Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

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MAINARDI & FRANCIS
Diogo Mainardi

Paulo Francis e eu

‘Em 2007, fará dez anos que Paulo Francis morreu. Eu me encontrei com ele, pela última vez, dois meses antes de sua morte. Passamos o Natal juntos em Paris. Ele tinha acabado de resolver a pendenga judiciária com a Petrobras, que o processara por uma frase dita no programa Manhattan Connection. Em Paris, ele falou muito sobre o caso. Dizia-se aliviado e cansado. Elio Gaspari atribuiu sua morte ao imenso desgaste emocional sofrido durante o processo. Eu defendo a linha eliogaspariana. Acredito que Paulo Francis realmente morreu por esse motivo.

Como se sabe, eu sou o imitador barato de Paulo Francis. O que nele era tragédia, comigo se transformou em farsa. Estou sendo processado por um monte de gente ligada ao petismo. Num desses processos, a Brasil Telecom me apresentou como uma espécie de Marcola do parajornalismo, afirmando à autoridade judiciária que há 425 denúncias contra mim. O número foi ligeiramente inflacionado. Com isso não pretendo sugerir que a Brasil Telecom costuma inflacionar seus números, como aqueles oferecidos ao Citibank por sua cota na empresa. É bom que isso fique claro e que a Brasil Telecom me entenda, porque já tenho processos o bastante. O fato é que não há 425 denúncias contra mim. Atualmente, respondo a seis processos criminais e cerca de uma dúzia de cíveis. Um mais grotesco do que o outro. A Justiça sabe disso. Tanto que meu retrospecto legal é altamente positivo. Só nesta semana meus advogados ganharam duas causas. A grande vantagem de pertencer a um universo farsesco é que, ao contrário de Paulo Francis, não há a menor possibilidade de que eu morra por causa de meus processos. O pior que pode me acontecer é ter de viajar a São Paulo de dois em dois meses.

A tática de intimidar a imprensa por meio de processos judiciais foi testada pelos petistas no Rio Grande do Sul. O tema é tratado no livro de entrevistas Vanguarda do Atraso, de Diego Casagrande. O jornalista José Barrionuevo foi denunciado doze, treze vezes durante o governo Olívio Dutra, até ser condenado por uma estatal de energia. Políbio Braga foi obrigado a prestar depoimento numa delegacia de polícia. Em seguida, foi demitido da Bandeirantes e da Gazeta Mercantil porque o governo simplesmente cortou a publicidade destinada a esses veículos. Érico Valduga foi processado por delito de opinião, assim como Rogério Mendelski. No total, segundo o livro, uns vinte jornalistas foram perseguidos pelo petismo gaúcho, um número surpreendentemente grande, considerando a moralidade fluida da categoria. A gauchada é meio lenta. Levou alguns anos para aprender que os petistas mordem. Depois disso, livrou-se deles para sempre. O resto do Brasil é ainda mais lento do que o Rio Grande do Sul. Mas um dia aprende. Pavlovianamente. Cuidado. Os petistas mordem.’



VEJA vs. EMIR SADER
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O núcleo duro do…

…miolo mole e sua divertida enciclopédia sobre a América Latina

‘Está lá, na página 533, entre os verbetes ‘Federação das Índias Ocidentais’ e ‘Feminista, Movimento’: Feijoada – Do português ‘feijão’. Prato da culinária do Brasil, feito com feijão-preto e distintos tipos de carne suína, cozido por várias horas. Costuma ser servido com arroz, couve refogada, farofa e pedaços de laranja, tradicionalmente, às quartas-feiras e aos sábados. A definição revolucionária e relevante faz parte da Latinoamericana (assim mesmo, sem o hífen obrigatório) – Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. Trata-se de obra divertida para leitores de todos os continentes. Para seu deleite exige-se apenas QI ligeiramente superior ao dos chimpanzés – ou ao das lhamas, para ficar na referência regional. O cartapácio preenche mesmo um vácuo, já que a idiotice latino-americana (assim mesmo, com o hífen obrigatório) não cabia mais em um simples manual. Os organizadores são os companheiros entre si Emir Sader, o mártir da sociologia brasileira, e Ivana Jinkings, cujo apodo no meio editorial é ‘Ivana, a Terrível’ – injustiça provavelmente saída da cabeça doentia de um dos direitistas que tomam conta do pedaço.

O núcleo duro do miolo mole também se divertiu bastante com a enciclopédia, mas não com o conteúdo impresso, e sim com o embolsado. O custo total da Latinoamericana foi de 2 milhões e 23 mil reais. Cada colaborador convidado recebeu o equivalente a 1.700 dólares por verbete. Sim, dólares, porque em questões de dinheiro se deve sempre deixar o ‘latino’ de lado. Quem pagou essa feijoada? Você, é claro. Sader e Ivana receberam o patrocínio da Petrobras, da Eletrobrás, do BNDES, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, via leis de incentivo… vá lá, cultural. A piada não tem fim no petismo. Só dá para encarar com um porre de cachaça, preferencialmente. Desinformado a respeito da bebida, Larry Rohter? Então leia na página 242, entre ‘Cabrera Infante, Guillermo’ e ‘Cacuango, Dolores’: Cachaça – Aguardente de cana-de-açúcar, é uma bebida muito popular no Brasil. É destilada de caldo de cana fermentado. Antigamente, era destilada em alambiques e produzida com o mel restante das usinas de açúcar. Misturada com limão, açúcar e gelo, produz a caipirinha. Pode-se também substituir o limão por outras frutas. Pô, e a caipiroska, gente? Está certo que os russos não são mais de esquerda, mas a exclusão é uma injustiça para com os povos latino-americanos.

