Monday, 13 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Veja

TECNOLOGIA

Benedito Sverberi e Larissa Tsuboi

Mais um golaço de jobs

‘Após um ano de rumores e expectativas, chega finalmente às lojas dos Estados Unidos a mais recente novidade da Apple, o iPad. O tablet, um misto de notebook, leitor de livros digitais e terminal móvel de acesso à internet, teve 120 000 encomendas só no primeiro dia de pré-venda, em 12 de março. A previsão de alguns analistas é que será atingida até junho a marca de 1 milhão de aparelhos comercializados. Projeções mais otimistas chegam a apontar para 10 milhões de unidades no primeiro ano. Tamanha procura – que já causa atrasos de até uma semana nas entregas e promete filas na porta das lojas – contrasta com a fria recepção dos especialistas em janeiro, quando houve o anúncio do aparelho. Apesar de Steve Jobs, presidente da companhia, não ter economizado elogios ao apresentar seu novo invento (‘impressionante’, ‘mágico’, ‘revolucionário’), muitos viram no iPad um irmão anabolizado do iPhone, com poucos recursos que o tornassem excepcional. A decepção inicial deu lugar à percepção de que a Apple, mais uma vez, parece ter criado um aparelho que será a referência do mercado em sua categoria.

Com o iPad, a Apple sintetizou todas as virtudes que a caracterizaram desde o seu início, em 1976, que podem ser resumidas em eficiência técnica, simplicidade de manuseio e elegância visual – conceitos agora levados ao extremo. Por fora, o novo aparelho não passa de uma tela de alta resolução. Mas com ele podem-se executar praticamente todas as operações que se fazem com um notebook. De quebra, haverá desde o início 150 000 aplicativos disponíveis para ser baixados, muitos deles os mesmos criados originalmente para o iPhone, mas também um bom número de ferramentas novas e exclusivas para o iPad. Por fim, alguns programas consagrados dos computadores Mac foram transpostos para o tablet, preenchendo a lacuna existente entre smartphones e notebooks. São exemplos o Numbers, de planilhas, e o Keynote, usado para preparar slides para apresentações. Como novidade haverá a iBookStore, loja virtual de livros criada pela Apple à maneira da Amazon, que fabrica o Kindle, o leitor digital (e-reader) mais popular até aqui.

Uma ideia fundamental por trás do iPad é transmitir às pessoas que o utilizam a sensação de que o aparato físico não existe. Uma nova tecnologia multitoques tornou sua tela ainda mais sensível ao movimento dos dedos que a de um iPhone. O tamanho do visor garante leitura confortável – é pouco menor que esta página – e o peso de apenas 680 gramas torna práticos o transporte e o manuseio. Marcelo Tripoli, da agência de marketing digital iThink, explica que o fato de ser simples, somado aos preços convidativos (a partir de 499 dólares, o segundo menor de um lançamento Apple), vai assegurar sucesso de vendas. ‘Acho que o grande público acabará seduzido pela simplicidade e pela facilidade de uso do iPad’, diz o especialista.

Da mesma forma que o iPod e outros tocadores digitais transformaram o mercado de música, acredita-se agora que o iPad e outros aparelhos do tipo que estão chegando ao mercado vão revolucionar a maneira pela qual livros, revistas e jornais são comercializados e lidos. Na corrida pela inovação e adaptação de conteúdo digital, quem também deve lucrar é o mercado de publicidade on-line. A ideia é vender anúncios para portais de notícias feitos sob medida. É que a experiência de navegação nesses dispositivos multiplica as possibilidades de interação. Basta tocar na publicidade de um carro, por exemplo, para fazê-lo girar, mostrando todos os seus ângulos, ou ainda exibir uma ficha com suas especificações técnicas. Para a Apple, ao mesmo tempo, o iPad pode ser uma generosa fonte de receita. Isso porque a empresa não ganha apenas ao vender o seu produto. A Apple fica com 30% do valor de cada aplicativo, música ou livro comercializado em suas lojas virtuais. É uma diferença abissal em relação a outros fabricantes de eletrônicos, que faturam com a venda de seus equipamentos e fim. Prova de que Steve Jobs é um gênio não apenas do design, mas também dos negócios. Com o iPad, essa receita de sucesso será catapultada.’

