Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Pressão para mudança de nome racista de time daria certo no Brasil?

(Foto: Alexandre Vidal/Flamengo/Fotos Públicas)

“Quem paga a conta é quem manda!”. Esta máxima hipócrita do eterno cartola do Vasco, Eurico Miranda, se encaixa perfeitamente no recente anúncio dos dirigentes do time de futebol americano Washington Redskin de que vão trocar o nome da franquia. Ninguém deve se iludir, no entanto, de que estão fazendo isso por concordarem com as manifestações antirracistas dos movimentos sociais nos Estados Unidos. Só anunciaram tal medida por pressão direta de seus principais patrocinadores: FedEx, Pepsi e Nike; e depois que Walmart, Target e Amazon anunciaram que não venderiam mais uniformes e outros produtos referentes ao time em suas lojas físicas e online.

O pesquisador canadense Dallas Smythe já alertava, nos anos 1970, que, no mundo das mídias, quem paga a conta é o anunciante. O público/espectador é apenas uma mercadoria à venda. E se for aplicado o lema do mundo dos negócios de que “o cliente sempre está com a razão”, o caso se aproxima muito do que pensava o famigerado Eurico Miranda sobre a gestão do esporte no Brasil, sobretudo em relação aos patrocinadores e às quotas dos direitos de transmissão dos jogos na TV. Neste caso atual do Washington Redskin, alguns de seus patrocinadores sabem muito bem o que é perder dinheiro por peitarem manifestações da sociedade, vide os casos em que foram acusados de exploração de trabalho escravo em países do terceiro mundo.

As manifestações contrárias ao uso de imagens de indígenas como mascotes de equipes esportivas datam dos anos 1960, e têm como slogan “Not Your Mascot”. E durante todos esses anos, o time da capital americana ligou quase nada para as campanhas antirracistas, assim como não deram a mínima centenas de outros times profissionais, amadores e escolares e universitários de futebol americano, basquete, beisebol ou hóquei. Os protestos se arrastaram por décadas, até que em 1992 um grupo de defensores dos direitos dos povos nativos levou a questão para os tribunais, pedindo que o Conselho de Apelação do Instituto de Marcas e Patentes dos Estados Unidos cancelasse o registro do nome Redskins, por ser ofensivo aos indígenas. O caso chegou até a Suprema Corte, que, em 2017, deu ganho de causa não só ao Washington, como a qualquer outra equipe que quisesse usar o nome que fosse. A base da decisão foi a famosa 1ª Emenda da Constituição Americana, aquela que diz que a “liberdade de expressão” jamais pode ser obstruída, mesmo que seja uma manifestação racista.

Para legitimar o time da cidade e minimizar a discussão, até o jornal The Washington Post encomendou uma questionável enquete entre pessoas que se autodeclaravam indígenas, dizendo que 90% dos entrevistados não se sentiam incomodados com o nome do time.

De nada adiantaram os protestos, a decisão de alguns jornalistas de não mais se referirem à franquia por seu apelido racista, ou mesmo o pedido direto do ex-presidente Barack Obama ao dono do time para que o nome fosse trocado. A tal “liberdade de expressão” falou mais alto. Só que não. Na guerra de interesses, a “con$ciência” dos anunciantes acabou “$oando” mais forte.

Resta saber se tal “con$ciência” também atingirá as outras tantas equipes que naturalizaram símbolos, significantes e significados racistas em suas marcas e práticas. A Coalizão Nacional Contra o Racismo no Esporte e na Mídia (NCARSM) tem uma lista de vários tipos de referências aos povos indígenas e aos negros escravizados nos Estados Unidos. E no Brasil? Haveria por aqui organicidade da sociedade civil para pressionar os clubes e a imprensa para que banissem com o racismo dos campos, quadras e telas? E os patrocinadores dos times – igualmente anunciantes nas mídias – seriam tão “compromi$$ados” como seus colegas americanos?

Este caso também pode provocar a reflexão sobre o mascote do time mais popular do país: o Flamengo. O fato de o urubu, “inicialmente” de conotação explicitamente racista, ter sido adotado carinhosamente pela torcida e pelo clube, isenta que o debate seja aberto por aqui? O que “era” uma ofensa virou um elogio? Ou todos concordam com o livro “Não somos racistas: uma reação aos que querem nos transformar em uma nação bicolor”, do diretor de Jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel? Fica a sugestão de debate.

P.S.: Este episódio faz também lembrar a soterrada campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, vinculada à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, nos anos 2000. Diante da soberba das emissoras de TV e das agências de publicidade, que pouco se importavam com o constante desrespeito a mulheres, negros, crianças, gays, indígenas, deficientes e outros, patrocinado por programas policialescos e de entretenimento barato, a saída foi pressionar os anunciantes. Alguns bons resultados saíram dali, mas isso pode ser resgatado em outro texto futuro. Ou então acesse a Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados e baixe o livro “Qualidade da TV: 10 anos da campanha Quem Financia a Baixaria é contra a Cidadania”, organizado pelo jornalista e pesquisador Cláudio Ferreira.

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Edgard Rebouças é jornalista, professor e coordenador do Observatório da Mídia na UFES.