Pensando bem, a eliminação da caipiroska é uma perda, mas pode ser um ganho. Não entendeu o paradoxo? Falta-lhe mesmo um politburro, mente colonizada! Chegue até o estertor do verbete ‘Gastronomia e Culinária’ e seu prêmio será a seguinte sobremesa: Como uma nota culinária final, a convergência cultural e alimentar parece acompanhada pela surpreendente clareza da atitude dos latino-americanos a respeito do mar. Há uma diferença muito grande entre a atitude dos litorâneos do Atlântico, que se contentam em retirar do mar somente peixes, algumas algas e mariscos – completando suas refeições com cereais, frutas e verduras -, e a dos habitantes da região do Pacífico, que retiram mariscos, crustáceos, peixes e algas em quantidade suficiente para prescindir, se necessário, de outras fontes de alimento. Atualmente, há um crescente comércio entre os países desses litorais, sustentado por uma transferência de hábitos alimentares. Pode ser que, com o tempo, o estrangeiro, em qualquer parte da América Latina, acabe se alimentando como se estivesse em seu próprio país, o que representará ganhos, mas também perdas consideráveis. No mesmo verbete, à intrigante pergunta ‘Para onde vai nossa culinária?’, somos informados de que: Nos restaurantes e nas casas particulares, assim como nos recintos coletivos, de colégios, fábricas e escritórios, a alimentação depende do horário e dos custos. Nas principais cidades latino-americanas são encontrados pratos da cozinha nacional e internacional, sendo esta quase sempre uma adaptação local de algum prato conhecido. Nas residências, o ‘trivial variado’ se baseia em pratos tradicionais modificados pelo cotidiano, por tratar-se de uma despesa indefinidamente repetida. Pois é, como dizia o Rolando Lero, aquele personagem da TV, anão é uma pessoa bem pequenininha. Seria ainda mais cômico se não fosse tão caro – uma despesa indefinidamente repetida.

O trivial da Latinoamericana se baseia em pratos tradicionais pouco modificados pelo cotidiano, como os encômios a Che Guevara (‘Uma das personalidades mais transcendentes do século XX’), Fidel Castro (‘Tem ratificado sua estatura de dirigente revolucionário de alcance mundial e de grande estrategista do chamado Terceiro Mundo’) e Hugo Chávez (‘Promoveu profundas transformações na institucionalidade’). No cardápio nacional, o nome de Getúlio Vargas está grafado corretamente (em se conhecendo os editores, havia o risco de sair ‘Getulho’) e Lula, ora veja só, causa alguma indigestão aos organizadores por causa da política econômica. A ingratidão com o presidente brasileiro não é completa porque, lá no final do verbete dedicado a ele, Sader diz que o mensalão foi um ‘suposto pagamento mensal a deputados da base aliada para garantir maioria no Congresso’ e que, durante o escândalo de corrupção petista, ‘a oposição de direita ganhou força, apoiada no monopólio privado da mídia, que estendeu ao máximo as denúncias na perspectiva de enfraquecer a (sic) Lula para impedir sua reeleição’. Não chore, ria, porque você já pagou por isso e não há como ser ressarcido do dinheiro.

Quer mais diversão? Confrontem-se os malabarismos ideológicos nos verbetes dedicados a Cuba, destroçada pela ditadura castrista, e ao Chile, dono de uma economia exuberante. Cuba: A estrutura social cubana atual é transicional em dois sentidos: por um lado, é de transição socialista, porque reproduz as condições que dão continuidade a esse tipo de regime, e este, por sua vez, é a base da forma de governo; por outro lado, está em um processo de reinserção limitada no sistema de economia mundial controlado pelo capitalismo, mas o faz de tal modo que até agora maneja todas as suas variáveis favoráveis para manter o controle, tomar decisões e redestinar recursos, ou seja, para continuar sendo de transição socialista em vez de realizar uma integração progressiva para (sic) o capitalismo mundial. Chile: A modernidade na qual o Chile vive imaginariamente é a fortaleza de seu capitalismo neoliberal, que lhe permitiu integrar-se em nível mundial, firmar tratados de livre-comércio com os países líderes, exportar uma parte significativa de seu produto e ser considerado uma economia exemplar, ainda que em pequena escala. Ou seja, Cuba está certa porque está dando errado e o Chile está errado porque está dando certo.

No fim, nós pagamos, eles embolsam e todo mundo ri – inclusive da gente.’



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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

Blog do Paulo Moreira Leite

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