 

ARMANDO NOGUEIRA

‘Deus é esférico’

‘Uma colagem de frases do criador do Jornal Nacional resume a vida, o estilo e a paixão pelo esporte do grande cronista

‘Achava que estava sem horizonte em Xapuri. Saí do Acre com 17 anos. O Acre é uma magia. É o único estado que é brasileiro por devoção. É uma causa da humanidade. Cheguei ao Rio de Janeiro em setembro de 1944. Nunca tinha visto mar, asfalto, bonde e automóvel. Só tinha conhecido um carro na minha vida. Minha intenção era continuar a carreira de pilotagem, iniciada no aeroclube de Rio Branco. Voar de ultraleve não é um acaso na minha vida. É destino. Troco dois pés em bom estado de conservação por um par de asas bem voadas. Mas tenho a alma, a palma e o coração de jornalista.

Também tenho sorte. Em junho de 1954, depois da derrota do Brasil para a Hungria na Suíça, eu esperava no vestiário quando ouvi um barulho enorme no túnel. Era uma pancadaria generalizada. Enfiei uma câmera pelo basculante do vestiário e fotografei, sem querer, o Zezé Moreira, que era técnico da nossa seleção, arremessando uma chuteira no rosto do ministro de Esportes da Hungria. Se eu não gostasse tanto da vida, esse seria um bom momento para morrer. Fiquei bastante popular entre os jornalistas.

Na madrugada de 5 de agosto, menos de quarenta dias depois, eu estava entrando em casa quando presenciei o atentado contra Carlos Lacerda. Pedi ao Pompeu de Souza, secretário de redação do Diário Carioca, para não fechar a edição. Ele determinou que eu redigisse a reportagem na primeira pessoa do singular. Foi a primeira vez que se utilizou no Brasil essa técnica jornalística.

Gosto de política, mas prefiro esporte e, entre todos os esportes, futebol, o mais vibrante universo de paz que o homem é capaz de iluminar com uma bola, seu brinquedo fascinante. Bola é magia, bola é movimento. Brinquedo mágico que se submete suavemente à vontade do homem. Por isso, respeitemos no árbitro, ao menos, o sofrimento de estar ele no meio da brincadeira sem poder brincar.

Brincar com a bola é descobrir a harmonia e o equilíbrio do universo. A Terra é redonda (e gira em torno de Pelé). Deus é esférico. A existência de Deus foi confirmada pelas tabelinhas de Pelé e Tostão. O futebol não aprimora os caracteres do homem, mas sim os revela. Futebol é uma religião pagã, em que as pessoas se encontram para adorar a bola.

Para entender a alma do brasileiro, é preciso surpreendê-lo no instante de um gol. Nosso povo não canta o hino no dia 7 de setembro, mas sim quando a Seleção joga. É nesse momento que sua manifestação cívica é mais ardente. Amar um clube é muito mais que amar uma mulher. Ao longo da vida, troquei de namorada, sei lá, mil vezes. Jamais trocaria o Botafogo, nem por outro clube nem por nada neste mundo.

Um dia, consumido de saudades botafoguenses, escrevi um breve poema sobre Nilton Santos: ‘Tu em campo parecias tantos / e, no entanto – que encanto -, eras um só: Nilton Santos!’. Nilton não era um jogador de futebol, era uma exclamação. Minha memória é um feixe de deslumbramentos. Fui mal acostumado pela contemplação da utopia.

Vi Pelé, tão perfeito que, se não tivesse nascido gente, teria nascido bola. Vi Garrincha, para quem a superfície de um lenço era um enorme latifúndio. Driblar com as pernas tortas, e driblar como ninguém, eis o mistério de Garrincha que eu não ouso explicar. E vi Didi, de chute oblíquo e dissimulado como o olhar de Capitu. Vi o Real Madrid dos anos 50, mas vi sobretudo o Santos e o Botafogo da virada daquela década.

