Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Por que o salário é o que é?

Por que os professores deveriam ter o salário de um senador e o reconhecimento de um jogador de futebol? Desde o movimento “Não é só por 20 centavos” circula na net uma frase do dramaturgo Bertold Brecht muito oportuna a introdução deste texto: “Que tempos são estes em que temos de defender o óbvio?”

Nunca entendi por que um professor ganha menos do que um deputado, um senador, um juiz, um promotor de Justiça! Nunca entendi por que um professor tem que trabalhar tanto, repetir aulas acriticamente, e não tem tempo para estudar e se aperfeiçoar. Nunca entendi por que deve publicar artigos de graça em revistas científicas e ainda conceder todos os direitos autorais do seu trabalho intelectual. Nunca entendi por que ao final do mês ele quase não consegue pagar suas contas e tem uma vida restrita em todos os sentidos, inclusive culturalmente. Não tem recursos para viajar, comprar livros, participar de congressos ou mesmo oferecer um ensino de qualidade aos seus filhos.

Nunca entendi por que ele não é valorizado por empresários e políticos. Por que sua profissão não é tida como uma profissão? Será que é porque ganhamos trocados em troca do nosso trabalho intelectual? Porque a produção de conhecimento, por ser imaterial, não possa ser quantificada? Ou porque não estamos no poder, formulando as leis e os nossos próprios salários?

Desenvolvimento e princípios éticos

A corrupção e o autofavorecimento levam a uma miopia perigosa, inclusive para os mensaleiros de plantão. Pois sem o desenvolvimento do país os seus interesses também estão em risco. Um país que não gera riqueza, não é um bom país para ninguém. O ganho imediato, o “tudo para mim”, a falta de princípios, conduzem a uma cegueira a médio, longo prazo. Lembrem-se do óbvio: são os professores que formam os juízes, os engenheiros, os médicos, os jornalistas, os economistas, os sociólogos, psicólogos… Querem bons profissionais? Teremos de formar bons professores. Um país desenvolvido, rico e autossuficiente é um país que investiu em algum momento nos profissionais da educação.

Um investimento financeiro, claro, mas também social: o de seu reconhecimento ampliado. Pois, como nos lembra o educador Paulo Freire, ensinar não é uma mera transferência de conhecimento [“Ensinar não é uma transferência de conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção e construção” FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia.São Paulo: Paz e Terra, 1996: 25]. Depende de uma relação de integridade, pois é acima de tudo um encontro humano, esse, sim, uma forma de abrir-se a possibilidades… Mas, infelizmente não é essa a aposta do país, quem sabe seja por esta razão que nos revelamos ao mundo uma aposta frustrada. Um país que tinha tudo para decolar e não decolou.

No entanto, uma faísca se acende em meio à neblina: professores e alunos unidos em solidariedade em defesa da educação. Dois grupos que, de fato, podem reconduzir o país para o desenvolvimento e para a formação de princípios éticos. Creio, sem duvidar, que o fortalecimento deles é o caminho para o bem-estar social.

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Isabelle Anchietaé professora universitária, jornalista, mestre em Comunicação Social e doutoranda em Sociologia pela USP