resignado:

– Que pena. Isso vai contra a democratização da informação!

Datena enfrenta Golias

Na tarde do ‘Brasil Urgente’, da Bandeirantes, José Luiz Datena reprisou uma reportagem na hidrelétrica de Itaipu. Com um capacete vermelho, o jornalista detalha sua emoção:

– É como passear pelo organismo vivo do gigante Golias.

O tema de Indiana Jones vira fundo musical. Para não deixar dúvidas, a legenda explica:

– ‘Maior hidrelétrica do mundo vista por dentro’.

Datena pergunta ao funcionário:

– Fantasma tem aqui?

Imagens das dependências do ‘gigante Golias’. Na sala do comando centralizado, o veterano repórter vê uma fita amarela, que marca a fronteira Brasil-Paraguai.

– Estou com um pé no Brasil, outro no Paraguai.

E nasce a curiosidade arriscada:

– Onde tá a turbina?

– A turbina tá embaixo.

– Então vamos parar no Japão, pô!

Volta a música de Indiana Jones. Datena observa a grandiosidade das comportas de Itaipu e aponta, beirando a água:

– Olha o arco-íris…

Algumas comportas são, lentamente, fechadas. Uma definição.

– É como se fechassem as cataratas do Iguaçu… Vimos o fechamento das torneiras de Itaipu – narra.

Datena abraça Imperador, funcionário da hidrelétrica.

– Foi bonito mesmo! É como se fechasse uma torneira.

‘Tarso não é ministro do setor’

Na casa de Lucia Hippolito – cientista política, historiadora e jornalista, especialista em eleições, partidos políticos e Estado brasileiro -, a luz voltou às 4h da quarta-feira, 11. Em seu comentário na rádio CBN, ela puxou o fio dos desdobramentos políticos.

– Esse é um episódio que a gente pode marcar por um problema de gestão. Acho que o presidente Lula tem razão. Não houve problema de falta de geração de energia. Nós conversamos hoje, Milton Jung e eu, com o diretor de Itaipu e ele dizia: o problema não foi esse, o problema foi que houve um bloqueio na saída da energia de Itaipu, então a usina desligou. O presidente tem razão…

‘Propalada qualidade’

Pela manhã, Lucia Hippolito havia criticado as confusões do ministro Edison Lobão. Depois de apresentar detalhes técnicos, neste novo comentário ela analisa os impactos da crise elétrica sobre a candidatura de Dilma Rousseff (PT) à presidência:

– Quando você fala em gestão, todo mundo pensa logo na ministra Dilma. Ela foi ministra das Minas e Energia nos primeiros tempos do governo Lula… Esse é um problema que pode, sim, respingar nessa propalada qualidade de grande gestora da ministra…

Especializada em ciência política, ela critica o ministro Tarso Genro por também opinar numa área que não é a sua.

– Do ponto de vista político, você veja que o ministro da Justiça, Tarso Genro, que nem é o ministro do setor, mas já saiu em defesa, dizendo que a oposição estava querendo transformar um tropeço em catástrofe… Acho que foi mais do que um tropeço, né Nonato? – opina outra vez Lucia Hippolito.

Aula de inglês

Como esperado, o apagão se partidarizou. Às 22h50 da quarta, os deputados Fernando Ferro (PT-PE) e José Carlos Aleluia (DEM-BA) vão aos berros no programa ‘Brasil em Debate’, da TV Câmara.

Aleluia se equilibra para defender o apagão do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1999, e o posterior racionamento em 2001. Ferro desenferruja os antigos ataques do PT.

– Racionamento não é apagão – defende o deputado baiano.

– Racionalizaram na tora! – bradou Ferro.

Estabelece-se um debate vernacular: o ‘apagão’ deve ser chamado assim? Aleluia tem a resposta:

– Blecaute é em inglês. Em português é apagão.

É Dilma

Em conversa com Carlos Alberto Sardenberg, na CBN, o jornalista Merval Pereira, também do grupo Globo, procura colar Dilma Rousseff ao curto de Itaberá (SP).

– É evidente que a ministra Dilma Rousseff, tendo sido ministra das Minas e Energia e sendo a grande responsável pela área no governo, ela não fica imune às consequências políticas desse apagão. A questão agora é saber, no campo político, como é que a oposição e o governo vão conseguir explicar para a população o que aconteceu. Mas que no centro da questão está a capacidade de gestão da ministra Dilma Rousseff, está. Não há dúvida sobre isso.

São raios e ventos

À noite, após uma reunião com mais de 40 técnicos, o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, transmite o diagnóstico oficial:

– Todos juntos chegaram à conclusão de que o que aconteceu foram descargas atmosféricas, ventos e chuvas muito fortes na região de Itaberá, em São Paulo. Houve uma concentração desses fenômenos atmosféricos ali. O que provocou um curto circuito nos 3 circuitos que levam a Itaberá, que vêm de Itaipu.

Em nova postagem, às 20h36, a colunista econômica Miriam Leitão não está satisfeita com as justificativas dos técnicos:

– A explicação é insuficiente. Aponta que houve o fenômeno meteorológico como causa, mas não explica por que o sistema foi tão incapaz de estancar a propagação do problema e por que se demorou tanto para religá-lo.

Bem fez o Belchior.’

 

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