Nos jornais e na TV, passei a vida procurando palavras, não necessariamente a mais bela, mas a exata. A palavra é como o ser humano: nasce, cresce e morre. Mas tem sobre nós a vantagem do renascer. Sofro tanto no processo da escrita que hoje acho que muito melhor que escrever é ter escrito.

A TV conjuga um verbo irresistível que é o verbo mostrar. Fazer o Jornal Nacional tornou-se rotineiro, mas certos fatos obrigam um jornalista a celebrar de joelhos o fato de estar vivo. A chegada do homem à Lua, por exemplo. Ou a vitória do Brasil na Copa de 70. Aquela e a de 58 foram as mais românticas das seleções. Qual teria sido a mais perfeita? Fico com a que triunfou na Suécia. Reluzia e suava. Suava e reluzia. E o ataque juntava nada menos que Pelé e Garrincha.

Não sei o que virá depois, mas tenho uma desconfiança: quem morre muda, e quem muda melhora. Tenho notado que os meus amigos que morreram melhoraram com a morte. Eu não a desejo, mas também não vejo na morte o fim do mundo. É só uma grande mudança. E pode ser o começo de outro mundo.’’

 

TELEVISÃO

Marcelo Marthe

Tamanho família

‘Por quase dezesseis anos, Lux (Brittany Robertson) foi uma ‘sem-família’. Entregue para adoção logo ao nascer, por sua mãe adolescente, ela não despertou o interesse dos candidatos a pais por sofrer de um problema cardíaco. Cansada de ser um joguete nas mãos de casais que lhe davam abrigo para ganhar uma pensão do governo, Lux procura os pais biológicos a fim de lhes pedir autorização legal para antecipar sua maioridade. Mas o efeito do encontro é outro: acende-se uma ligação afetiva entre eles. O ressurgimento de Lux dá novo sentido não só à vida da adolescente, como também à da mãe. A mensagem da açucarada Life Unexpected (Vida Inesperada) é inequívoca: tudo converge para os laços primordiais da família. Por maiores que sejam os desencontros e as diferenças, nunca faltará lugar para mais um sob seu manto. Com variações de tom, trata-se de uma mensagem comum a vários seriados americanos recentes: depois de uma década na berlinda, a família repentinamente está de volta ao centro da cena.

Life Unexpected inverte os papéis clássicos e fala sobre as dificuldades de uma criança em aceitar os pais indesejados. Já Parenthood (ambos os programas estreiam na semana que vem no Liv, novo canal de séries da TV paga) segue uma linha conhecida, mas inova na voltagem. Produzido pelo diretor Ron Howard com base em seu filme homônimo de 1989 (aqui lançado com o título inexplicável de O Tiro que Não Saiu pela Culatra), o programa se debruça sobre os problemas mais terríveis na criação dos filhos, do autismo ao vício em drogas. Lembra muito Brothers & Sisters, que inaugurou a leva atual de novelões familiares – exceto pelo fato de que, nessa série, quase todas as agruras são deflagradas por infidelidades conjugais.

Nenhum programa, entretanto, explora tão bem o tema do adultério quanto The Good Wife, em que a advogada Alicia Florrick (Julianna Margulies) enfrenta a humilhação pública quando seu marido, um procurador (vivido por Chris Noth, o Mr. Big de Sex and the City), se envolve em um escândalo de sexo e corrupção. À maneira de muitas mulheres de políticos americanos que se viram em situação similar (por exemplo, a mulher de Eliot Spitzer, ex-governador de Nova York, que renunciou ao mandato quando seus gastos com prostitutas se tornaram notórios), Alicia mantém as aparências, em nome dos filhos e de um resquício de dignidade. Mais fácil até do que chorar com o drama que é a vida em família, entretanto, é rir dele. Two and a Half Men (veja o texto na pág. 117) trata de disfunções terríveis, mas com mordacidade hilariante. Um pouco mais doce, mas não menos afiada, é Modern Family, em que um americano idoso e a mulher, uma perua colombiana bem mais jovem, convivem com a filha e o filho do primeiro casamento dele – ela, uma mãe tradicional, e ele, um gay que adota um bebê vietnamita com o parceiro.

A família é o tema fundador da teledramaturgia americana. ‘Quando surgiram, os seriados precisavam ser palatáveis para filhos, pais e avós, pois passavam na hora em que todos se reuniam diante da TV. Falar da família proporcionava esse denominador comum’, diz a especialista Fernanda Furquim. As sitcoms que marcaram os anos 50, como I Love Lucy e Papai Sabe Tudo, retratavam a família nuclear, em que os papéis de pai, mãe e filhos são bem delimitados – ainda que a comediante Lucille Ball, na primeira dessas séries, sacudisse a imagem da esposa passiva. Nos anos 60, a família desajustada começou a dar as caras. Para rebater críticas ao irrealismo de seu sucesso Bonanza, o roteirista David Dortort criou Chaparral – outra produção ambientada no Velho Oeste, mas na qual um fazendeiro americano irascível se casa com uma mexicana por conveniência e tem uma relação belicosa com o filho. Remonta à segunda metade dos anos 70, contudo, a mãe de todas as séries sobre clãs fora dos eixos: Family, produzida por Aaron Spelling (responsável também por Dinastia, que disputa com Dallas o título de melodrama familiar mais cafona tanto acima como abaixo da fronteira americana com o México). Falava de um casal impotente diante dos problemas dos filhos.

O apelo atual desses programas tem algo a ver com a composição do público dos seriados, que é por excelência feminino. ‘Numa pesquisa com 2.000 latino-americanas, constatamos que a família é o tema prioritário para elas’, diz a colombiana Claudia Chagüi, executiva do Discovery que capitaneou a criação do canal Liv. Hoje, as tramas abarcam arranjos familiares muito diversos do clã nuclear tradicional. Alguns seriados mostram uma pegada radical ao expor os traumas domésticos. Em United States of Tara, da Fox, a dona de casa vivida por Toni Collette desenvolve múltiplas personalidades para contornar as dificuldades que os dois filhos lhe trazem. Mesmo em visões desencantadas como essa, a lição que se tira não é muito diferente da que se extraía dos congêneres dos anos 50. ‘Assim como ocorria desde os anos 30 nas radionovelas e se verifica hoje também nas telenovelas brasileiras, a moral é sempre agregadora’, explica Mauro Alencar, estudioso das novelas. Apesar dos pesares, pertencer a uma família vale a pena. Ou pelo menos é o que garantem os roteiristas

A comédia da vida

Desde que sua carreira foi reanimada pela série cômica Two and a Half Men, há sete anos firme na popularidade, Charlie Sheen vem proporcionando aos fãs uma experiência dupla. Na TV, eles riem do clã desajustado de Charlie Harper, personagem que é a cara do próprio Sheen: beberrão e cafajeste. Em sites de fofoca, acompanham os barracos que o ator arma na própria casa. Sheen aguarda julgamento, acusado de atacar a mulher com uma faca no último Natal. Sua subsequente passagem por um programa de reabilitação levou ao cancelamento da gravação de dois episódios do seriado. Exibido aqui pela Warner, Two and a Half Men deve grande parte de sua graça à moral, digamos, relaxada do protagonista. Charlie curte a vida numa mansão em Malibu, graças à grana fácil que embolsa como criador de jingles (não muito diferente de Sheen, que embolsa 825 000 dólares por episódio, apenas para ser ele mesmo). Meio a contragosto, dá abrigo a um irmão pobretão, seu antípoda em tudo – Alan (Jon Cryer), travadão, é um fracasso com as mulheres. O achado dramático da série é que ambos, no fundo, se comportam como crianças com idade mental inferior até à do sobrinho adolescente de Charlie – interpretado com uma graça muito natural pelo ator Angus T. Jones, de 16 anos.’

 

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